V. Conceções pedagógicas de Rodolfo Agrícola Erasmo, Luís Vives, Rabelais e Montaigne

Montaigne atribuiu, assim, à educação uma finalidade diversa da do comum dos humanistas letrados e da de Rabelais, pois, em vez de pretender que o educando se tornasse destro e elegante na elocução oral e escrita ou fosse «um poço de ciência», quis que ele aprendesse a pensar pela própria cabeça; e porque não separou o pensamento correto do ditame da consciência moral, pode dizer-se que o ideal educativo de Montaigne consiste na formação do pensamento consistente, justo e consciencioso. Por isso, pensa que a educação tem por finalidade ensinar aos jovens «o que eles devem fazer quando forem homens»; e por isso, ainda, o plano de estudos proposto por Montaigne visa diretamente a utilidade, e não a erudição, nem a capacidade dialética ou o formalismo literário, em suma, o que é prático, entendendo por tal o que mais contribui para a formação da personalidade moral e intelectual e para a dignidade da conduta e arte da vida.

Este ideal formativo é condizente com o seu ceticismo em matéria metafísica, o qual exclui por vã e perigosa qualquer educação dogmática e determina a tolerância e o respeito do que cada um tem por verdade; e também o é com a sua temática predominante, que teve por centro o homem vivente, considerado à luz dos valores ético-sociais, dos quais não duvidou e sempre teve por firmes e certos, e da observação introspetiva e extrospetiva e não na sequência de processos dedutivos e polemizantes.

Coerente com este ideal, Montaigne aconselhou a educação física constituída por práticas de exercícios tendentes ao robustecimento do corpo, como a corrida, a luta, a caça e a equitação, e que a educação intelectual se nutrisse de intuições sensíveis e de observações diretas e se desenvolvesse pela própria atividade do aluno, cuja inteligência deve ser estimulada, pois «saber de cor não é saber».

Estas noções procedem da conceção fundamental de que o que mais importa é a formação e a prática do juízo, das quais, aliás, tirou outras consequências, designadamente: a limitação dos programas, nos quais são de notar o sentido utilitário e a redução dos conhecimentos científicos; a importância ética atribuída ao ensino da História e da Filosofia; o desdém pelos estudos gramaticais e, nota a salientar, a prioridade do conhecimento da língua materna, ao qual se sucederia a aprendizagem do latim; a redução do estudo direto dos livros, pois o ensino deve combinar a oralidade da explicação com a leitura, cumprindo que esta seja feita refletidamente, além de que é mais prestimoso o que se observa e aprende no trato e no convívio social do que o que se colhe nas páginas dos escritos.

A juízo de Montaigne, a educação moral e religiosa deve ser antes insinuada do que ensinada, pelo que confere mais importância aos exemplos do que aos preceitos. A confiança na eficiência da natureza deu às suas reflexões morais sentido otimista e índole complacente; e a sua atitude relativista, quando não atinge o ceticismo, também influiu na estrutura da sua ética, tornando-a tolerante, isto é, respeitadora da verdade em que os outros se firmam ou creem.

Tais são, en substância, as raízes culturais e as práticas docentes que, segundo Montaigne, formariam o perfeito cavalheiro, sincero, esclarecido, sem vaidade, teimosia ou orgulho, apto à convivência social, sem esquecer, em particular, que o futuro conde de Gurson, para quem cogitara estes pensamentos, viria «a comandar um povo, a praticar a amizade de um príncipe ou de uma nação estrangeira» e não a ser um erudito, um letrado ou um sábio.          

Defeitos e méritos se enlaçam nos conselhos pedagógicos dos Ensaios. Considerando-os somente sob o ponto de vista da instrução, salta à vista a superficialidade da formação intelectual e o desapreço pelo valor formativo dos conhecimentos científicos; têm o mérito, não obstante, de se furtarem à rotina, de atribuírem valor primário às instituições sensíveis e à observação direta, e de atenderem à formação da personalidade, considerada como capacidade de juízo prático e como exercício da consciência reta.   

Montaigne superou o ideal formativo baseado nas «humanidades», mas menosprezou a formação científica, como que reduzindo os conhecimentos das ciências da Natureza à mera função de ornamentarem o espírito; sem embargo disto, o seu pensamento educativo exerceu influência, designadamente na constituição do ideal do honnête homme, dominante em França no século XVII, e nas conceções pedagógicas de John Locke e de Jean Jacques Rousseau.  


?>
Vamos corrigir esse problema