V. Conceções pedagógicas de Rodolfo Agrícola Erasmo, Luís Vives, Rabelais e Montaigne

As suas obras, escritas todas em latim, versam assuntos filológicos, teológicos, literários e pedagógicos, destinando-se algumas destas últimas a servir de texto ou de auxílio a estudantes, e outras, à exposição das próprias conceções. Estão no primeiro caso, a tradução latina livre, da Gramática grega de Teodoro Gaza, para uso dos seus alunos de Cambridge; os Adágios (1500), que é uma compilação de locuções e de sentenças, que a mestres e estudantes proporcionou abundante caudal de ideias e de expressões da Antiguidade clássica e que em vida de Erasmo alcançou sessenta edições; o De recta latini graecique sermonis pronuntiatione (1528), no qual se ocupa da pronúncia e da acentuação do grego e do latim, defendendo o etacismo contra o iotacismo de Reuchlin, e, de passo, censura os métodos em uso e o absurdo dos programas, recomendando os estudos realia, isto é, de ciências naturais, de história e de geografia, não propriamente em ordem à formação científica mas à cabal compreensão dos autores clássicos; o De duplici copia rerum ac verborum (1512), coletânea de observações estilísticas, que teve curso em muitas escolas no decorrer dos séculos XVI e XVII; os Colloquios (1ª a edição, 1518: Familiarum colloquiorum formulae, ulteriormente acrescentados, reeditados muitas vezes e traduzidos), destinados a sugerir modelos de boa latinidade, a facilitar a prática do latim como língua viva e a contribuir para que os jovens se tornassem latiniores et meliores, o que, no que toca à formação moral, as diversas confissões religiosas cristãs repeliram pelo teor satírico e desrespeitoso de alguns dos seus diálogos; e o De ratione conscribendi epistolas (publicado em 1521), designadamente no capítulo (LIV) «Qui sit modus repetendae lectionis».

Nos escritos propriamente pedagógicos contam-se o De civilitate morum puerilium; o De ratione studii ac legendi interpretandique autores (1512); o Crhistiani matrimonio institutio (1526); De pueris statim ac liberaliter instituendis (1529); e Ciceronianus sive de optimo dicendi genere (1530).

Estas são as obras de caracterizada temática educativa e didática, mas cumpre notar que Erasmo consignou frequentemente opiniões pedagógicas em escritos de índole política, ética, teológica e escriturária, notadamente na Institutio principis christiani (1516), na Paraclesis, id est, Adhortatio ad christianae philosophiae studium e no Ratio seu methodus compendio perveniendi ad veram theologiam.

Pelos anos em que viveu em Paris (1495-1499) como mestre particular, planeou Erasmo o Antibarbaro rum liber, chie veio a público em 1518. Nesta obra, de título expressivo, Erasmo critica o ensino das artes, pela rotina dos estudos e pela ignorância dos mestres, opondo-lhe a formação eticamente cristã e instrutivamente radicada nas litterae humaniores. Foi este ideal que orientou os seus escritos pedagógicos de intuito construtivo.

Como o título indica, o Da civilidade dos costumes pueris (De civilitate morum puerilium) ocupa-se da formação dos hábitos e modos, insistindo, ao invés da desatenção tradicional, na necessidade de se terem em conta as exigências do desenvolvimento físico e da higiene corpórea.

Na epístola protréptica a Cristiano Northoff Sobre o modo de aprender, de ler e de interpretar os autores (1512), a reflexão atentou nos factores essenciais da educação, a saber, a natureza, a razão e o exercício, que expressamente discrimina, mas dirigiu-se principalmente à formação literária, desde a aprendizagem das línguas sábias às leituras apropriadas e das redações em prosa e verso aos ensinamentos de retórica que as devem acompanhar.

Com base na distinção entre o conhecimento das coisas (res) e o das palavras (verba), estabelece que o conhecimento das coisas é mais importante mas é pelo das palavras que tem de se começar: «rerum cognitio potior, verborum prior».

O estudo das línguas sábias servia, assim, de mediação para o conhecimento das coisas, para a compreensão cabal dos clássicos e para a utilização pessoal, visto não serem aprendidas como línguas mortas, muito principalmente o latim; por isso, o seu estudo devia apoiar-se na Gramática e desenvolver-se com exercícios de leitura, de conversação e de composição, assim em redações originais como de imitação.

Pelo que respeita à língua grega, recomenda que o seu estudo se faça mediante a tradução de textos para latim, pelo auxílio que as duas línguas mutuamente se prestam, condenando as digressões que afastem do contato direto com o pensamento e com a expressão dos autores. Das gramáticas, aconselha, para o latim, a de Nicolau Peroti, e para o grego, a de Teodoro Gaza; dos autores latinos, Terêncio, Plauto, Virgílio, Horácio, Cícero e César, e dos gregos, Luciano, Demóstenes, Heródoto, Aristófanes, Homero e Eurípedes.

As páginas do Matrimónio cristão (Christiani matrimonii institutio), impregnadas de profundo respeito pela vida conjugal e pelo cumprimento dos deveres maternais, contêm muitas observações e juízos acerca da educação infantil e doméstica. A educação espiritual, religiosa e moral, deve começar muito cedo, e como dever da mãe, desenvolvendo-se sem fórmulas que tolham a sinceridade dos afetos, cumprindo ao pai, ou ao pedagogo, a educação intelectual, a iniciar, em regra, pelos sete anos, e tendo como objeto fundamental e capital a aprendizagem das línguas, designadamente a latina, e da escrita, que cumpre ser nítida e bem traçada. Censurando a educação que por então se ministrava às meninas, consistindo em grande parte em frivolidades e no cultivo das boas maneiras, Erasmo propugna uma educação intelectual mais larga do que a que normalmente recebiam, e o adestramento num ofício manual, designadamente a tecelagem.

O Da educação liberal da meninice no devido tempo (De pueris statim ac liberaliter instituendis), escrito para o príncipe Guilherme, duque de Clèves, tem acentuada feição doutrinal; nele se ocupa, metodicamente, da importância da educação, da conveniência dela ser iniciada muito cedo, na meninice, designadamente no que toca à correção da linguagem, a qual importa ao discurso verbal, e à formação do juízo e ao estudo de todas as disciplinas, e da necessidade de ter em conta a debilidade das crianças, pelo que devem ser ensinadas com doçura e como que brincando, ministrando-se-lhes conhecimentos apropriados à idade e em locais salubres.

No Ciceroniano, ou da melhor maneira de exprimir o pensamento (Ciceronianis sive de optimo dicendi genere), submete à crítica a conceção formativa do gosto e do estilo literário mediante a exclusiva imitação de Cícero (ciceromania), aplicada por muitos e propugnada, notadamente, por Bembo, opondo-lhe a formação pelo conhecimento e assimilação de autores diferentes, pois o que acima de tudo importa é que o pensamento seja expresso pela forma mais apropriada. No íntimo, este diálogo, que saiu a público em 1528 juntamente com o De recta latini graecique sermonis pronuntiatione, visa precaver a formação juvenil contra a inércia intelectual e contra a falta de sinceridade, inerentes à atitude mental de quem imita o estilo de qualquer autor, e a defender a necessidade de conjugar a lição de eloquência, que Cícero ensina, com a «piedade cristã» e a «filosofia de Cristo».

As conceções pedagógicas de Erasmo, com terem fortes raízes eruditas, estão nutridas de reflexão pessoal e de experiência discente e docente, esta última exercida em meios diferentes, de Paris, de Lovaina, de Oxford e Cambridge, à qual, especialmente nas duas cidades inglesas, está ligada uma parte considerável dos seus escritos pedagógicos. Em rigor, estes não exprimem um pensamento sistemático, coerentemente, aliás, com o génio erasmiano, mais orientado para o esclarecimento e para a sugerência do que para a normatividade; mas, sem embargo, concorreram poderosamente para o primado da explicação literária, de base enciclopédica, e para a modificação dos métodos em uso, designadamente no que respeita à severidade dos castigos, à aprendizagem infantil das línguas sábias, ao cuidado da educação física, à condenação da imitação verbal e da servidão intelectual e à instância da instrução feminina. De modo geral, as conceções pedagógicas erasmianas radicam no ideal da humanitas e no valor formativo dos escritores clássicos e dos padres da Igreja, especialmente São Jerónimo e Santo Agostinho, partilhando com os grandes humanistas italianos a confiança nas possibilidades da natureza humana e na eficácia da ação educativa.


?>
Vamos corrigir esse problema