III. Educadores e tratadistas italianos da formação humanista

Convencido do poder da educação e de que lhe cumpria efetivar o ideal clássico da humanitas sem quebra das crenças e das aspirações cristãs, não havia a seu juízo seres humanos incapazes de educação. Daqui, a educação ter por limite os dotes pessoais, o que importava a indagação da índole e da capacidade do educando, e por objetivo, a formação integral da personalidade, física, intelectual e religiosa, pois a consideração das tendências e inclinações não devia ser unilateral e mutuante do desenvolvimento harmónico do espírito e do corpo.

A formação de futuros dirigentes de atividades sociais foi o seu alvo, e não a preparação sábia de gramáticos, de retóricos e de eruditos. Deu, por isso, grande importância à formação do carácter, mediante a disciplina suave e a aplicação de métodos atraentes, sem castigos contrários ao sentimento da dignidade, sendo na prática da harmonia e equilíbrio das diversas exigências educativas, e não na originalidade das ideias, que se afirmou a personalidade de Vitorino de Feltre. Profundamente crente, procurou conciliar a formação religiosa com a instrução clássica, cujo sentido parece ter apreendido no tratado do seu contemporâneo Pier Paolo Vergério e nutriu com os ensinamentos colhidos em escritos de Cícero, Plutarco e Quintiliano.

Na «Casa Giocosa», o quadro de estudos obedecia ao propósito da instrução enciclopédica, pois eram ensinadas as línguas grega e latina, a Dialética, a Retórica, a Moral, a Matemática e a Astronomia, além das práticas de Música, de Pintura, de Dança e de Equitação. Os educandos aprendiam as línguas latina e grega em textos de Virgílio, Homero, Cícero e Demóstenes, que eram os autores preferidos. Depois de instruídos nestes autores, cuja leitura era acompanhada do ensino das regras gramaticais, passavam ao estudo dos historiadores e de outros poetas. Com a tradição clássica, considerava a Dialética e a Retórica partes da eloquência e insistia na aplicação de exercícios que adestrassem nas artes de orar e discutir, sem sofismas e habilidades. Ensinava ainda as disciplinas científicas do quadrívio, e, quando julgava conveniente, autorizava o estudo da Filosofia, pela leitura refletida de Platão e de Aristóteles.

Vitorino de Feltre dirigiu durante vinte anos a «Casa Giocosa»; dela saíram homens que se tornaram notáveis nos ofícios do Estado, da Igreja e das armas — o que se compreende, dada a sua orientação individualizante do ensino e a sua conceção otimista da eficácia da educação na formação da personalidade plena.

A par da atividade de mestres e educadores, o Humanismo suscitou na Itália uma abundante literatura de teor pedagógico. Culturalmente, o ideal humanista remonta a Petrarca (1304-1374), mas pedagogicamente é com Coluccio Salutati (1330-1406), que claramente se anuncia a aspiração da nova formação com base nos studia humanitatis, a qual se constituiu em escola, em Florença, e influiu na reflexão doutrinal de numerosos escritores.

O tema que primeiramente se impôs foi o da justificação da formação literária mediante o estudo direto dos textos clássicos. Assim, Salutati, em epístolas, defendeu a prioridade do estudo das letras em relação ao dos assuntos sagrados, de cuja cabal inteligência seria introdução; e Leonardo Bruni (1369-1444), de Arezzo, pelo que é frequentemente designado de Aretino, tradutor famoso de Aristóteles, propugnou numa epístola a superioridade dos estudos clássicos, que a um tempo geram a profundidade do saber e a elegância da expressão, e no De studiis et litteris (1422-1429), dedicado a Isabel Malatesta, esboçou o plano da instrução de uma gentil-dona e expôs o ideal formativo dos studia humanitatis, que a seu ver devem conjugar a peritia literarum e a scientia rerum, ou seja a expressão e o expressado.

Nestes escritos predomina o intuito da formação literária, não sem que a mentalidade humanista contenda com a medieval; com Pier Paolo Vergério, de Capodístria (1370-1444), aluno do grego Crisolora, mestre e preceptor, o pensamento pedagógico humanista atinge maior densidade. No De ingenuis mori bus et liberalibus studiis adulescentiae, que por volta de 1400-1402 redigiu com vista à educação do príncipe Ubertino Carrara, a quem é dedicado, expôs um plano educativo de grande significado histórico-pedagógico, tido em apreço no século XV. Além da influência que exerceu na Itália e do facto, de per si expressivo, de ter sido dado ao prelo em 1474, em Milão, é de crer que este livro tivesse orientado a educação de D. Afonso V, em cuja menoridade foi traduzido por Vasco Fernandes de Lucena com o título Dos virtuosos costumes e estudos liberais dos mancebos, por mandado do infante D. Pedro, regente do reino. Com esta obra começou a tomar vulto o tema da educação do príncipe e a conceção da ação instrutiva e educadora dos studia humanitatis alarga-se e aprofunda-se com o ideal formativo da personalidade integral, na qual o saber, o bom gosto, o ânimo, o sentimento da dignidade, a urbanidade e a cortesia se tornam manifestações naturais e se conjugam em ordem à constituição do homem virtuoso e prestante ao Estado.

O tema da educação do príncipe surgiu nos séculos XV e XVI como exigência social, dada a dissolução, mormente na Itália, dos vínculos ético-políticos dominantes na Idade Média, a qual trouxe consigo a autonomia da atividade estatal, não raro exercida arbitrariamente. Daqui, a instância deste tema e a persistência com que foi versado na Itália e por toda a Europa ocidental, ora independentemente, em si mesmo, ora como parte da teoria do Estado, como havia sido nos tratadistas medievais, defendendo-se pedagogicamente, em regra, a idealização do príncipe como consciência justa, cuja retidão, nutrida dos exemplos antigos, fosse garantia da segurança social, e como Mecenas, que prezasse e promovesse a cultura. No De ingenuis moribus, Vergério expôs uma preceptiva formadora do príncipe no equilíbrio das faculdades físicas, intelectuais e morais, e no apreço da cultura e da paz pública; sem embargo, o seu plano pedagógico tem significado e alcance geral.

A seu juízo, a educação é dever primário dos pais. Para ser ministrada eficientemente, moral e intelectualmente, importa conhecer a índole e as tendências do educando, a fim dele ser disciplinado, corrigido e orientado devidamente. No que respeita à educação moral, atribui grande importância ao ambiente e à influência do mestre, que cumpre seja de virtudes exemplares. O príncipe, em particular, deve ser furtado à adulação e habituar¬-se a dizer e a ouvir dizer a verdade, em ordem à retidão da sua futura conduta.

Sob o ponto de vista da instrução intelectual, Vergério traçou um plano de estudos condizentes com o novo ideal da formação. Assenta-o na conceção dos «estudos liberais», ou sejam, no seu dizer, os estudos «dignos de um homem livre, graças aos quais se pratica ou cultiva a virtude e a sabedoria e se endereçam o corpo e a alma às coisas mais altas», nas quais compreende a honra, a glória e a virtude. O ensino começaria pelas Letras, passando sucessivamente da leitura à redação e, desta, à discussão. Desenvolvia-se, por isso, como que em três graus — Gramática, Dialética e Retórica (ou eloquência), compreendendo esta última três géneros que os educandos deviam praticar: judiciário, deliberativo e demonstrativo. Às Letras seguir-se-ia o estudo da História e da Filosofia Moral, do Desenho, da Eloquência, da Poética, da Música, das Ciências matemáticas, das Ciências naturais, da Medicina, do Direito e da Teologia.


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