Segunda Parte - que compreende os anos que discorrem desde meados do de 1537 até fim do de 1540 (I)

Como atrás dissemos, D. João III, por sugestão do reitor da Universidade, determinou pela carta de 20 de Setembro de 1538 que a colação que os licenciandos ofereciam ao júri dos exames privados não fosse ceia, mas consoada, sem carne nem peixe. Obedecera a determinação a motivos de economia; porém o intento frustrara-se, porque os licenciados tiveram de suportar novas despesas «pelas muytas ffruitas que dam e os doutores que estam aos ditos exames ficam mall contentes por lhes nam darê de çear». Para obviar a isto, D. João III determinou novamente, por alvará de 2 de Setembro de 1539, que os licenciados passariam a oferecer uma ceia, «no cabo dos exames privados», aos doutores, ficando, portanto,desobrigados das consoadas. A ceia devia consistir apenas numa galinha ou perdiz assada a cada doutor e em duas frutas, hua na entrada e outra no cab da çêa»; porém se a ceia tivesse lugar em dia de guarda, os licenciados dariam apenas uma iguaria de peixe e duas frutas como dito é (vid. M. Brandão, Documentos..., vol. I, p. 172).

3) Na carta de 25 de Novembro de 1539 reiterou D. João III a proibição dos lentes que regiam cadeiras assalariadas advogavam no auditório de Coimbra ou no do conservador da Universidade, por ser «muyto contrairo a estudo q devem ter para ler suas lições» (vid. M. Brandão, Documentos..., vol. I, p. 222).

d) Permissão de cátedras livres.

O alvará de 10 de Outubro de 1539 permitiu que quaisquer doutores, licenciados ou bacharéis pudessem abrir aula gratuita, na Universidade, «para cursar ou mostrar suas sofficiencias», sobre as matérias das cátedras pequenas de Cânones e de Leis. Estas aulas livres, que em rigor não estabeleciam a concorrência com os catedráticos oficialmente nomeados porque se destinavam a fundamentar motivos de preferência em futuros concursos ou oposições, deviam versar as mesmas matérias, respetivos livros e títulos, que houvessem sido consignados aos catedráticos oficiais.

II

ORGANIZAÇÃO PEDAGÓGICA

Pelos Regimentos de 17 de Setembro e 13 de Outubro de 1539 foram reorganizados, respetivamente, o ensino e quadro docente de Instituta, Leis e Cânones.

Vejamos, separadamente, cada um destes regimentos:

1) Regimento da Instituta

A reforma de 17 de Setembro de 1539, destinada a vigorar no início do ano letivo de 1539-40, estabeleceu o quadro docente, matéria e orientação didática da Instituta, cujo curso constituía introdução indispensável à frequência das Faculdades de Direito Canónico e Leis (direito Civil). O curso fazia-se num ano, durante o qual os estudantes, salvo se fossem clérigos, beneficiados ou teólogos que quiserem cursar Cânones, e estrangeiros que viessem frequentar a Universidade de Coimbra, não podiam cursar simultaneamente as Faculdades jurídicas.

O quadro docente passaria a ser constituído por quatro lentes, os quais seriam, no início da reforma:

- O Doutor Luís da Guarda, que, até à Páscoa, leria das 9 às 10, e depois da Páscoa, das 8 às 9;

- O bacharel Rodrigo Álvares, que, até à Pascoa, leria das 10 às 11, e depois da Páscoa, das 9 às 10;

- O bacharel Sebastião Bernardes, que leria à tarde, até à Páscoa, das 2 às 3, e depois da Páscoa, das 3 às 4;

- O bacharel António Rodrigues, que leria à tarde, até à Páscoa, das 4 às 5, e depois da Páscoa, das 5 às 6.

Em ordem a esta finalidade, prescreveu-se didaticamente a maneira como deviam ser expostas as lições, por forma que não fossem sacrificados os tópicos fundamentais e gerais à excessiva pormenorização. Assim, a lição deveria obedecer ao seguinte plano:

a) O lente começaria por expor «o mais breve e claramente» possível o caso, indicando a «dúvida» ou objeto a que a lei respondia, de uma forma simples.

Em seguida, cumpria-lhe apresentar a solução contrária, e insistir na «razão principal e fundamental» que determinou a lei em questão, sem alegar mais do que um ou dois textos e glosas.

b) Exposto brevemente o assunto, passaria a fazer a interpretação literal, explicando os vocábulos, «que às vezes são escuros», e mostrando «como o sumário se tira do texto», sem se deter «mas matérias dos notados e sem alegar mais que duas ou três cotas ou símiles».

c) Cingido o texto, leria finalmente as respetivas glosas em ordem a fixar «o entendimento» do texto, isto é, a cabal interpretação do seu espírito. O regimento previu duas hipóteses:

1) As glosas não tocavam as «dificuldades do entendimento do texto».

Neste caso, o lente, depois de formular o sumário do texto, deveria esclarecer-lhe o espírito, alegando «dous ou tres fundamêtos ou motiuos breues q escolhera do que os Doctores dizem ou a elle parecer», e rebatendo «a dous ou tres dos prinçipaes contrairos que o dito emtendimento do sumario teuer».

2) As glosas formulavam a interpretação do texto.

Neste caso, prescrevia o regimento que o lente se não detivesse na referência de todas as glosas, mas «somente as que forem de peso e sustançia e as outras passaraõ breve e sumariamente e nam curarão de declarar todas as materias que as glosas tocam mas somente no principal que notam ou pergumtã ou alegam».

Como se vê, as prescrições didáticas obedeciam ao intento da simplificação, proibindo expressamente a erudição pormenorizada. É o que resulta dos passos transcritos, e mais categoricamente ainda do seguinte, no qual se acentua que os lentes não «curarão de induzir os textos similes que as glosas alegam pera prouar as opiniões ou as de que oppoem mas somente induzirão huü ou dous dos principaes e aprouaraõ ou reprouaraõ as opinioes das glosas dizendo breuemente ysto se aproua ou isto se reproua per os Doutores nomeando dou os tres dos que as aprouaõ ou reprouaõ dizendo huü ou dous fundamemtos porque se aproua ou reproua e nã mais com huã ou duas Cotas e pasaram logo sem trazerem mais opinioes de Doctores nem mais materias a outro texto».

Finalmente, este regimento determinava ainda que os estudantes ficavam obrigados a levar os livros «para ouuirem as liçoes com os liuros diante», sob pena de se lhes descontarem dez dias de curso por cada dia que os não levassem. O regimento esclarece que esta obrigação era de fácil cumprimento, visto que as aulas teriam lugar na mesma sala e as lições de cada dia recairiam sobre o mesmo livro (vid. M. Brandão, Documentos..., cit., vol. I, pp. 187-190).

O confronto deste regimento com os títulos respetivos dos Estatutos salmantinos de 1538 mostra a particularidade notável do quadro docente da Instituta na Universidade de Coimbra compreender quatro lentes, quando em Salamanca era constituído por dois; e do reformador português ter insistido sobre a orientação didática, confiando ao reitor da Universidade a fixação das matérias que cada lente leria anualmente, ao contrário do legislador castelhano, que fixou as matérias e não prescreveu concretamente a respetiva didática.

2) Regimento de Leis

Pelo regimento de 18 de Setembro de 1539, o ensino das Leis, isto é, o Cógigo e Digestos, passava a fazer-se de 1 de Outubro em diante em três cursos.

a) Primeiro curso

O primeiro curso que se desenvolvia em 3 anos, compreendia 6 lições diárias, lidas pelos seguintes mestres:

Bacharel Lopo Cintil (semtil), que leria duas lições, no primeiro semestre, isto é, de 1 de Outubro à Páscoa, pela manhã, das 9 às 10 horas, e pela tarde, das 2 às 3, e no segundo semestre, da Páscoa ao fim do ano letivo, das 8 às 9 da manhã, e das 3 às 4 da tarde. Licenciado Francisco de Mariz, que leria igualmente duas lições, no primeiro semestre das 10 às 11 da manhã, e das 3 às 4 da tarde, e no segundo, das 5 e meia às 6 e meia da manhã, e das 2 às 3 da tarde. O Doutor Francisco de Leiria leria uma lição, no primeiro semestre, à tarde da 1 às 2, e no segundo das 5 às 6.


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