A transferência da Universidade não foi resolvida súbita e precipitadamente, como se depreende da seguinte passagem da carta de D. João III a Fr. Brás de Braga, de 9 de Fevereiro de 1537: «Eu sempre fiz fumdamento quando determiney mamdar fazer eses estudos [colégios do Mosteiro de Santa Cruz] de fazer universidade e escolas geraes por o semtir asi por mais seruiço de ds e meu e proueito comõ de meus reinos e senhorios e de meus vasalos e naturaes.»
Anotando esta carta, esclareceu o erudito J. C. Aires de Campos que a «intenção da transferência datava de 1532 pelo menos, e [de que] já devia ser notória em todo o reino, dão provas, a cláusula do provimento, n'aquelle anno, das cadeiras da Universidade de Lisboa em quamto o estudo se não mudar (Not. Chron., I, n.° 1155), e as respostas á vereação de Coimbra, de 9 de junho de 1533 e de 30 de agosto de 1535, que pela sua importancia transcrevemos das Cart. Originaes dos Reis do seu arch.°, a fl. 283 e 300.
"Juiz vreadores e p e pd do pouo da minha cidade cojmbra Eu elRey vos emujo muyto saudar. vy a carta que me espvestes em que me daes comta que os primos Reix que foram deste Reino por muytos seruiços que da dita cidade receberam amtre muytos preuilegios e omras de que a dotaram ouueram por bem que o tombo do Reyno e os estudos geraes esteuesem em ella e que por os reix pasados meus antecesores foram mudados pera a minha cidade de lixa e que ora por terdes emformaçã que eu os mamdaua mudar pera outra parte me pedies que nom auemdo destar em lixa e fazemdose deles alguma mudamça fose pera esa cidade domde prym° estiueram eu vy bem vosa carta e as Rezões que pera isso daes e vos aguardeço a lembrança que me diso ffazees. E porem ate o presemte eu não tenho niso asemtado cousa alguma e auemdose alguma cousa de fazer eu terey lembramça do que me emujaes dizer.
...
scripta em euora a IX dias de junho fernam da costa a fez de 1533.
Rey
Respta a cidade de Cojmbra.
Por elRey
Ao Juiz, Vreadores e p da sua cidade de cojmbra.
Juiz vreadores pomens bõs e pouo da minha cidade de cojmbra eu elRey vos emuio muyto saudar. vy os apomtamparticulares que me emuiastes por Ruy de saa pe Ruy botelho vossos procuradores ao juramemto do primcepe meu sobre todos muyto amado e prezado filho em as cortes que ora fiz nesta cidade deuora.
...
E eu terey lembramça do que me emuiaes apomtar acerqua da mudamça dos estudos pera nese caso fazer o que me bem parecer.
...
fernam da costa a fez em euora a XXX dias dagosto de 1535.
Rey
Rpta aos apomtamtas de cojmbra."
«A favor da conservação da Universidade em Lisboa consta que sómente sahiu a campo, como era de esperar, o conselho da mesma, deliberando em 25 de outubro de 1535 que, para esse effeito, se empenhassem ante elrei todas as instancias e diligencias possiveis — Not. Chron., cit., n.° 1188.»
Vid. Cartas dos reis e dos infantes sobre varios assumptos tocantes ao mosteiro de Sancta Cruz de Coimbra, á Universidade, e a alguns Collegios das Ordens religiosas da mesma cidade, desde 1518 a 1571, em O Instituto, vol. 36, Coimbra, 1889, pp. 728-729.
O assunto foi retomado ultimamente pelo Dr. Mário Brandão, o qual criteriosa e eruditamente lhe dedicou as pp. 171-178 do livro que publicou em colaboração com o Dr. M. Lopes de Almeida sob o título : A Universidade de Coimbra. Esboço da sua história, Coimbra, 1927.
II (§ 4)
Esta oração de André de Resende foi recentemente reeditada pelo Dr. Luís de Matos, em Quatro orações latinas proferidas na Universidade e Colégio das Artes (Século XVI), Coimbra, 1937. O passo transcrito por Leitão Ferreira pode ler-se nesta edição, a p. 65.
Veja-se na nota imediata a crítica de Fr. Manuel do Cenáculo Vilasboas aos juízos de Resende.
III (§ 5)
SOBRE A «DECADÊNCIA» DA UNIVERSIDADE DE LISBOA NOS ANOS IMEDIATAMENTE ANTERIORES A 1537
Ao contrário das anteriores transferências da Universidade, que parece terem sido essencialmente mudanças de local, sem alterações profundas na estrutura ou na orgânica do ensino, a transferência de 1537 iniciou um período novo na história universitária e na da cultura científica.
Dentre as prováveis razões que decidiram D. João III a ordenar a transferência, Leitão Ferreira aponta neste parágrafo, como «muito verosimil» a «notavel e assas sensivel decadencia» em que a Universidade de Lisboa «se achava quasi já precipitada, sem aquela frequencia fervorosa de alumnos, que a deviaõ tornar esplendida... ».
Não precisou Leitão Ferreira o sentido e a extensão que atribuía ao termo decadência, pois é óbvio que ele tanto pode designar a diminuição da frequência escolar, como a exiguidade da atividade científica, ou ainda o concurso simultâneo destas duas significações.
Os documentos da Universidade de Lisboa, que até nós chegaram, não contêm os registos da matrícula escolar. É certo que por esta época era apreciável a emigração de estudantes portugueses, quase sempre bolseiros do rei ou das ordens monásticas, para universidades estrangeiras, sobretudo Paris; porém essa emigração, mais qualitativa que quantitativa, afetando particularmente, senão exclusivamente, os estudantes que se consagravam ao estudo da teologia, apenas privaria a Universidade de umas dezenas de alunos. A opinião de Leitão Ferreira, interpretada no primeiro sentido, não pode, pois, firmar-se objetivamente; e racionalmente, parece, pelo menos, exagerada.
A segunda significação foi eruditamente analisada por Fr. Manuel do Cenáculo Vilasboas, nos Cuidados Literarios do Prelado de Beja em graça do seu bispado, Lisboa, 1791, pp. 239-250, nos seguintes termos:
«Sirvão tambem as noticias que passo a escrever, ao desengano de ter havido naquelle tempo em o Reino letras e sabios de sam constituição e de muito credito. Se por ventura deixavão livre a opinião de melhorar a Universidade passando de Lisboa para Coimbra em quanto á materialidade do sitio mais socegado, e de mais cómmodas relações aos Provincianos concorrentes a estudar, com tudo nunca podia ser motivo a falsa e imaginada pobreza de literatura para a impertinente causa que muitos annos durou no Reinado de D. João III, sobre tomar-se arbitrio na fundação de huma Universidade, como se a de Lisboa não florecesse da maneira que acabamos de dizer, e vou repetir para lhe tirar a infamia.




