V. Conceções pedagógicas de Rodolfo Agrícola Erasmo, Luís Vives, Rabelais e Montaigne

O Humanismo constituiu-se como reação contra o formalismo docente da tradição das artes sermocinales, mas na desenvolução do estudo direto dos escritores clássicos, que lhe é própria, alguns humanistas tiveram em vista o ideal individualizante da educação «liberal» e «humana», enquanto outros mal transpuseram o campo gramatical, como que limitando os studia humanitatis ao domínio seguro e perfeito das duas línguas sábias, especialmente da latina.

Foi entre estes dois extremos que se produziu a teorização pedagógica de raiz humanista. Todos os países do Ocidente tiveram por então mestres e organizadores do novo ensino, bem como, em grau menor e variável, teorizadores do alcance e finalidade dos studia humanitatis.

Na Alemanha, sobressaem Rodolfo Agrícola (1444-1485), Alexandre Hegius (1433-1498), João Murmelius (1480-1517) e Jacob Wimpheling (1450- -1528), autor do Isidoneus germanicus (Novo preliminar alemão, 1497), que é principalmente, uma metodologia do ensino do latim, para o qual propugna a leitura dos poetas cristãos medievais e de alguns autores clássicos, excluindo expressamente Ovídio e as Odes de Horácio; do Adolescentia (1499), no qual critica a didática tradicional e defende a conceção da educação para o serviço do Estado e da Igreja, e do Germania (1510), que é um apelo em prol da cultura, no qual propôs a fundação de um ginásio comunal em Estrasburgo, destinado ao estudo dos moralistas, oradores e historiadores latinos.

Nos Países-Baixos, avulta Adriano Barlandus (1486-1538); na Inglaterra, Tomás Linacre (1460-1524), William Lily (1468-1522), Tomás Elyot (1490- -1546), autor do The Gouvernour (1531), que é uma teorização da formação da classe dirigente, e Roger Aschan (1515-1568), preceptor e depois secretário da rainha Isabel, autor do The Scholemaster, que é a exposição de um método de ensino do latim e o primeiro tratado de educação escrito em inglês e no qual se ocupa da verdade na religião e da honestidade da vida.

Na França, Guilherme Budé (1467-1540), reputado o príncipe dos humanistas franceses, Rabelais e Montaigne; na Espanha, Elio António de Nebrija (1441-1522) e João Luís Vives (1492-1540), e em Portugal, André de Gouveia (t 1548), organizador emérito do ensino pré-universitário, ou colegial, como testemunham as páginas da Schola Aquitanica, que W.H. Woodward considera «um dos mais preciosos documentos que possuímos sobre a organização e os programas das escolas do século XVI», e o principalato, ou direção, dos Colégios de Guyenne, de Bordéus, e das Artes, de Coimbra.

De tão vasta galeria, atentaremos somente em Rodolfo Agrícola, Erasmo, Luís Vives, Rabelais e Montaigne, pelo relevante significado das suas ideias no desenvolvimento das conceções de raiz humanista.

A conjugação da Gramática, da Lógica e da Retórica numa só disciplina formativa, a Dialética, constitui o objeto principal da reflexão pedagógica de Rodolfo Agrícola (Roelof Huysman, 1444-1485). Holandês de nascença, estudou sucessivamente em Groninga, Erfurt, Lovaina, Colónia, Paris, Pavia e Ferrara, ensinando por fim, e por breve tempo, em Heidelberg. Os seus quarenta e dois anos de vida não lhe deram tempo para legar à posteridade uma obra extensa, mas o seu saber, as suas versões do grego, de Demóstemes, de Isócrates e de Luciano, e o atrativo da sua personalidade, mereceram dos contemporâneos, designadamente de Wimpheling, Erasmo e Melanchton, grande louvor, todos lhe reconhecendo influência decisiva na difusão da nova orientação nos países germânicos.

A sua obra mais significativa pedagogicamente são os três livros De inventione dialectica, nos quais mostra a importância da Lógica para a perfeição do estilo, e a extensa carta De formando studio, que, em 1484, dirigiu a Barbiriano, jovem patrício de Antuérpia.

Neste escrito, Rodolfo Agrícola repele a formação disputante e a prática das subtilezas verbais substituindo-as pelo ensino da Filosofia, que deve ser o fundamento da formação e em cujo conceito compreende a moral (Mos), a adquisição de conhecimentos (Eruditio ou Rerum cognitio) e a expressão perfeita do pensamento (Eloquentia, ou Ars commode eloqui).

A seu juízo, a formação intelectual perfeita consiste na capacidade de pensar com exatidão conjugada com a de exprimir o pensamento de maneira conforme e fácil — «Recte de rebus omnibus sentire et quae sentis commode eloqui». Daqui, a exigência de três condições para que o estudo se torne proveitoso: pensar com clareza, gravar na memória o que se compreende e produzir algo com os recursos adquiridos, pois o objetivo do cultivo do espírito é a originalidade da expressão do pensamento, mormente na língua latina.

Sem o desapreço do comum dos humanistas pelas ciências naturais e pelo estudo da língua falada, aconselhou a prática da versão exata dos clássicos para a língua materna, depois de bem compreendidos, e a redação de composições na língua latina, para cujos temas conviriam coleções de exemplos instrutivos e de sentenças morais. Relacionou, assim, a Gramática, a Lógica e a Retórica, fazendo-as convergir para a Dialética, objeto capital da formação intelectual.

Ao longo dos tempos, dos sofistas helénicos aos nossos dias, o termo dialética tem sido empregado com diversos sentidos. Na mente de Rodolfo Agrícola, como na de Lourença Vala (1406-1457), no De dialectica contra Aristotelicos (1499), perdeu o significado de «arte de disputar», dominante na Idade Média, para adquirir o de disposição de um assunto em ordem ao convencimento. A Lógica tornava-se, assim, em auxiliar da expressão do pensamento, confluindo com a Retórica para a inventio, ou seja a arte de formar juízos exatos e prováveis acompanhada do conhecimento das regras da expressão do pensamento.

Na estrutura, esta conceção da Dialética remonta à coordenação da «prudência» e da «eloquência» estabelecidas por Quintiliano e nutre-se da noção de Filosofia como conjunto de conhecimentos fundamentais, de Lógica, de Ética, das Ciências e da História, adquiridos nos studia humanitatis, isto é, nos escritores clássicos que tivessem conjugado a informação com a correção verbal. Daqui, a debilidade desta noção de Dialética, plenamente vinculada ao ideal da formação literária; não obstante, ela libertou a Lógica da identificação com a arte de disputar, não separou o estilo do conteúdo da frase e logrou a fortuna de se prolongar no desenvolvimento teórico e no ensino, principalmente nos países da Reforma e com as Dialecticae partitiones e Aristotelicae animadversiones (1543), de Pedro de la Ramée (1515-1572), cuja regência da cátedra de Eloquência e de Filosofia para ele criada no Colégio de França, em 1551, lhe granjeou notoriedade.

Com Desidério Erasmo (nome literário de Geert Geertsz, (1466? - 1467? - - 1536?), o humanista de maior renome no século de Quinhentos, a conceção dos studia humanitatis adquiriu uma expressiva significação formativa e ético-social, fundada no Cristianismo e na idealização de um regime de paz, que se firmasse gradualmente mediante a persuasão.

A sua personalidade, que tem sido diversamente apreciada, singulariza-se pela infatigável capacidade de trabalho, pela confiança no poder do pensamento e no valimento da cultura intelectual, pelo senso crítico, que por vezes atingiu as fronteiras da ironia e do sarcasmo, e pelo sentido da vida interior, avesso a formalismos e intolerâncias.


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