Primeira Parte - que compreende os anos que discorrem desde o de 1288 até princípios do de 1537

Por ordem da Comissão diretora das publicações comemorativas do IV Centenário da trasladação da Universidade para Coimbra se reimprime hoje a Primeira parte das Noticias Chronologicas da Universidade de Coimbra, de Francisco Leitão Ferreira; a Segunda parte, manuscrita e, na maioria das suas laudas, inédita, encontra-se ao presente no prelo.

É este livro marco capital na bibliografia histórica da Universidade portuguesa. Afiguram-se-nos razoadas as críticas que lhe censuram o estilo prolixo e difuso; porém, sem embargo destes visíveis e às vezes fastidiosos defeitos, seria injustiça recusar-lhe, ou mesmo diminuir-lhe, a diligente probidade com que o seu laborioso autor coligiu e, sobretudo, castigou eruditamente os factos.

Por ela, a sua obra logrou o prémio invejável e admirável de durar e resistir às vicissitudes das opiniões e às alterações dos critérios históricos; por ela, e só por ela, volvidos dois séculos sobre a respetiva redação, as Noticias Chronologicas da Universidade de Coimbra, por muito que lhe descontemos a exiguidade da problemática e a carência de informes, juízos e relações histórico--científicas, constituem um monumento digno da erudição do seu século e cuja consulta é sempre prestimosa.

A presente reedição reproduz o texto da edição de 1729, publicada pela Academia Real da História Portuguesa; mas porque Leitão Ferreira marginou ulteriormente alguns parágrafos com aditamentos e correções, a presente edição tomou conta destes acrescentamentos, os quais o leitor encontrará em apêndice juntamente com algumas notas que nos pareceram convenientes para a atualização da obra e para informação bibliográfica.

Como homenagem à memória de Leitão Ferreira e para conhecimento da sua vida e escritos, reproduziremos, à maneira de prefácio, os elogios com que Diogo Barbosa Machado celebrou o autor das Noticias Chronologicas da Universidade de Coimbra.

Coimbra, 1937.

Em 1871, o Doutor A. Filipe Simões, então diretor da Biblioteca Pública de Évora, publicou na revista conimbricense O Instituto (vol. XIV, pp. 186 e segs.) as Notas meditas de Francisco Leitão Ferreira às NOTICIAS CHRONOLOGICAS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, exaradas num exemplar das Noticias existente naquela Biblioteca, e que o autor autenticou com esta declaração, lavrada na folha de rosto : «Eu o Beneficiado Francisco Leitão Ferreira, auctor d'este livro, o marginei de minha letra e mão com algumas declarações que, depois de impresso, me remeteram de Coimbra o Snr. Reformador da Universidade e o Doutor Manuel Moreira de Sousa, Collegial de S. Paulo e Academico Real, e com outras notícias que de outras pessoas doutas tive e pude investigar. Anno de 1732.»

O Reformador da Universidade, a que Leitão Ferreira se refere, é Francisco Carneiro de Figueiroa, autor das Memorias da Universidade, citadas no prefácio e no decurso das Noticias Chronologicas.     

O leitor encontra nas páginas seguintes, referidas aos parágrafos das Noticias, os aditamentos de Leitão Ferreira, transcritos da publicação de A. Filipe Simões, assim como algumas notas que se nos afiguraram convenientes para o esclarecimento, desenvolvimento ou correção do texto.           

[ I ]                                                                                                                                    (§ 3)

Denifle procurou destruir o valor histórico da informação de Resende acerca da escolaridade de S. Fr. Gil em Coimbra, «litterarum studia tunc vigebant», ao afirmar que «este pormenor data apenas do século XVI (a), e foi provavelmente consignado por escrito, quando a Universidade se achava em Lisboa. (b) Gil entrou para a ordem antes de 1225 (Quétif-Echard, SS. Ord. Praed. I, 241. Segundo a Vita que se encontra nos A.A., SS. Mai, III, 406, foi por 1221), e como ele já a esse tempo era médico de muito saber e cónego da Sé de Coimbra (Cardoso, Agiológio lusitano, Lisboa, 1966, III, 251), o cronista apresenta-o como tendo estudado filosofia e medicina no Studium litterarum desta cidade. (c) Em presença, porém, das fontes históricas contemporâneas e doutras posteriores, é indubitável que ele estudou em Paris, (d) onde foi companheiro de noviciado do futuro geral da Ordem, Humberto (v. Vitas Fratrum, part. 4, c. 2, n. 4; p. 5, c. 3, n. 6. A.A., SS. /.c., p. 405. Segundo Quétif-Echard, I, 734, existia no convento de S. Domingos de Santarém uma Vita manuscrita de S. Fr. Gil, que decerto nos ministraria muitos esclarecimentos. Não me foi possível descobrir vestígios dela. Não a encontrei nem na Biblioteca Nacional, nem no Arquivo da Torre do Tombo, em Lisboa, para onde foram levados os espólios dos conventos.)» (e)

Tal é a opinião de Denifle, segundo a tradução portuguesa feita pelo Doutor José Maria Rodrigues, ao tempo Lente substituto da Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra e publicada sob o título A Universidade de Lisboa-Coimbra. Capítulo de uma obra alemã traduzida e anotada pelo..., Coimbra, Imprensa da Universidade, 1892. O sábio professor conimbricense, que enriqueceu a sua tradução com copiosas notas de sólida erudição e rigorosa crítica, observou contra os juízos de Denifle o que a seguir transcrevemos e vai reportado aos passos respetivos do texto do autor alemão:

(a) «André de Resende, de quem são as palavras litterarum studia vigebant, recorreu, para escrever a vida de S. Fr. Gil, a duas fontes que se guardavam no convento de S. Domingos de Santarém: um livro antiquíssimo, escrito em latim bárbaro por pessoa que parece ter tratado familiarmente o santo, e um trabalho de autor mais recente, mas escrito do mesmo modo em latim bárbaro. Neste último é que Resende encontrou as notícias relativas aos estudos de S. Fr. Gil. Vitae vero series", diz ele, "patria, parentes, studia ejus et conversio: ab altero recentiore descripta sunt, eodem caractere, hoc est, plane barbare." (Conversionis mirandae D. Aegidii Lusitani... liber primus, fl. 4 v. Não tem frontispício o volume onde encontrei a vida de S. Fr. Gil, escrita por André de Resende, mas deve ser o Thesaurus arcanus, publicado em Paris, no ano de 1586, por Fr. Estêvão Sampaio.)

«Não julgo arrojada a suposição de que esta segunda fonte fosse anterior, e bastante, ao século XVI. Das palavras de Resende deduz-se até que ambos os escritos se achavam no mesmo códice, que ele capitula de "librum veterrimum, membrana scriptum, a blattis semicomestum". Mas não deverá atribuir-se a Resende a notícia relativa aos estudos de S. Fr. Gil em Coimbra? Não vejo motivo para isso. O intuito de Resende a respeito das fontes supramencionadas foi apenas pôr em latim clássico as notícias ali contidas, como se vê pelas seguintes palavras: "Multum detrahit rebus, alioqui eximiis, rudis et impolitus sermo. Certe barbarie et ignava compositione, etsi fides dictorum non minuitur, quamquam et id quoque, friget tamen affectus. Ea ipse causa est... cur hoc operae suscepi. Habeant ergo sacerdotes nostri divi Dominici barbarum suum librum, atque in fidei testimonium servent. Ego operam dedi ut Aegidii nomen per aures eruditorum fastidiosissimae aetatis hujus paulo inoffensius ire possit." (ob. cit., fl. 5 v. Cf. fl. 3 v.) Mas há mais. No Fios Sancto rum de Fr. Diogo do Rosário encontra-se uma vida de S. Fr. Gil, da ordem dos pregadores, "como escrita em um liuro autêtico que trata das vidas de alguns santos da mesma ordem, a qual parece que foi tirada da que está escripta no convento de Santarém." (No exemplar do Fios sanctorum que tenho presente falta o frontispício, mas as licenças para a impressão têm a data de 1612. Barbosa Machado, Inocêncio e Pinto de Matos não mencionam nenhuma edição deste ano).


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