Segunda Parte - que compreende os anos que discorrem desde meados do de 1537 até fim do de 1540 (I)

«Na tabela de faltas relativa à 1.a terça do ano letivo de 1538-9, bem como na relativa à 2.a terça, encontramos referência a este curso de Gouveia.» (Vd. Os professores dos cursos de Artes nas Escolas do Convento de Santa Cruz, na Universidade e no Colégio das Artes de 1535 a 1555, Separata da revista Biblos, vol. V, Coimbra, 1929, pp. 7-8).

A verba acima transcrita confirma que Diogo de Gouveia iniciou o seu magistério em Santa Cruz, com o ensino da Gramática, em 1535.

5.°) De, em Junho de 1535, terem sido pagos ao «mestre» Francisco Fernandes, «é começo de pago de seu ordenado dez mill reaes... ».

6.°) De, em Junho de 1535, terem sido pagos «ao bacharel Antonio Gomes mestre de gramatica, quatro mill reaes é parte de pago do q ade auer de seu ordenado... ».

Destas verbas de pagamento se depreende que o curso de Artes teve o seu início e funcionou regularmente desde 1535, e que o primitivo quadro de professores foi constituído por Afonso do Prado, Rodrigo de Quintana, Diogo de Gouveia, Francisco Fernandes e António Gomes.

É possível que Rodrigo de Quintana, Francisco Fernandes e António Gomes fossem os «franceses que vieram de Paris», provindo a designação da Universidade onde se graduaram, que não da nacionalidade de nascença.

O Dr. Mário Brandão (O Colégio das Artes, I, p. 35) aventa a hipótese do famoso helenista mestre Vicente Fabrício ter sido «talvez» um dos mestres «franceses que vieram de Paris», embora entenda dever ponderar-se o que o Prof. Dr. Gonçalves Cerejeira «escreveu acerca da data da sua vinda para Coimbra» (Clenardo, I, 1917, p. 79, nota, e se encontra transcrito no aditamento ao § 360).

Cumpre observar que anteriormente ao estabelecimento dos estudos regulares, já o Mosteiro de Santa Cruz custeava despesas docentes; é o que prova o referido Livro de receita, consignando que em Setembro de 1534 foram pagos a Lopo Galego (vid. anotação ao § 341) «hü mjll e duzétos reaes por 4 ésinou um irmaõ de dom Lourenço dous anos…….

b) BOLSAS DE ESTUDO NO ESTRANGEIRO

Encontra-se registada no referido Livro de receita e despesa a bolsa que o Mosteiro concedeu em Outubro de 1534 ao cónego D. Damião Dias (vid. § 107 e respetiva anotação) para estudar em Paris: «item pagamos a damjão diaz coneguo desta Casa q esta é pariz oito mil reaes q lhe o Mosteiro faz caridade cadano écãto estiuer no estudo é pariz... »; «item mais demos ao dito damjão diaz oito mjll reaes per mãdado do padre pera comprar livros pera seu estudo…»

D. Damião estudava Teologia.  

C) QUANDO INSTAUROU FR. BRÁS DE BRAGA O ENSINO EM SANTA CRUZ?

Leitão Ferreira parece aceitar sem crítica a afirmação de que os estudos regulares de Santa Cruz tiveram o seu início em Outubro de 1528.           

É esta data duvidosa; transcrevemos, por isso, as principais opiniões acerca do controvertido assunto.              

Fr. Nicolau de Santa Maria foi quem primeiro estabeleceu aquela data, nos seguintes passos da Chronica... dos Conegos Regrantes, liv. X, pp. 300-301;  

«Dos Collegios de S. Miguel, e de todos os Santos,

que os Priores de S. Cruz mãdaraõ edificar

junto ao mesmo Mosteiro, onde foi o primeiro assento

das Escolas menores de Coimbra.

«1. Como em o Mosteiro de s. Cruz houve sempre estudos desdo tempo del-Rey D. Sancho I. segundo o deixamos largamente provado no cap. 5. do liv. 7. desta Chronica, tanto que se reformou o Mosteiro pellos annos de 1527. se reformou tambem o costume antigo de haver nelle Estudos, porque as letras naõ se encontraõ com a virtude, antes se daõ as maõs admiravelmente, porque as letras encaminhaõ á virtude, & fazemna fructifera, como diz o livro da Sabedoria no cap. 7. Infinitus thesaurus est hominibus: quo qui usi sunt, participes facti sunt amicitiae Dei, propter disciplinae dona cõmendati. E a virtude governa as letras, & lhes tira tudo o que poderaõ ter de vaidade. No Mosteiro de S. cruz se vio isto claramente, onde se floreceraõ muitos Varões em virtude insignes naquelles primeiros tempos da Reformaçaõ, floreceraõ tambem muitos em letras, & de Muitos delles iremos fazendo mençaõ neste liv. 10.»

[…]

Mais tarde, o Dr. Manuel Pereira da Silva Leal, no Discurso apologetico, critico, juridico, e historico.. a respeito do Collegio de S. Pedro, Lisboa, 1733, pp. 392-394, no capítulo sobre «A verdadeira origem do Collegio de S. Paulo», seguiu o cronista dos regrantes nestes termos:

«Desejando o grande Rey D. Joaõ III. que a Universidade, depois de tantas variedades, e mudanças, que experimentara desde o tempo dei Rey D. Diniz, se estabelecesse firmemente na Cidade de Coimbra, por considerar os inconvenientes, que havia na sua perseverança nesta nossa grande Corte de Lisboa, dispoz prudentemente de longe os meyos de efeituar esta mudança, determinando, que no real Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra se désse principio a Estudos publicos, pelos annos de 1528. Reformava naquelle tempo Fr. Braz de Braga, ou de Barros, que depois foy Bispo de Leiria, Religioso da Ordem de S. Jeronymos, a Congregação dos Conegos Regulares; e para que o Mosteiro de Santa Cruz, Cabeça de toda ella, naõ só ficasse reformado em virtude, e Religiaõ, mas tambem em letras, por ordem dei Rey institui° nelle Estudos, mandando vir alguns Mestres de Pariz, que principiaraõ a ler em Outubro do dito anno 1528. em forma de Universidade […].»

As afirmações de D. Nicolau de Santa Maria, corroboradas pelo Dr. Silva Leal, foram criticadas pelo Dr. Mário Brandão, no vol. I, p. 33 e segs., da sua tese O Colégio das Artes, nestes termos:

Os informes de Silva Leal «assemelham-se tanto nas suas linhas gerais àquilo que escreveu Frei Nicolau de Santa Maria, que quase estamos em crer haver-se o douto historiador baseado no falacioso Cronista dos Crúzios, a quem, aliás, tanto e tão justamente impugnou. Ainda que Silva Leal pareça dar a entender, que em 1528 esses estudos já tinham forma de Universidade, para o que se obtiverão Bullas Apostolicas, com privilégios amplíssimos, quer-nos parecer, que as datas dessas bulas devem ser posteriores, sendo provavelmente uma delas de 16 das calendas de Abril de 1536.

«A primeira referência certa a estudos no Mosteiro encontramo-la numa carta do rei para Frei Brás, de 20 de Agosto de 1530, em que manifesta o desejo de ser informado sobre a forma da suplicação, que este fizera a Roma acerca de cousas c tocavão aos estudos. Este testemunho, porém, se nos prova que já então se pensava seriamente nos estudos, não informa se já se lia ou não no Mosteiro. Afigura-se-nos que não. Cremos que só em 1535 se inauguraram cursos regulares em Santa Cruz. Foi neste ano que vieram para o Mosteiro professores franceses, e no fim de Setembro inaugurou-se o ensino das Artes começando um Mestre a ler o primeiro ano do curso: a Lógica. Os outros lentes ocupariam as cátedras de Gramática, e Humanidades, e não sabemos mesmo se as de Teologia E.. J.»

Finalmente, o Prof. dr. Manuel Gonçalves Cerejeira, no citado Clenardo (2.a ed., 1926), pp. 101-102, não hesitou em aceitar a afirmação do cronista dos regrantes:

«Sobre os estudos no mosteiro de Santa Cruz terem começado em 1538,e virem de Paris para esse efeito os doutores portugueses no texto indicados [Pedro Henriques e Gonçalo Álvares, que começaram a ler em Outubro de 1528. Para ensinar ali veio também de Paris mais tarde o distinto helenista Vicente Fabrício, que havia de arrancar a Clenardo entusiásticas palavras de admiração], que regeram a Gramática, e o Grego e o Hebreu, segundo o testemunho do cronista dos regrantes D. Nicolau — parece duvidar o Sr. Mário Brandão, obr. cit., pp. 33 e segs.


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