II. Organização das Universidades medievais

Durante muito tempo, os quadros universitários docentes, discentes e administrativos, foram preenchidos por membros do clero e por indivíduos com ordens menores e que podiam vestir o hábito clerical. Somente sacerdotes podiam ser mestres de Teologia. Inicialmente, as cátedras desta Faculdade foram regidas por membros do clero secular, mas dominicanos e franciscanos disputaram-lhes esta situação. Ao contrário de cluniacenses e de cistercienses, que se retiravam do mundo, vivendo no claustro e para o claustro, as então recentes ordens mendicantes atuam no século, designadamente pelo ensino. Daí a competição haver atingido certa rivalidade e ardor nos meados do século XIII, pela compenetração dos interesses com as conceções teológicas, dando ensejo a uma literatura polémica, na qual se contam, dentre outros escritos, o De periculis novissimorum tempo rum (1256), de Guilherme de Saint-Amour, verdadeiro panfleto contra os direitos, privilégios e conceção da pobreza evangélica das ordens mendicantes e que foi condenado (Outubro de 1256) pela cúria pontíficia, e as defesas de São Boaventura (Quaestiones disputatae de perfectione evangelica), e Tomás de Yorque (Manus quae contra Omnipotentem tenditur), e de Santo Alberto Magno (Philosophia pauperum) e de São Tomás de Aquino (Contra impugnantes Dei cultum). A competição terminou, em 1257, a favor das ordens predicantes, pela intervenção do papa Alexandre IV, conservando ulteriormente os dominicanos o predomínio do ensino teológico no comum das Universidades  A Faculdade parisiense de Teologia tornou-se verdadeiramente internacional, como mostra a nacionalidade dos mestres, que nela ensinaram, designadamente São Tomás de Aquino, São Boaventura, Egídio Romano, italianos; Santo Alberto Magno, alemão; Henrique de Gand e Godofredo de Fontaine, belgas; Alexandre de Hales, Duns Escoto e Ricardo de Mediavila, ingleses. A mesma característica se encontra na Universidade de Bolonha no que toca ao ensino do Direito, pois nas respetivas cátedras ensinaram mestres italianos, franceses, alemães, espanhóis, ingleses, polacos, portugueses, gregos e irlandeses, e as doutrinas e métodos nelas professados dominaram na cultura ocidental.

O magistério nas Faculdades de Teologia nunca se secularizou, mas nas demais Faculdades a laicização iniciou-se pelos meados do século XIV, contribuindo para isso, dentre outros factores, o regalismo dos juristas, nutridos do espírito do Direito Romano, e as exigências práticas e profissionais, designadamente em relação à Faculdade de Medicina.

Pelo regimento das escolas de Paris, estabelecido em 1215 pelo legado pontifício Roberto de Courçon, para ensinar as Artes era condição necessária tê-las estudado durante seis anos, pelo menos, praticado durante dois e ter vinte e um anos de idade. As cátedras de Teologia exigiam trinta e cinco anos de idade e oito de estudos teológicos.

Era de norma a gratuitidade do ensino, dos exames, da concessão da licentia docendi e dos graus universitários, não faltando, sem embargo, infrações e derrogações, por vezes reconhecidas, como a autorização dada pelo papa a Pedro-o-Comedor (Petrus Comestor) para perceber uma quantia módica pela colação da licentia docendi.

A primeira matrícula na Universidade, na Faculdade de Artes, fazia-se no livro de registos do reitor, em regra, pelos doze anos de idade, tendo como única condição o conhecimento suficiente do latim, que era a língua das lições e dos textos escolares. Entendia-se por matrícula, em Paris, propriamente, o facto de seguir as lições de um mestre determinado, sem o que se não era havido por escolar.

Os graus escolares foram inicialmente três — bacharel, licenciado e mestre —, cujas designações parecem corresponder às de uso nas corporações de ofícios.

O «bacharelato» era um grau de suficiência, visto ser condição para a preparação da «licença». Na Faculdade de Artes, a primeira prova do bacharelato podia ser prestada pelos catorze anos e consistia na defesa de um tema contra as objeções dos mestres. Teve em França o nome de determinance (de determinare, isto é, formulação e resolução de teses).

Sendo aprovado, o jovem bacharel, após a frequência de alguns anos, em geral por volta dos vinte e um anos, estava apto a prestar o exame de «licenciado», adquirindo, com a aprovação, a licentia docendi, isto é, o direito de ensinar em qualquer país da respublica christiana, se a Universidade que lhe conferia o grau gozasse do jus ubique docendi, que somente o pontífice romano podia conceder. Se, já licenciado, pretendesse ser admitido como «mestre» carecia de praticar o ensino durante dois anos, pelo menos. De mera concessão do delegado da autoridade eclesiástica competente na área da escola, a licentia docendi evolucionou, assim, no sentido de um sistema de provas e de exames prestados perante a Faculdade respetiva.

Para a matrícula nas Faculdades de Teologia, Direito e Medicina, era necessária a licenciatura em Artes, pelo que aquelas Faculdades foram consideradas «maiores» ou superiores. Conferiam os mesmos graus que a Faculdade de Artes, mas com algumas particularidades.

Assim, nas Faculdades de Teologia, distinguiam-se os «bacharéis bíblicos», que iniciavam o curso com a leitura da Escritura, dos «bacharéis sentenciários», que o prosseguiam lendo as Sentenças de Pedro Lombardo, após o que ficavam «bacharéis formados», isto é, aptos a satisfazer as últimas condições necessárias à obtenção da licentia docendi, as quais compreendiam a frequência de cursos magistrais, a argumentação nas disputationes e a leitura de lições extraordinárias, ditas sempre na parte da tarde.

O ato de licenciatura consistia, em geral, na defesa de duas questões «disputáveis», tiradas quase sempre das Sentenças, de Pedro Lombardo, sendo concedida a licentia docendi após a prestação das provas e da consideração da vida e costumes do licenciando. Obtida a licentia docendi, o licenciado em Artes podia abrir escola, onde e quando quisesse; e nas Faculdades maiores estava apto ao exercício das profissões que a licenciatura abria.

O «magistério» era o remate supremo da vida escolar. Tudo indica que, inicialmente, a entrada como mestre na corporação universitária, ou seja a inceptio docendi, se realizava por cooptação entre os titulados com a licentia docendi, sem provas de exame, portanto. Ulteriormente, porém, estabeleceu-se o regime de concurso, com provas especiais, devido, porventura, à concorrência de licenciados.

Depois da constituição das Universidades e do estabelecimento de isenções e privilégios para os membros da corporação universitária, surgiu o doutoramento, distinguindo-se nalgumas Universidades o doutor lente (doctor legens) do que o não era (doctor non legens). De origem incerta, o doutoramento não foi inicialmente um grau, mas uma dignidade inerente à investidura na licentia docendi e no magistério. As condições, requisitos e cerimónias variaram nas diversas Universidades, generalizando-se, no entanto, a adoção do barrete como insígnia própria do doutor. O doutoramento tornou-se um dos atos mais solenes das Universidades; na Faculdade de Direito de Bolonha, consistia na entrega ao doutorando do barrete doutoral, de um livro e de um anel, bem como da ocupação do assento que lhe cabia no colégio dos doutores. Estes atos parece que estão na origem das cerimónias do doutoramento na Universidade portuguesa, senão direta, mediatamente.

No comum das Universidades, o ano escolar tinha a duração de dez meses, variando nos respetivos estatutos as datas de abertura e de encerramento das aulas; foi, porém, frequente fazer-se a abertura em Outubro, no dia de São Lucas (18), e o encerramento no dia de São Pedro (29 de Junho). Eram feriados os dias santificados e suspendiam-se as aulas por períodos, também variáveis, pelo Natal, pelo Carnaval (baccanalia) e pela Páscoa.


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