V. O ensino no século XII. Disciplinas de estudo e método docente

O quadrívio, constituído, de certo modo, pelo estudo rudimentar das ciências exatas, não era considerado tão necessário à formação sacerdotal como o trívio; daí a existência de numerosas escolas que limitavam o ensino às artes sermocinales e serem raros os mestres que sabiam com consistência as artes reales, de cujos assuntos também eram raros os escritos nas livrarias monásticas ou capitulares, de feição escolar.

Pela relação com a instrução conveniente ao sacerdote, os mestres que ministravam conhecimentos do quadrívio transmitiam, em geral, mais noções de Música e de Astronomia do que de Aritmética e Geometria. A aprendizagem prática da salmodia e do canto litúrgico solicitava, naturalmente, o estudo das regras teóricas da arte musical, assim como a organização do calendário eclesiástico exigia o conhecimento do essencial da teoria da esfera, em ordem à determinação da Páscoa e das festas mudáveis.

Este curso, do qual foram compêndios capitais o De institutione Musica e o De institutione Arithmetica, de Boécio, manteve-se durante a Idade Média, desenvolvendo-se e aprofundando-se depois da segunda metade do século XII o estudo da Dialética (ou Lógica) e o das disciplinas do quadrívio, em especial a Geometria e, sobretudo, a Astronomia, em virtude da divulgação das versões para latim de traduções árabes de escritos gregos, levadas a cabo, principalmente, em Toledo. Foi na escola de Chartres que mais significativamente e com maior influência se operou o alargamento do currículo tradicional. Thierry de Chartres (t 1155), no Eptateucon, que refere as fontes bibliográficas acerca de autores medievais, como Boécio, Santo Isidoro de Sevilha, Gerbert (De mensuris), Gerland (Ábaco), Adelardo de Bath, cuja tradução dos Elementos de Euclides é coetânea, e de livros antigos por então traduzidos do árabe, designadamente, as Tábuas e o Planisfério de Ptolomeu. Os grandes tratados aristotélicos acerca da Metafísica, da Física e da Alma entraram tardiamente nas escolas, pelos fins do século XII, sendo este desconhecimento uma das causas do predomínio dos temas gramaticais na alta Idade Média.

O mais extenso conhecimento da literatura filosófica e científica dos Gregos, graças à tradução para latim das versões árabes, as exigências da vida social, tornada mais intensa e especializada, como já dissemos, o aumento da frequência escolar e a ação pessoal de alguns mestres, concorreram, dentre outras causas, para que no decurso do século XII se iniciasse o ensino de novas disciplinas, para além do currículo das «sete artes», as quais foram estudadas independentemente destas, e com mestre próprio. Tais foram a Teologia positiva, moral e especulativa, o Direito civil, o Direito canónico, e a Medicina.

O alargamento e aprofundamento da problemática filosófica e a constituição da Teologia como disciplina autónoma foram obra do génio

especulativo sistemático do século XIII e tiveram como locais próprios as Universidades, mas os alicerces foram lançados no século XII por alguns mestres famosos, designadamente Guilherme de Champeaux, Abelardo e Pedro Lombardo, que ensinaram na escola catedral de Paris.

Este, em particular, com os Quatuor libri Sententia rum, concluídos em 1152, legou uma obra de extraordinária fortuna escolar, com centenas de comentários até meados do século XVI. Pela matéria, o Livro das sentenças é um tratado de teologia dogmática e moral, no qual os temas estão dispostos em relação a duas categorias fundamentais: res, ou seres que não são símbolos, e signa, ou símbolos de outras realidades. Na categoria da res com-prende Deus (Livro I), as criaturas (Livro II), as virtudes e os seres destinados a gozarem a beatitude, que são os anjos e os indivíduos (Livro III); e na dos signa, compreende os sacramentos (Livro IV). Pela objetividade da exposição e impessoalidade do método, esta obra do famoso Magister sententiarum permitiu a sucessivas gerações de teólogos partir do seu texto para o desenvolvimento pessoal do pensamento, o que, em boa parte, explica a sua fortuna escolar.

O Direito civil, ou mais propriamente o Direito romano, teve em Bolonha o seu mais reputado centro docente e em Irnério (t c. 1140), o mais famoso jurisconsulto coetâneo. Separando o estudo do Direito do da Retórica e da Ars dictaminis, a que andava ligado, e estabelecendo-lhe por objetivo a determinação precisa dos textos e a resolução das respetivas dificuldades mediante a análise dialética, Irnério fundou uma atitude docente que se continuou com os «glosadores» até à Glossa ordinária, de Acúrcio (c. 1250), e logo irradiou para Inglaterra, em Canterbury, e para França, em Paris e Montpellier. Proibido o seu ensino, primeiramente na Inglaterra e depois na Universidade de Paris, em 1219, nem por isso se sufocou esta ordem de estudos, que as exigências da vida social e da cultura impunham.

A par do Direito civil constituiu-se pela mesma época o estudo autónomo do Direito canónico. Codificado inicialmente por Graciano, na Concordia discordantium canonum (c. 1140), o novo ramo dos estudos jurídicos irá ter no quadro dos estudos universitários lugar próprio, com base nas Decretais de Gregório IX, de São Raimundo de Penafort (1234), no Liber sextus (1298), nas Clementinas (1317) e, por fim, na codificação de todos os diplomas, no século XVI, do Corpus juris canonici.

A Medicina foi integrada por uns nas «artes mecânicas» (v.g. tecelagem, metalurgia, náutica, agricultura, etc.) e por outros nas «ciências físicas», cujo objeto é a indagação da natureza das coisas. Por este último sentido, que veio a prevalecer, se tornou sinónima de «física» e os seus cultores e práticos designados de «médicos» ou «físicos».

Na alta Idade Média, a Medicina foi geralmente praticada por monges e cónegos regrantes, não sendo raros os mosteiros que tinham enfermaria e um local destinado a consultas de doentes pobres (xenodochium). Aprendida de início prática e rotineiramente, assistindo e auxiliando um «físico», foi em Salerno, perto de Nápoles, que a Medicina teve o seu primeiro centro docente, instituindo-se no século XII, em Montpellier. Sem jamais perder a feição prática, o novo ensino constituiu-se como todas as disciplinas coetâneas, com base na leitura e no comentário de textos, designadamente de Galeno e de Hipócrates.

A utilidade prática e os proventos que os conhecimentos jurídicos e médicos proporcionavam, motivaram o desenvolvimento dos respetivos estudos no decurso do século XII; é expressivo testemunho deste facto a resolução do concílio de Reims (1131) e o segundo de Latrão (1139) proibindo os monges e os cónegos regrantes de estudarem o Direito civil e de exercerem a Medicina com intuito lucrativo.

A didática, em uso no ensino de todas as disciplinas, consistia, fundamentalmente, na lectio, ou seja, a leitura e comentário de textos escolares. Ensinar e ler tornaram-se, por assim dizer, sinónimos, pois a leitura, pelo mestre ou por um aluno, era seguida de glosa, isto é, de comentário ou explicação, mediante a qual o mestre expunha os conhecimentos de vária ordem relacionados com o texto lido. As dificuldades de ordem doutrinal deram ensejo, nas matérias mais simples, ao diálogo do mestre e dos alunos, ou só entre estes, e nos temas mais complexos da Lógica, da Filosofia e da Teologia, à disputatio.


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