«Disse que a data de 1534 anda errada, e todavia Clenardo, se a escreveu (como é mais crível supor, que a admitir um lapso de pena), nem por isso errou. Como se explica o facto?
«Que o colecionador das cartas tomou o ano de 34 pelo ano da Circuncisão, segundo o estilo que prevaleceu, não admite dúvida, pois que, seguindo a ordem cronologica, a colocou depois da outra anterior, que foi posteriormente escrita e é inquestionavelmente desse ano, como deixo provado. O erro do colecionador (Clusius) induziu o de todos quantos depois abordaram o problema da cronologia das Cartas de Clenardo.
«Mas o ilustre humanista flamengo podia muito bem ter datado a carta do derradeiro dia de Dezembro de 1534, sem que ela deixe de ser contudo do de 1533. Basta que ele tenha adotado a era do Nascimento: e a carta será, ora de 1534 (do Nascimento, pois que o novo ano, neste estilo, começara no dia 25 de Dezembro), ora de 1533 (da Circuncisão, começando o novo ano, neste cômputo, só no primeiro seguinte de Janeiro). Para tais casos, João Pedro Ribeiro estabelece a seguinte regra: "he necessario em alguns documentos, que datão do dia 25 de Dezembro, e dos seguintes, diminuir hum anno, á vista da pratica de alguns Tabelliães, que desde aquelle dia principiavão a contar já o anno seguinte." (Observações historicas e criticas, p. 1, 1798, p. 131, nota 1).
«Não faltam razões de crer que Clenardo assim tenha procedido, a saber:
«No século XVI (mormente na primeira metade) há ainda em toda a Europa muita irregularidade quanto à fixação do princípio do ano, empregando-se simultaneamente, consoante as regiões, e até na mesma, ora o estilo do Natal, ora o da Circuncisão, ora o da Incarnação, ora o da Páscoa (mos gallicanus), etc. (Cons.: Art de vérifier les dates, t. 1, Dissert. sur les dates, 1.a P., § 2.0; e Giry, Manuel de Diplomatique, 1894, cap. 2.°, pp. 103 e segs.)
«Na França, por exemplo, o estilo da Circumcisão só se tornou geral a partir de 1568. É a esta inovação recente que alude Montaigne num dos primeiros passos logo dos Essais (§1); "Je nas quis entre onze heures et midi, le dernier jour de febvrier mil cinq cents trois, comme nous contons à cette heure, commençant l'an en janvier. 11 n'y a justement que quinze jours que j'ay franchi trente neuf ans." Montaigne escrevia em 1572!
«Nos Países Baixos, donde Clenardo vinha, estavam em uso os estilos do Nascimento, da Circuncisão e da Páscoa: no Brabante, donde era natural, o da Páscoa, só desaparecido em 1575; em Lovaine, onde vivera, simultaneamente os três, empregados respetivamente, o de 25 de Dezembro pelo clero paroquial e pelos notários, o de 1.0 de Janeiro pela Universidade, e o da Páscoa (stylus Brabantiae) pelo que lá se chamava cour des échevins (Giry, Manuel de Diplomatique, 1894, p. 128).
«Chegando a Portugal e porventura ouvindo (como cá se usava dizer, sem rigor, aliás) que o nosso ano era o do Nascimento do Senhor, [note-se que na Carta a Polites, de 27 de Dezembro de 1536, já seguiu o estilo da Circuncisão], ou ainda porque soubesse em uso entre nós os dois estilos, admira que tenha empregado o do Nascimento?
«Em Portugal, com efeito, o estilo do Nascimento era muito vulgar, prolongando-se o seu uso pelo século XVII dentro. João Pedro Ribeiro trata largamente dos vários estilos de datar que se encontram na diplomática portuguesa e cita bastantes exemplos do emprego do estilo do Nascimento, dos séculos XV, XVI e XVII (Dissertações Cronológicas e criticas..., dis. VI, secç. I, cap. III, art. III, no t. I, pp. 16 e segs. Cf, Anselmo Braamcamp Freire, Vida e Obras de Gil Vicente — Gil Vicente trovador e mestre da balança, Porto, 1919, p. 209, nota 4, onde apresenta dois casos bem patentes de alvarás régios datados rigorosamente pelo ano do Nascimento, respetivamente de 1531 e 1532; e Dr. António de Vasconcelos, Revista da Univ. de Coimbra, vol. II, p. 393, o documento notarial de 30 de Dezembro de 1659, que Sanches de Frias, em O poeta Garcia, p. 24 nota, tomou como sendo de 1660).»
[ XXVIII ] (§ 1171)
Sousa Viterbo dedicou à «Typographia em Sancta Cruz de Coimbra» um cap. do seu livro sobre O movimento tipográfico em Portugal no século XVI (Apontamentos para a sua história), Coimbra, 1924. Este livro é separata dos artigos publicados nos vols. 68 a 71 de O Instituto; nele se encontra o catálogo das ed. impressas no mosteiro de Santa Cruz.
Sobre as escolas do mesmo mosteiro vejam-se especialmente os livros dos Drs. Mário Brandão, O Colégio das Artes, I, e Gonçalves Cerejeira, Clenardo, 2.a ed., Coimbra, 1926.
[ XXIX ] (§ 1172)
O Espelho de perfeycam é a terceira das obras impressas pelos cónegos de Santa Cruz de Coimbra; o leitor encontra a descrição minuciosa deste livro no vol. I, pp. 489-497 dos Livros antigos portugueses, 1489-1600, da bibliotheca de sua magestade fidelissima, descriptos por S.M. El-Rei, Cambridge, 1929.
Do De divisionibus et diffinitionibus parece não existir hoje um exemplar em nenhuma livraria pública portuguesa.
[ XXX ] (§ 1173)
Transcrevemos de Sousa Viterbo, O movimento tipográfico em Portugal no século XVI, cit., p. 304, a descrição do livro de Jorge Coelho impresso no mosteiro de Santa Cruz de Coimbra:
Serenissimi et illustrissimi Principis D. Alfonsi. S. R. E. Cardinalis ac Portugalliae Infantis. Consecratio per Giorgium Coelium Lusitanum. Este título por debaixo das armas do Cardeal-Infante, como na Antimoria. No fim: Conimbriae Apud Coenobium divae Crucis. M. D. XXXVI. 8.°. 15 fólios inn. incluindo o frontispício. Biblioteca Nacional de Lisboa. A Consecratio é em verso, seguem-se dois epigramas latinos ao mesmo infante, e depois a Elegia ad Virginem Deiparam.»
[XXXI) (§ 1172)