V. Conceções pedagógicas de Rodolfo Agrícola Erasmo, Luís Vives, Rabelais e Montaigne

Dos sete aos quinze anos o ensino deve ter por objeto a aprendizagem da leitura, da escrita, do cálculo, do canto e das línguas, em especial a latina, que, dada a falta lamentável de um idioma universal, é a comum entre os povos cristãos, alem de ser a língua em que se encontram expressos todos os géneros literários e todas as disciplinas científicas.

De início, o ensino deve ser ministrado alternadamente na língua materna e na latina, mas feita a iniciação na leitura e na escrita, cumpre empregar somente a língua latina.

Relativamente à atividade discente, aconselha, dentre outros preceitos, o registo, em cadernos, de vocábulos, locuções e aforismos — método, aliás, muito em voga ao tempo — e, naturalmente, a prática da conversação, porque, ao contrário do grego, que pode ser estudado como língua morta, o latim tinha de ser aprendido como língua viva e idioma internacional. Os mestres, por seu turno, cumpre que sejam prudentes na formulação das perguntas, na correção das provas, na aplicação dos castigos e na seleção dos textos de leitura, não se detendo com superfluidades e expulsando da aula as páginas de autores que, como Ovídio, despertem a sensualidade, como Marcial, a chocarrice, como Luciano, a maledicência, e como Lucrécio, a impiedade. Consequentemente, organizou Vives a lista dos autores recomendáveis, selecionando-os em consideração do ensino dos rudimentos (Donato, Nebrija, etc.), da construção gramatical (Erasmo, Melanchton, etc.), da aprendizagem do latim (Varrão, César, Salústio, etc.), da literatura, da geografia, da estilística, da comediografia, da tragédia, da lírica, da história e da oratória.

A aprendizagem do grego conviria que acompanhasse o desenvolvimento do conhecimento do latim; e quanto ao ensino gramatical desta língua, Vives dá regras diversas das que se praticam depois da generalização dos conceitos de sujeito e de predicado, nos finais do século XVIII. Assim, o ensino do latim devia começar pela discriminação das vogais, das consoantes e das sílabas; passava a seguir à formação de palavras, às ligações dos adjetivos e substantivos, nomes e verbos, ao conhecimento das declinações e das conjugações, após o qual se praticaria a redação de frases e se entraria a fundo no estudo das «oito partes da oração», na sintaxe, na prosódia e na tradução, com base num autor que oferecesse algumas dificuldades.

Adquiridos os conhecimentos linguísticos propedêuticos, o estudante entraria, nunca antes dos quinze anos, em novo ciclo de estudos, que, em regra, decorreria dos quinze aos vinte e cinco anos e teria por objeto as disciplinas superiores da Lógica, da Retórica e das Ciências naturais (Rerum naturae cognitio).

Didaticamente, aconselha que o estudo da Lógica se faça diretamente no Organon de Aristóteles e socraticamente, isto é, apreendendo gradualmente a diversidade dos sentidos e os fundamentos das definições e das divisões, e excluindo os temas intrincados, como, por exemplo, a discussão dos futuros contingentes. Analogamente, o ensino da Retórica, que é a arte de ratione dicendi, também deve afastar-se da tendência disputante e polémica.

Foi muito breve o exame que Vives dedicou às disciplinas do quadrívio, que engloba sob a designação de «matemáticas»; em compensação, porém, chamou a atenção para outras que têm por objeto a «natureza das coisas» e haviam sido descuradas no ensino medieval, as quais importam à vida prática, como a Agricultura, a Arquitetura e a Náutica, ao conhecimento do ser humano, como a Psicologia, a Cosmologia, a História Natural e a Medicina.

Por fim, ocupa-se das disciplinas que concorrem para a melhoria da conduta, designadamente a História e a Filosofia prática, em cujo conceito compreende a Ética, a Economia, a Política e a Jurisprudência.

Vives não deixou expresso o que pensava acerca da entrada e da constituição do ensino universitário, nem tão-pouco precisou o conceito da «academia ideal», a que aludiu incidentalmente.

O apêndice acerca Da vida e costumes do erudito é um pequeno tratado de ética profissional, pois considera especialmente os defeitos e vícios que o homem de estudo deve evitar, tais como a arrogância, a vaidade, a inveja e a adulação, o comportamento que cumpre ter com alunos, colegas e demais indivíduos, e a circunspeção inerente à responsabilidade de quem sai a público com escritos.

O lugar de Vives na História da Educação é fundamentalmente determinado por haver estabelecido a correlação, de larga influência e de ulterior desenvolvimento, entre a Pedagogia e a Ética e a Psicologia. Partilha com o comum dos humanistas, notadamente com Erasmo, a conceção formativa dos studia humanitatis, e a necessidade de coordenar a eruditio com a   pietas, mas são-lhe próprias a acentuação de que o pedagogo deve ser moralista antes de ser letrado, a amplitude da noção de que os conhecimentos devem servir para a vida, dado Deus ter dotado o homem com as faculdades intelectuais, e, portanto com o direito de as aplicar ao exame de todas as questões e de considerar «todo o Universo como se fosse seu domínio» (início do Do ensino das disciplinas), e o alcance que atribui às conexões do ensino com as possibilidades psicológicas e ambientais.

Neste último assunto, em especial, as reflexões de Vives como que abriram caminho e exerceram particular influência, designadamente no respeitante à educação doméstica, à aprendizagem da língua materna, à localização das instituições docentes e à eficiência do estudo, que não deve assentar no conhecimento de generalidades mas no de factos singulares.

Francisco Rabelais (1483-1553) não exerceu o ensino, mas está inseparavelmente ligado à história dos ideais educativos pelo vigor com que apresentou o contraste da conceção formativa humanista com a educação tradicional e intuiu o valor da formação realista.

Rabelais fez os primeiros estudos com beneditinos e aprendeu o grego, o hebreu e o direito romano com franciscanos, cujo hábito professou; renunciando à vida monástica, frequentou a Faculdade de Medicina de Montpellier, exerceu a medicina em Lyon, viajou três vezes por Itália, foi nomeado em 1550 cura de Meudon, que, aliás, não chegou a paroquiar, e faleceu em Paris em 1553. Mostram estes breves dados biográficos que Rabelais possuiu uma cultura variada, que enriqueceu com a experiência de diversas atividades, e notavelmente manifestou nas páginas do Gargan tua e Pantagruel.

Este livro famoso não saiu a público completo e de uma só vez. O Pantagruel apareceu em 1532, sob o pseudónimo da Alcof ribas Nasier, e o Gargantua, que veio a ser a primeira parte da obra completa, em 1534, constando de cinco livros, dos quais o quinto foi publicado postumamente, em 1564.

Para o nosso objeto importam principalmente os Livros I e II do Gargantua, cujo resumo, sob o ponto de vista educativo, é o seguinte:

Gargantua, filho de Grandgousier, começou os estudos aos cinco anos em conformidade do plano e método vigentes no final da Idade Média, quando a «arte de impressão ainda não estava em uso»; durante dezoito anos e onze meses foram seus mestres dois «sorbonagros», primeiramente Túbal Holoferne e depois Jobelin Bridé, que o obrigaram «estupidamente» a aprender coisas de cor, tornando-o capaz de recitar de trás para diante os livros de estudo, notadamente o Donatus, o Facetus, o Theodoletus, o Alanus in parabolis, o De modis significandi com os comentários, o Doctrinale, Passavantus cum commento, e o Dormi secure.


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