A minha resposta ao último considerando do decreto que desanexou a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Se querem que façamos cursos de política partidária, tenham a coragem de o dizer. Os meus 26 anos, altivos, que não conhecem outra coação que não seja a da verdade, a do dever e do respeito às leis justas, é que nunca sacrificarão nas aras de qualquer «mosca da praça pública», em que falou o Zaratustra do Nietzsche.

Converter as Universidades em organismos políticos, no correntio e jornalístico sentido da palavra, sobre ser uma monstruosidade pedagógica, é um crime nacional e um atentado à razão. Sob essa aparência calma de convergência de opiniões esconder-se-á o cancro que corroerá a cultura. Que a República se defenda, é justo; mas quando essa defesa vicia a atmosfera serena da cultura, estrangulando ou cilindrando o espírito, que é independência e liberdade, é abominável, tanto ou mais que roubar a vida.

Eis parece o desenrolar da tragédia, cujo prelúdio é a bula de 23 de Maio de 1536 autorizando o estabelecimento da Inquisição em Portugal.

Se há uma estrutura mental que a República deva destruir é a da purificação. Para purificar o espírito, queimavam-se corpos; impediam-se leituras; fiscalizava-se o pensamento. O resultado viu-se e, tão baixo, vê-se ainda. Na ordem social, o estagnamento; na ordem individual, o ódio tão arreigado na nossa constituição psicológica, que constitui — e é tão doloroso reconhecê-lo — uma verdadeira categoria, sob a qual se ordenam e concebem as relações sociais.

Reincidir nesse erro é justificar o passado e agravar o futuro. Que a imperial Alemanha o fizesse, compreendia-se. Mas que um governo da República vá ao assalto dos próprios fundamentos da Democracia, com a turbamulta das paixões, é um crime e uma ignomínia!

Não o fará, porque creio ainda nos seus destinos, com a mesma fé dos tempos de estudante Mas se o fizer, não será sem o meu protesto e sem a minha indignação.

Pensam assim os tomistas de forma escolástica da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Para que conste aqui se publica um extrato do Decreto nº 5 770:

Atendendo à conveniência do ensino e especialmente considerando que das Faculdades de Letras de Coimbra e Lisboa, é que saem os diplomados que se destinam ao professorado liceal, completando a sua habilitação nas escolas normais superiores:

Convindo que quem se destina ao ensino secundário — que neste é que se forma o carácter dos alunos e porque não pode ser bom educador quem não tenha conhecimento prático da vida — siga os seus estudos superiores num meio social em que as mais variadas manifestações da atividade se exerçam;

Considerando que a cidade de Coimbra, é um meio essencialmente universitário, vivendo o professorado e corpo docente da Universidade como que insulados no seu trabalho especulativo, literário ou científico;

Considerando que as condições sociais da cidade do Porto de mais larga atividade que a de Coimbra, convém que na Universidade do Porto haja uma Faculdade de Letras;

Considerando que, a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra tem orientado, embora notavelmente, a cultura dos alunos de modo a darem preferência à erudição livresca sobre as especulações originais do espírito moderno, manifestando-se na filosofia revelada nas obras dos seus principais professores e alunos laureados uma quase completa orientação tomista de forma escolástica:

Em nome da Nação o governo da República Portuguesa decreta, e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:

Art. 1.º É desanexada da Universidade de Coimbra a Faculdade de Letras, criada em substituição da extinta Faculdade de Teologia, e colocada na Universidade do Porto.

Art. 2.º Poderá o governo colocar na disponibilidade os professores da Faculdade de Letras extinta por este decreto quando assim o julgue conveniente.

§ 1.º O governo poderá aproveitar os serviços dos professores colocados nesta situação na direção de investigações literárias, bibliotecas eruditas ou quaisquer comissões de estudos ou presidência de exames.

Art. 4.º Os alunos que no presente ano lectivo completem as suas frequências para exame de terminação de cursos deverão vir fazê-los na Faculdade de Letras de Lisboa. Os outros alunos que tenham as suas frequências completas mas que não terminem o curso são dispensados de exame.

Art. 5.º É criada na Universidade de Coimbra uma Faculdade Técnica. § 1.° Anexa à Faculdade Técnica haverá uma escola de Belas Artes.

§ 2.° Fica o governo autorizado a publicar o plano de estudos e regulamentos necessários para a execução deste artigo.

Art. 6.º O edifício onde está instalada a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, será entregue à reitoria da mesma Universidade para nele serem instaladas as Escolas Normal Superior e a de Belas Artes, criada pelas disposições do § 1.° do art. 5.º.

Art. 7.º Para execução das disposições do presente decreto, fica o governo autorizado a abrir sem dependência da lei de 29 de Abril de 1913, os créditos especiais necessários.

Art. 8.º Fica revogada a legislação em contrário.

Determina-se portanto que todas as autoridades, a quem o conhecimento e a execução do presente decreto com força de lei pertencer, o cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nele se contém.

10 De Maio de 1919. —... Leonardo José Coimbra, Ministro da Instrução.

Quanto à instrumentação jornalística desta linda partitura, confiamos na sagaz curiosidade dum futuro historiador.


?>
Vamos corrigir esse problema