Dos frequentes conflitos e motins estudantis que ocorreram nas escolas parisienses no trânsito do século XII para o século XIII e no decurso da primeira metade deste século, importa atentar nos que tiveram por motivação, primeiramente, a determinação da jurisdição competente, e, em seguida, o regime da licen tia docendi.
Em 1174 o papa S. Celestino III subtraíra os mestres e escolares de Paris à jurisdição secular para os submeter à jurisdição eclesiástica. As escolas tornavam-se, assim, instituições eclesiásticas, mas para que esta feição não suscitasse dúvidas carecia da expressa aprovação da autoridade real. Deu-lha Filipe Augusto, que em 1200 reconheceu a subordinação das escolas parisienses à jurisdição eclesiástica, após a solidariedade que mestres e estudantes prestaram a uns estudantes presos pela autoridade civil, a quando de uns motins ocorridos no último decénio do século XII.
A licen tia docendi, cuja obtenção era o objetivo normal de quem frequentava os estudos, cabia ao bispo de Paris, que a concedia por delegação, na pessoa do cancelário ou chanceler (cancellarius), mas quem conhecia o saber e a competência docente dos licenciandos eram os mestres.
Daqui a raiz do conflito de mais importantes consequências, cujas fases se desenvolveram ao longo de alguns decénios, com aspetos e incidentes vários. Sumariamente, pode dizer-se que o conflito inicial se travou entre os mestres e o chanceler, em virtude deste se reservar o direito de fiscalizar o ensino e de conceder a licentia docendi. Os mestres das diversas disciplinas e facultates, agrupando-se em universitas magistrorum et scholarium por volta de 1208, opuseram-se ao chanceler, que decidiu aplicar penalidades, suspendendo um mestre do exercício do magistério. Os mestres recorreram ao pontífice, que ordenou a reintegração do mestre suspenso, reconheceu a corporação ou universitas dos mestres e estudantes e limitou o privilégio do chanceler, visto este não poder recusar a licentia docendi ao candidato em Teologia, Direito e Medicina, que tivesse maioria de voto dos respetivos mestres. Na Faculdade de Artes, a licentia era conferida por um júri de seis mestres, três nomeados pelo chanceler e três pelos mestres.
O caminho da limitação do poder do chanceler estava aberto, tornando-se patente a maneira de o firmar e dilatar. Num crescendo significativo do espírito gremial universitário, sucederam-se os incidentes, dos quais nenhum teve o alcance do motim de 1229, em consequência do qual foram mortos alguns escolares por agentes da autoridade real e os mestres e escolares resolveram suspender as aulas e abandonar Paris. Os cursos estiveram interrompidos durante dois anos, reabrindo em 1231 pela mediação do papa Gregário IX, que pela bula Parens Scientiarum, de 13 de Abril de 1231, outorgou como que a magna charta da Universidade de Paris.
Por este importante documento, a corporação universitária podia estatuir determinações respeitantes aos cursos e graus, reconhecendo-se-lhe o direito de vindicar os seus interesses e foros, em condições que sugerem o que muito mais tarde se designará de direito à greve; o chanceler passava a prestar juramento perante mestres, tornando-se o cargo como que decorativo, até cessar, em 1301, como dirigente das escolas, cujo representante passou a ser o reitor; a interdição dos livros de Aristóteles De re physica é levantada, e a jurisdição eclesiástica é confirmada, não propriamente a jurisdição diocesana, mas a pontifícia, menos rigorosa e isenta de imposto.
Nenhum outro acontecimento análogo e coetâneo teve tão grande influência na constituição interna da Universidade de Paris, além de lhe ter dado carácter internacional, haver determinado, pela emigração dos mestres, repercussões culturais nas Universidades de Oxford, Bolonha, etc. A Universidade conquistava, assim, a sua personalidade jurídica, passando a usar selo privativo em 1252 e a ser designada de Universitatis Parisiensis, a partir de 1260.
A intervenção do pontífice romano, que foi decisiva e suscitou mais tarde desinteligências com o rei de França, a propósito das prerrogativas e da influência dominante da Faculdade de Teologia, fundava-se no facto das escolas serem consideradas instituições eclesiásticas e do ensino da Teologia constituir a facultas predominante no concerto dos estudos e das faculta tes. Sendo a Teologia disciplina universal de capital importância na vida religiosa e eclesiástica, o que dizia respeito ao seu ensino não tinha alcance meramente diocesano e profissional, interessando somente o bispo de Paris e os mestres que a ensinavam. Sob este ponto de vista a Universidade de Paris foi no século XIII a mais alta expressão docente da unidade intelectual da respublica christiana, em virtude da Teologia constituir o ensino primacial do seu quadro de estudos.
A origem da Universidade de Bolonha é controvertida, radicando-a uns na escola catedral, analogamente à de Paris, e outros no ensino municipal de Retórica, ministrado por leigos, e que servia como que de preparatório para o estudo do Direito e para a prática do notariado. Certo é, porém, que o ensino jurídico em Bolonha, associado ao estudo da Retórica como o teológico o foi ao da Dialética em Paris, já era afamado no século XI.
O Studium de Bolonha adquiriu características peculiares, que o distinguem e configuram dentre as Universidades ex consuetudine. Enquanto em Paris, a Universitas se constituiu pelas reivindicações da corporação dos mestres e dos escolares, com o apoio do pontífice romano e com privilégios arrancados às autoridades diocesana e civil, detendo o primado os estudos escriturários e teológicos, em Bolonha, foi a corporação dos escolares, em atenção dos estrangeiros, que primeiramente foi reconhecida, pelo imperador Frederico Barbaroxa, em 1158, na Autentica Habita, promulgada na Dieta de Roncaglia, a intervenção na vida do Studium foi principalmente exercida pela comuna municipal e não pelo bispo da diocese, a concessão da licentia docendi coube somente aos mestres e foi o ensino do Direito que teve o primado e trouxe ao Studium frequência cosmopolita.
Este último facto é de singular importância e teve uma influência capital na vida da Universidade bolonhesa, considerada como agregado de pessoas. Enquanto em Paris a direção da Universitas foi exercida pelos mestres, em Bolonha pertenceu às corporações de estudantes, inicialmente agrupados segundo o país ou região de nascença e mais tarde, no decurso da primeira metade do século XIII, em duas associações fundamentais: a dos italianos, ou cismontanos, e a dos estrangeiros, ou ultramontanos. A direção do ensino, ou seja o Studium considerado como organização científica e docente, esteve sempre na mão dos mestres, assim no respeitante às lições, como aos exames e concessão de graus. A administração escolar, isto é, da «Universidade dos mestres e dos escolares» pertenceu aos estudantes, que elegiam o reitor, aprovavam os mestres e exerciam como que uma atividade disciplinar. Daqui o carácter estudantil da Universidade bolonhesa, o qual influenciou durante largo período a Universidade portuguesa, notadamente em relação ao cargo de reitor, frequentemente exercido por um estudante.
Na Inglaterra, foi em Oxford que se constituiu ex consuetudine, isto é, espontaneamente, a primeira Universidade, cujas origens remontam às escolas monásticas locais, do século XII, aos conflitos entre os escolares e as autoridades do burgo, aos mestres parisienses que emigraram do studium de Paris em consequência do motim de 1229 e ao apoio do pontífice romano às pretensões da autonomia da Universitas, cuja expressão aparece pela primeira vez aplicada à incipiente organização em 1225.