Segunda Parte - que compreende os anos que discorrem desde meados do de 1537 até fim do de 1540 (I)

Quando não houvesse candidatos ao grau de bacharel, o reitor deveria obrigar três estudantes e bacharéis a arguirem, concedendo-se ao que lesse o direito de escolher para padrinho o lente de prima ou de véspera da sua faculdade; estas lições prestavam-se perante o reitor, lentes, conselheiros e deputados.

i) Prestadas as provas de todos os candidatos ao grau de bacharel, o reitor recolhia os votos dos lentes, conselheiros e deputados que a elas haviam assistido; no caso de aprovação, os votantes tinham ainda de se pronunciar sobre a ordem da classificação dos bacharelandos, que assim ficariam com precedências entre si para a colação do grau, e no caso de exclusão, sobre o tempo que deveria ser assinado ao candidato para repetir o ato. Neste caso, não se lavrava termo público, mas o reitor deveria comunicar aos excluídos, «em segredo», o tempo que lhes fora acordado.

j) As licenciaturas em Cânones e Leis deveriam fazer-se em anos alternados. Três meses antes das férias grandes, os candidatos requereriam ao Conselho as repetições, acompanhando o requerimento da certidão comprovativa da frequência dos cursos depois de bacharelados. Fixados os dias para as repetições e conclusões, prestavam-se as respetivas provas, às quais deveriam arguir os outros candidatos, sobe pena de exclusão, assim como, segundo a respetiva antiguidade no grau, os doutores, lentes licenciados e bacharéis. Às provas deveriam assistir o reitor, lentes, conselheiros e deputados, tendo cada candidato o seu padrinho. As votações tinham formulário idêntico ao do grau de bacharel.

O regimento admitia a Licenciatura por suficiência na forma dos Estatutos manuelinos, salvo para os estudantes que frequentassem há nove anos a faculdade.

D. Agostinho Ribeiro, que, como dissemos, foi portador deste Regimento quando partiu para Coimbra a tomar posse da reitoria da Universidade, encontrou algumas dificuldades na respetiva aplicação. Por iniciativa pessoal, ou sugestão alheia, deu parte a D. João III destas dificuldades. Desconhecemos o teor das cartas que a este respeito dirigiu ao monarca, mas, pelas respostas deste, temos conhecimento das objeções feitas às novas prescrições do Regimento e das respetivas resoluções régias. As cartas de D. João III, que cumpre considerar, encontram-se publicadas pelo Dr. M. Brandão no vol. I dos citados Documentos de D. João III; delas se desprendem os seguintes factos, que se reportam diretamente às inovações acima expostas:

a) Processo de votação dos graus de bacharel e de licenciado

O primeiro e mais constante inconveniente que o reitor encontrou na aplicação do novo regimento respeita ao processo da votação dos graus de bacharel e de licenciado.

Em seu parecer, ou no dos professores seus conselheiros, a ordenação por escala dos graduados facilitava as peitas, o suborno e o desacordo dos julgadores, afugentava os estudantes nacionais e não atraía os de fora.

D. João III, por carta de 8 de Dezembro de 1537, embora reconhecesse talvez estes inconvenientes, reiterou a aplicação do Regimento, por quanto se houvesse suborno, ou recebessem «peitas para darem os primeiros e segundos lugares a quem os nam merecer», castigaria os lentes, e a afluência de graduados longe de ser um bem era um mal: havendo poucos graduados, seriam «muito mais estimados. E o estudo deve ter ysto em gramde estima por que atee ora os graduados em Salamanca de licemceados foram avidos e estimados mais que os das outras universidades pello rigor do exame» (Documentos..., cit., p. 65).

Pouco tempo depois, solicitava o reitor nova determinação sobre este processo. A dúvida agora recaía sobre o modo de votar as «precedençias de primeiro, segundo e terceiro lugar e etc.», pois não sabia se a votação se devia fazer ou não por escrutínio secreto. Por carta de 25 de Fevereiro de 1538, D. João III resolveu que os votos se dessem «por escrutinio per escritos cerrados do modo que se vota por estatuto nos exames dos licemceados para lhe darem as licencas. E assy nas opposições das cadeiras e tanto que todos votarem sobre o primeiro lugar. tornarã votar sobre o segúdo e depois sobre o terceiro e asy procederã no dar dos ditos votos ate se acabarê todos os graduados» (Documentos..., cit., pp. 80-81).

Nos termos do Estatuto manuelino a votação das licenciaturas obedecia ao seguinte processo: terminadas as provas, «os mestres ou doctores comunicaram os mereçimentos do bacharel nom estando hi outra pessoa algúa senam elles sem screpvam e acabada a comunicaçam ho scrivam daraa cada hum dos mestres ou doctores hum A. e R. gramdes e andara com hum barrete na maão peramte elles e lamçara cada hum delles a letera que quiser e a outra rompera em tal maneira que se nom possa leer nem conhecer o qual barrete com as leteras dara ho scrivam ao cançelario e vera se hee aprovado ou reprovado pera lhe dar licemça e o scrivam fara aucto das leteras daprovaçam e ho camçelario mandara secretamente as ditas leteras ao dito bacharel.» (Vid. Not. Chronol., I, pp. 785-786).

Decorrido um mês, ou pouco mais, volvia novamente o reitor com outra dúvida. Dava-se o caso de bacharéis «feitos em outros Estudos» pretenderem graduar-se por suficiência em Coimbra, e o reitor ignorava se lhes era aplicável a votação de precedências; uma vez mais, D. João III ordenava a aplicação rigorosa do Regimento, e portanto «nos taes bachares que asy vem de fora se ha de guardar o meu Regimento por que mando que os licemciados se faça jumtos e per primeiro e segumdo lugar e que se dem as taes licemças de Dous em Dous anos... Doutra maneira serya prejuizo dos que cursasem neses estudos e seriam os que vem de fora de milhor comdiçã que os filhos da universidade» (Documentos..., cit., pp. 86-87).

Com tão reiteradas determinações, o regimento dos exames e votações teve plena aplicação no ano letivo 1537-1538; é o que resulta da carta de D. João III de 8 de Junho de 1538, na qual testemunha ao reitor o prazer que teve ao conhecer a «comta dos escolares que este ano leram para se graduarem de bachares», na qual vinham «nomeados com declaraçã de quê levou o primeiro lugar e asy os outros».

As insistentes objeções do reitor faziam prever que este processo de votação geraria o descontentamento. Na realidade, assim foi; conhecido o resultado dos primeiros atos de bacharel, os estudantes que não obtiveram o primeiro lugar ficaram descontentes, e logo anunciaram o propósito de irem graduar-se a Salamanca. Perante este facto, o reitor pedira providências. Não se fizeram esperar; pela carta de 8 de Julho de 1538 D. João III proibia aos escolares de Coimbra que se graduassem em quaisquer outros Estudos, e para tornar mais solene esta proibição determinava, dez dias depois, que fosse notificado a toda a Universidade e se trasladasse para o livro dos Estatutos o alvará de 18 de Julho de 1538, pelo qual «os escolares que se quiserem graduar de bachares. e depois de terem feitos seus cursos e lido suas licoes nesa universydade se fforem graduar em outros estudos nã gozem em meus Reinos e senhorios das homrras e liberdades do dyto grao E asy ey por bem que os bachares que se forem fazer licemciados em outros estudos depois de hy terem ffeitos seus cursos e Repitições nam gozem dos privilegios e liberdades de licenceados nos ditos meus Reinos e senhorios E isto se emtemdera asy nos bachares e licemceados que ora tem lido e repitido como nos que daquy por diante lerem e repitirem».

O reitor tornou público este alvará em 23 de Julho, no ano de repetição do licenciado António Soares, ao qual assistiram a maior parte dos lentes e muitos fidalgos. (vid. M. Brandão, Documentos..., cit., I, pp. 97-98); no entanto, apesar do rigor inflexível com que o monarca mantinha o estatuído no Regimento de 9 de Novembro de 1537, os estudantes obtiveram, de certo modo, uma satisfação moral.


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Vamos corrigir esse problema