IV. Difusão do ensino das humanidades nos países ocidentais

Pela época da difusão do Humanismo, as Universidades francesas, das quais se fundaram contemporaneamente as de Nantes (1460), Bourges (1465) e Bordéus (1473), tinham por objeto capital e predominante as disciplinas das Faculdades maiores de Teologia, de Direito e de Medicina; o ensino das «artes» era ministrado nos colégios até à licenciatura, dada a evolução destas instituições, que, de simples aposentadorias e internatos, passaram a ser também organismos docentes, ligados às Faculdades de Artes.

Os numerosos colégios vinculados à Universidade de Paris, que são os que mais importa considerar, conservaram-se, no geral, fiéis à didática tradicional, quando não à sofistaria dialética, longe e fora da formação do bom gosto literário, da objetividade científica, que começava a despertar, e do espírito crítico. Colégios houve, contudo, bem como alguns mestres, como Fichet e Lefèvre d'Étaples, que acolheram o novo teor e sentido de Coqueret, onde estudou Ronsard, e o de Santa Bárbara, onde estudaram alguns portugueses e ensinaram Diogo de Gouveia e seu sobrinho, André de Gouveia, se praticaram os novos métodos gramaticais e se iniciou com João Fernel, que calculou, com aproximação, o grau do meridiano terrestre, o estudo científico do quadrívio.

A instituição, porém, de mais notável significado pedagógico e que respondeu, como nenhuma outra, ao novo ideal docente e ao novo teor do ensino, foi o Colégio Real, fundado em Paris, em 1530, por Francisco I, designado mais tarde de Colégio de França, que ainda perdura. A nova escola, cuja criação foi aconselhada pelo humanista Guilherme Budé, que nela pensava desde 1514, abriu com seis cátedras — três de hebreu, duas de grego e uma de matemáticas, a qual foi regida por Oronce Finé, cuja falaciosa pretensão de resolução dos problemas da quadratura do círculo, da duplicação do cubo, das duas meias proporcionais, da inscrição de qualquer figura regular no círculo e da determinação das longitudes geográficas em qualquer tempo, sem eclipses lunares, Pedro Nunes refutou no De erratis Orontii Finaei, Regii Mathematica rum Lutetiae professoris (1546). Os mestres tinham o título de «leitores reais», sendo nomeados por escolha, sem a prestação prévia de provas e concursos, como nas Universidades — o que significava que a nova instituição assentava no «princípio que os homens têm mais importância do que a matéria que ensinam, porque eles são a vida, enquanto que a matéria, uma vez fixada e delimitada, se ossifica facilmente» (S. d'Irsay, Hist. des Univ., cit., I). Daqui a liberdade docente, a gratuitidade das lições, pelo sustento oficial dos «leitorados», a orientação do ensino em ordem ao saber e não à prestação de provas, e a organização interna sem feição corporativa, sem espírito de classe e sem subordinação a um quadro fixo de disciplinas e de matérias — donde uma estruturação diversa da Universidade e uma atividade docente autónoma, que, aliás, se não exerceu sem protesto da Sorbona, que, em 1534, fez sentir que era inadmissível que alguém explicasse a Sacra Página sem ser doutor teólogo.

Quatro anos depois da fundação do Colégio Real, em Paris, André de Goveia, «le plus gran principal de France», como o julgou Montaigne, organizou em Bordéus o Colégio de Guyenne, com o qual se firmou definitivamente a reorganização do ensino das artes com base nos studia humanitatis.

Em Espanha, a nova conjuntura docente ficou assinalada pela fundação de Universidades, designadamente em Siguenza (1485), Santiago de Compostela (1506), Sevilha (c. 1510) e Saragoça (1541), pela criação dos colégios mayores universitários, dos quais foi famoso o de São Bartolomeu, de Salamanca, e, naturalmente, pela reorganização do ensino das «artes» com base nas humanidades.

Como no comum dos países ocidentais, a introdução dos Studia humanitatis foi favorecida pela influência direta de italianos, designadamente de Lúcio Marineu Sículo, que em Salamanca regeu as cadeiras de eloquência e de poesia de 1485 a 1496, pelo magistério de nacionais instruídos nas novas disciplinas e pela proteção e mecenato de individualidades poderosas.

A Universidade de Salamanca foi a primeira a reorganizar o ensino das línguas sábias e a atualizar o das disciplinas do quadrívio, começando pela adoção de novos compêndios. No ensino gramatical do latim, que ocupava duas cátedras, designadas de «menores» e de «maiores», estavam em voga nos últimos decénios do século XV o Doutrinal, de Alexandre de Vila Dei (século XIII), o Grecismo, de Ebrard de Béthune (século XII), e a Gramática, de João de Pastrana, adotando-se como textos de leitura e de tradução, na cátedra de «menores», os Disticha Catonis, e na de «maiores», nas leituras sacras, os Salmos, o Livro de Tobias, os Evangelhos e a Aurora, que era uma espécie de história sagrada composta por Pedro de Riga no terceiro quartel do século XII, e nas leituras profanas, Terêncio e Ovídio.

A instauração do novo ensino, com a consequente substituição de gramáticas e de textos, foi obra, principalmente, de Elio António de Nebrija (1441-1522), designadamente com a Grammatica ou Introductiones latinae (1481), com o Lexicon ex sermone latino in Hispaniensem (1492), com as Differentiae excerptae ex Laurentio Valla, Nonio Marcello et Servio Honorato (1498), e vários outros livros relativos a matérias do trívio e das disciplinas científicas do quadrívio.

Com Nebrija, que além da renovação do ensino do latim iniciou o estudo gramatical do castelhano (Gramática castellana, 1492), e com o português Aires Barbosa, designado de «Mestre Grego» e que aprendera as duas línguas sábias em Florença, com Angelo Poliziano, Salamanca tornou-se o mais notável centro de estudo de humanidades na Península Ibérica; dos vários testemunhos do seu crédito científico nos finais do século XV bastará referir a apresentação do projeto da primeira viagem de Colombo ao Novo Mundo a alguns mestres salmanticenses, que para o efeito se reuniram e ouviram o grande navegador.

Das fundações docentes que surgiram paralelamente à difusão do Humanismo alcançou singular significado a Universidade de Alcalá de Henares. Desde 1293 que havia nesta povoação um Estudo, instituído por Sancho IV, mas foi a fundação do cardeal Ximénez de Cisneros, inaugurada em 1508 e cujos primeiros estatutos são de 1510 (22 de Janeiro), que verdadeiramente se tornou famosa. A Universidade de Alcalá não surgiu, como os Colégios Trilingue (Lovaina) e de França (Paris), por influição humanista, porque, pelo espírito, pela organização e pela função, foi essencialmente uma instituição de ensino eclesiástico, desde o grau elementar ao superior — o que, aliás não significa que tivesse ficado alheia à nova situação docente. No entanto, coube aos estudos teológicos o primado no seu quadro didático, firmando-lhe o renome a aplicação da erudição filológica à exegese bíblica, da qual deu notável testemunho com a publicação da Bíblia poliglota no curto espaço de três anos (1514-1517), e de que foram colaboradores Nebrija, Hernán Nútlez, el Pinciano, e Gil de Zamora, que no Colégio universitário de São Jerónimo, ou Trilingue, ensinavam respetivamente, o grego, o hebreu e o caldeu.


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