VI. A instituição da licentia docendi e o alargamento do ensino

O magistério de mestre único, assim na área territorial das escolas como no ensino das «artes», foi o regime de administração escolar vigente na alta Idade Média. Ninguém podia ensinar sem expressa autorização do scholasticus ou magister scholarum e somente nos limites territoriais da delegação que este tinha da autoridade eclesiástica competente. O aumento da população escolar, principalmente nas escolas catedrais, determinou o aparecimento de coadjutores (adjutor scholarum), que auxiliavam o magister scholarum, e até, por vezes, como em Chartres na época do florescimento da sua escola, de professores agregados, que lhe ficavam inteiramente subordinados. O procedimento de Guilherme de Champeaux, mestre da escola do cabido de Notre-Dame de Paris, com Abelardo, é testemunho frisante deste regime e do poderio do magister scholarum.

Para ser mestre agregado era, assim, necessária a autorização, ou licentia docendi, do magister scholarum, mas a concessão da licentia no decurso do século XII deixou, de certo modo, de ser arbitrária. O papa Alexandre III estabeleceu-lhe as seguintes condições, que são em parte o reconhecimento da situação existente:

• A autoridade do magister scholarum ficava limitada à área da jurisdição da autoridade eclesiástica que nele delegara a função docente;

• Ninguém podia ensinar sem prévia licentia docendi do magister scholarum da escola e área respetiva:

• A licentia docendi não devia ser recusada sem justo motivo e tinha de ser concedida gratuitamente.

O pontífice romano em 1166, condenou expressamente a venalidade do magistério, determinando que o magister scholarum não recebesse remuneração pela concessão da licentia docendi nem se fizesse pagar pelas lições; a prática, não obstante, quebrou o rigor destas determinações.

O regime de administração escolar assente no monopólio do magister scholarum foi sendo sucessivamente quebrantado no decurso da segunda metade do século XII, em virtude do alargamento da concessão da licentia docendi. O número e a qualidade dos mestres aumentaram — o que, aliás, foi exigência do afluxo de alunos nas escolas de maior fama, do desenvolvimento do programa das sete artes e da introdução de novas disciplinas, ou facultates, cujo ensino se constituiu autónoma e separadamente do das artes, como dissemos, mas, intrinsecamente, o alargamento do quadro de estudos e de mestres não modificou a estrutura do ideal docente e científico. A fórmula «Crede ut intelligas» — a que Santo Anselmo de Aosta (1033-1109) deu esta outra expressão: «Fides quaerens intellectum» —, foi aplicada no pleno sentido da unidade dos conhecimentos com base na Revelação, ou, por outras palavras, do ensino da ciência profana em função e ao serviço do saber sagrado.

O alargamento pela administração escolar da licentia docendi concorreu poderosamente para a génese da Universidade de Paris.


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