Capítulo VII- A reforma protestante e o ensino. atividades e conceções pedagógicas de Lutero, Melanchton, Trotzendorf e João Sturm

Relativamente à ordem das leituras, entendia que deviam iniciar-se com os poetas, passando depois aos historiadores e aos oradores; e quanto aos autores, dava preferência a Cícero (Cartas e Orações), Tito Lívio, Quintiliano, Virgílio, Homero, Heródoto, Demóstenes e Luciano de Samosata.

Dos discípulos diretos de Melanchton que, com personalidade, lhe continuaram o pensamento organizador do ensino ginasial, sobressaem Miguel Neander (1525-1595), que conferiu às ciências mais amplo lugar no plano de estudos, e Valentim Friedland (1490-1556), mais conhecido por Trotzendorf, nome da aldeia da Silésia onde nasceu.

Trotzendorf assinalou-se pela criação do ginásio de Goldberg, na Silésia, o qual, no plano de estudos, continua a escola latina de Melanchton, mas é original pela organização, visto ser uma «república de escolares» (Schülerrepublik). Fiel às diretrizes do plano ginasial de estudos de Melanchton e atento ao voto de Lutero, de aplicação de um método de ensino que evitasse os castigos violentos e proporcionasse à aplicação ao estudo uma satisfação análoga à das horas de desenfado, pensou Trotzendorf numa organização colegial com instituições e magistraturas à imitação da República romana, por forma que os alunos, que deviam ser protestantes, fossem tratados igualmente, sem qualquer distinção de nascença ou de fortuna, se habituassem ao respeito e ao exercício da autoridade e se formassem nos sentimentos da responsabilidade e do dever. Nesta ordem de ideias, organizou o colégio de Goldberg à maneira de república escolar, na qual os alunos, segundo o seu adiantamento, se distribuíam em seis classes e cada classe em tribos, constituíam o senado e exerciam funções de direção e fiscalização, designadamente os ecónomos, que tinham por encargo a manutenção da limpeza e da ordem nos dormitórios e nas salas de estudo, os éforos, com análogas funções nos refeitórios, os questores, que presidiam às tribos, fiscalizavam o comportamento nas aulas, vigiavam o recreio, propunham os temas de conversação em latim e exerciam o cargo durante oito dias, cumprindo-lhes ainda transmitir o cargo ao sucessor com um discurso em latim e o questor-geral, que superintendia sobre todos os questores e cujas funções tinham a duração de um mês.

As faltas e infrações dos alunos eram julgadas pelo senado, do qual faziam parte um cônsul, dois censores e doze senadores, nomeados mensalmente; os acusados tinham oito dias para prepararem a defesa, que devia ser exposta em latim, cuja pureza da linguagem se tornava circunstância atenuante. Trotzendorf assistia aos debates na qualidade de ditador perpétuo, e as penalidades consistiam em palmatoadas, na reclusão e, nos casos graves, na expulsão.

O latim era a única língua que podia falar-se no colégio, incluindo os próprios serviçais, sendo todas as disciplinas ensinadas e estudadas nesta língua. O plano de estudos de 1546 previa as seguintes matérias: a Gramática latina, como base, e em toda a sua extensão (ortografia, etimologia, sintaxe e prosódia), a Métrica, a Gramática grega (estudada em latim), a Aritmética, a teoria da Esfera (Astronomia), a Música, a Dialética, os princípios da Filosofia natural e moral e a Religião. Nas primeiras classes, praticava-se o ensino mútuo, pois eram os alunos mais adiantados que davam as lições; nas classes superiores, o ensino era ministrado por Trotzendorf e pelo corpo docente do colégio, constituído por um mestre de gramática, que fosse rhetor e competente na versificação, um cantor e músico, um catequista, um mestre de filosofia, que o era também de grego, e um sphaerista, isto é, um mestre da teoria da esfera.

Relativamente à educação física, praticavam-se a corrida e a luta, mas proibiam-se o banho frio e os divertimentos na neve.

O colégio ardeu em 1554, num incêndio que devastou Goldberg. Trotzendorf faleceu dois anos depois, mas a sua organização ginasial ficou assinalada pela instauração de uma disciplina tendente à formação do autodomínio e da responsabilidade, e pela ideia de que a organização das classes escolares podia ser processo de formação social. Por isso, o seu nome é contado entre os mais famosos organizadores do ensino na Alemanha reformada e entre os precursores da educação moderna.

João Sturm (1507-1589), de Schleiden, na Prússia renana, não foi discípulo direto de Melanchton, mas continuou-lhe o pensamento, radicando definitivamente o ginásio humanístico alemão, que se tornou instituição do Estado e perdurou até ao século XIX. A larga experiência discente, sucessivamente com os filhos do conde de Mancherscheid, de cuja casa o pai era intendente, em Liège, na escola dos Hieronimitas, em Lovaina, no Colégio Trilingue, onde aprofundou o conhecimento de Cícero, trabalhou com Rescius em edições de clássicos e criou relações de amizade com humanistas e sábios, designadamente Látomo (Masson) e Vesálio, e em Paris, onde estudou Medicina durante algum tempo, juntou a experiência docente, a começar em Paris, onde no Colégio Real fez cursos livres sobre Cícero e a Dialética. Sequaz de Calvino, participou, sem êxito, na defesa do calvinismo em França, pelo que Bucer o convidou a instalar-se em Estrasburgo, cujo senado municipal lhe confiou em 1537 a organização de um ginásio, que foi inaugurado em 1538 e dirigiu durante quarenta e três anos, sendo destituído em consequência de desinteligências com o clero luterano.

A atividade de Sturm concentrou-se fundamentalmente nas exigências pedagógicas e didáticas do ensino ginasial. Literariamente, deu a lume, com destino escolar, edições de Cícero, de Plauto, de Platão (Górgias, Apologia e Críton), de Aristóteles (Ética, Física e Retórica) e de Demóstenes; comentários de Cícero, da Arte poética de Horácio, de Virgílio e de Hermógenes; manuais de Gramática (Educatio puerilis linguae latinae), de Dialética (Partitiones dialecticae), de Retórica (In partitiones orato rias dialogi IV) e da arte oratória (De amissa dicendi ratione libri duo, De periodis, De imitatione oratoria libri III, De exercitationibus thetoricis, De universa ratione elocutionis rhetoricae libri III e Linguae latinae resolvendae ratio).

Estes escritos são de per si significativos do interesse docente de Sturm, mas foi na fundação e organização do Ginásio e da Academia de Estrasburgo que se manifestou o seu talento pedagógico e cujas conceções basilares consignou no De literarum ludis recte aperiendis, em 1538, no qual expôs o plano de estudos a instaurar em Estrasburgo, nos Classicarum epistolarum lib. III scilicet Scholae Argentinenses restitutae, de 1565, nos quais descreve a situação do ginásio de Estrasburgo e as reformas do plano de estudos, nas Scholae Lauinganae, de 1565, acerca da organização escolar de Lauingen, e nas Academiae epistolae urbanae, de 1569, nas quais se ocupou especialmente da Academia de Estrasburgo, fundada em 1565.

Sturm teve por conveniente a concentração num só sítio das diversas instituições escolares, a fim de se proporcionarem os benefícios da convivência, e que o ensino ginasial se ministrasse num único local, apropriado e central. A educação deve desenvolver-se em três estádios, aos quais correspondem três instituições: a família, até aos 6 (7) anos, o ginásio, dos 6 (7) anos aos 16, e a Academia, dos 16 aos 21. O objetivo supremo da educação é a sapiens atque elo quens pietas, ou seja a conjugação da fé com o saber e a eloquência, isto é, o discurso exato do pensamento e a perfeição do estilo.


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