Segunda Parte - que compreende os anos que discorrem desde princípio do de 1541 até fim do de 1547 (II)

Com este assunto se relaciona a interessantíssima certidão do bedel e escrivão da Universidade Nicolau Lopes, de 21 de Maio de 1543 (ibid., pp. 228-231), comprovativa do procedimento em conselho do Dr. António Soares, o qual invectivara o Reitor da Universidade de arbitrário e de ilegal, pois havia convocado apenas os lentes para o conselho celebrado em 19 de Maio, excluindo dele os deputados e conselheiros.

3) Sobre a feira franca da Universidade e privilégios correlativos

Por provisão de 1 de Setembro de 1540 (M. Brandão, Documentos..., cit., vol. II, pp. 247-249), a Universidade usufruía o privilégio de uma feira franca, que tinha lugar semanalmente às terças-feiras, salvo para o pescado, cujo dia de venda era à sexta-feira. O mercado realizava-se na praça-nova, sita na Almedina, durando a isenção até às 2 horas da tarde.

Por este privilégio, não pagariam sisa nem quaisquer outros direitos os seguintes produtos que fossem a essa feira: galinhas, capões, frangos, patos e todas as outras aves domésticas e bravas, carneiros «em pé», leitões, cabritos e toda a caça, ovos, queijos, leite e toda a classe de lacticínios, mel «por medidas miudas», frutas, legumes, fruta seca por peso e medidas pequenas, lenha e carvão, assim como o pescado fresco que morresse no rio Mondego, da foz para dentro e nos seus afluentes. A revenda não ficava isenta de direitos, e era obrigatória, até às 2 horas da tarde, a venda por miúdo.

Na referida carta de 4 de Junho de 1543, os conselheiros da Universidade solicitaram a confirmação e reforço deste privilégio, pois o fisco de alguns concelhos por onde transitavam os feirantes impedia-lhes a continuação da jornada para Coimbra, invocando as posturas municipais e estatutos.

Não foi apenas nos concelhos de trânsito que os feirantes encontraram dificuldades; ocorreram também, e com frequência, em Coimbra, por parte das autoridades da Câmara, como claramente testemunham o alvará de 1 de Agosto, as cartas régias dirigidas à Universidade e Câmara nesta data, e os alvarás de 11 e 20 de Setembro de 1543 (vid. M. Brandão, Documentos de D. João III, vol. II, pp. 120, 121, 127-128 e 130). De um desses motivos de queixa se fez arauto o Reitor da Universidade, pois em carta dirigida a D. João III, em 2 de Agosto de 1543, relatou que os oficiais da Câmara vexavam os carniceiros da Universidade citando-os e penhorando-os pelo gado que traziam nos olivais.

A cidade sofria de falta de carne, ao contrário da Universidade; talvez por esta razão, interpretavam o privilégio de uma forma favorável à cidade, pois diziam que o alvará de 11 de Setembro de 1543, que concedera aos carniceiros da Universidade autorização para que os gados destinados ao consumo do pessoal universitário pudessem pastar nos olivais e pastagens da cidade e seu termo, se aplicava apenas ao gado que pastava nos «caminhos» por onde vinham para a cidade e não do que está aqui detido oito dias para se matar» (Alguns documentos... cit., p. 92). O Reitor da Universidade, em face disto, solicitava urgentes providências, tanto mais que os carniceiros da Universidade não podiam abastecer a feira franca, se não tivessem «vinte ou trinta cabeças», e insinuava que o regimento da feira pertencesse apenas à Universidade.

A divergência, que se manteve e perdurou com incidentes diversos, foi de momento resolvida pelas seguintes disposições:

a) Alvará de I de Agosto de 1543.           

Determinou que os oficiais da Câmara de Coimbra entendessem na governança da feira franca da Universidade como entendiam nas demais coisas do governo da cidade, guardando, porém, os privilégios concedidos especialmente à Universidade, e que nenhum almotacé nem qualquer outro    oficial da Câmara ou da Universidade interviesse na repartição dos mantimentos e coisas que viessem à feira para venda.

Este alvará, em cartas da mesma data, foi comunicado à Universidade e à Câmara (M. Brandão, Documentos..., cit., vol. II, pp. 120-122), e o seu teor inculca que, na emergência, D. João III atendera particularmente as razões da Câmara.

b) Alvará de 11 de Setembro de 1543.

Ordenou que o juiz, vereadores e procurador da Câmara se não entremetessem «em cousa que toca à dita feira e seu regimento até eu sobre isso mandar o que houver por mais serviço de Deus e meu» (ibid., p. 127).

c) Alvará de 11 de Setembro de 1543.

Determinou, atendendo o pedido do Reitor da Universidade, que o gado do carniceiro que se obrigara a fornecer de carne a Universidade, pudesse pastar pelos olivais e pastagens da cidade e seu termo sem pagar coima nem qualquer outra penalidade estabelecida por provisão ou postura camarária. Os danos que o gado causasse seriam, no entanto, avaliados e pagos pelo carniceiro. O alvará teve efeito retractivo, pois Baltasar Fernandes, que era então único carniceiro da Universidade, foi reembolsado pelo pagamento das penas e coimas em que havia sido condenado pela Câmara (ibid., p. 128).

d) Alvará de 20 de Setembro de 1543.

Determinou que os oficiais da Câmara se não entremetessem no regimento privativo dos carniceiros e pescadeiros da Universidade (ibid., p. 130).

4) Sobre assuntos administrativos

a) Demarcação de propriedades.

Na citada carta de 4 de Junho de 1543, expôs o conselho da Universidade a necessidade de se demarcarem as terras e propriedades inerentes às capelas do conde de Marialva, de que elrei havia feito mercê à Universidade. Com efeito, umas andavam sonegadas, outras usurpadas e todas mal providas e pouco aproveitadas; por isso, se solicitava a organização do respetivo tombo por funcionários nomeados adrede, com poderes para procederem a novos arrendamentos e aforamentos.

b) Autorização de pagamentos.              

O conselho da Universidade, na mesma carta expôs a necessidade de se autorizar o pagamento das dívidas que Nicolau Leitão, recebedor das rendas da Universidade, contraíra no desempenho da comissão que a Universidade lhe cometera para tomar posse das capelas doadas à Universidade, na qual andou 12 dias com cavalo e moço; e ainda das que fez com os filhos, que por seu mandado haviam ido por vezes a Lisboa, nos dois anos anteriores, para se obter o pagamento aos lentes, visto não terem sido cobradas, nem poderem cobrar-se, as rendas que estavam afetas a este pagamento.

c) Reforço de verbas.

Na mesma carta de 4 de Junho de 1543 expôs ainda o conselho a necessidade de serem reforçadas as verbas da Universidade destinadas ao pagamento dos lentes e outros gastos necessários, quer por acréscimo das rendas universitárias, quer por concessão de verbas para a arca da Universidade, quer ainda para o fundo do recebedor.

d) Atualização do privilégio da isenção da dízima.

No mesmo documento, solicitou-se também a atualização expressa da mercê que D. Manuel havia concedido à Universidade de Lisboa, pela qual ficavam isentas de dízima todas as coisas que transitassem pelas alfândegas de terra e mar, com destino direto ao mantimento e consumo dos lentes, estudantes e oficiais da Universidade.

Os funcionários das alfândegas consideravam caduco o privilégio pela transferência da Universidade para Coimbra.

e) Incorporação das escrituras da Universidade de Lisboa em Coimbra.

Finalmente, ainda no mesmo documento, solicitaram os conselheiros a efetivação da ordem régia que determinara a transferência para Coimbra das escrituras respeitantes à Universidade, e que se encontravam em Santo Elói de Lisboa. Fundamentavam o pedido na circunstância de se deverem guardar tais documentos onde a Universidade estivesse, e este facto, se muitos outros não existissem, bastaria para mostrar que em 1537 se realizou uma trasladação da Universidade portuguesa, e não uma nova fundação.


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