Segunda Parte - que compreende os anos que discorrem desde princípio do de 1541 até fim do de 1547 (II)

«Em 1541, regressava a Portugal, encontrava a universidade em Coimbra e era nomeado lente da cadeira de Avicena. Terminado o seu triénio, deixou aquela cidade e logo em seguida Portugal, desgostoso seguramente pelos vexames a que as suas crenças o expunham. Foi para Antuérpia, onde os judeus encontravam então abrigo seguro, e aí exercer a clínica. Durante a sua residência nesta cidade, como o livreiro Steelsio quisesse publicar uma nova edição do Dicionário de António de Nebrixa, acrescentando-lhe um vocabulário médico, encarregou desse trabalho Luís Nunes, que o concluiu em 1545. Pouco depois, seguiu para Paris e nesta cidade adquiriu tais créditos, que foi nomeado médico da famosa Catarina de Médicis. Quatro ou cinco anos depois, voltava para Antuérpia, onde provavelmente morreu. Para que se saiba a que grau de renome chegara, basta dizer que no tempo em que aqui residiu, a rainha de Inglaterra também o mandava chamar a Bruxelas para a curar de umas sezões de que sofria. André Laguna afirma que lhe deveu a comunicação de grande número de plantas de que não tinha inteiro conhecimento e chama-lhe "varão raro dos nossos tempos".»

[XI]

O mesmo Prof. [Maximiliano Lemos] em Estudos de História da Medicina Peninsular, Porto, 1916, pp. 4-6, refere os factos transcritos na anotação anterior, acrescentando, porém, os seguintes, a saber: que Luís Nunes de Santarém regressou a Portugal (de Salamanca) em 1529, na companhia de Amato Lusitano, e que «A única obra que Luís Nunes escreveu foi um vocabulário médico acrescentado à edição do Dicionário de Nebrixa, publicado pelo livreiro Steelsio. 

Esta edição de Lebrija é oferecida a Diogo de Murça e tem uma dedicatória, datada de Antuérpia no terceiro dos idos de Junho de 1545, em que Luís Nunes afirma terminantemente que estudou e ensinou em Salamanca. Todavia, não tem uma palavra para a louvar, ao contrário de tantos outros dos médicos portugueses que por ali passaram.»

[XII]

ADITAMENTO ÀS NOTICIAS CHRONOLOGICAS DA UNIVERSIDADE RELATIVAS AO ANO DE 1541

Leitão Ferreira deixou no olvido um conjunto apreciável de notícias referentes ao ano de 1541. Por comodidade de exposição, repartiremos estas notícias pelos dois locais onde então se ministrava o ensino: o mosteiro de Santa Cruz, e a Universidade.  

[ I]

MOSTEIRO DE SANTA CRUZ

a) Gramática e Artes     

Luís Álvares Cabral foi regente, ou primário, do ensino das Artes e da Gramática nas Escolas de Santa Cruz, cujo quadro de mestres em Julho de 1541, isto é, no fim do ano letivo, se achava assim constituído:

a) Cristóvão de Abreu ensinava a Primeira Regra, com o ordenado anual de 20 mil réis, por encargo de Luís Álvares Cabral, tendo, em Janeiro de 1541, «bem cem ouvintes» (vid. Mário Brandão, Documentos..., cit., vol. II, p. 1).

Pela numerosa frequência deste curso de Cristóvão de Abreu reconheceu-se que um só mestre o não podia reger satisfactoriamente; por isso, D. João III determinou, em 5 de Março de 1541, que o Prior de Santa Cruz, com parecer de Luís Álvares Cabral, procurasse dois mestres que regessem o desdobramento, em três turmas iguais, do curso de Cristóvão de Abreu, por forma que a Primeira Regra passasse a ser ensinada por três mestres diferentes (M. Brandão, ibid., p. 4).

b) Manuel de Pina, em Janeiro de 1531, por encargo de Luís Álvares Cabral, lia «aos escolares 4 per seu exame se pasam as Artes... em quãto nã vieré os lentes De paris». Pela carta de 14 de Março de 1541, que lhe fixou o ordenado em trinta mil réis anuais, se precisa que regeu neste ano o primeiro curso de Artes (M. Brandão, ibid., pp. 1 e 8).

c) Inácio de Morais ensinava em Janeiro de 1541 a Segunda Regra (M. Brandão, ibid., p. 2).

d) António Caiado ensinava a Segunda Regra, pela mesma época (M. Brandão, ibid., p. 2).

Inácio de Morais não respeitou neste curso as determinações de Luís Álvares Cabral, ensinando livros mais difíceis dos que lhe haviam sido designados e que excediam a capacidade dos alunos, pelo que estes lhes desertaram a aula, procurando a de António Caiado; por isso lhe foi imposto, pela referida carta de 21 de Janeiro de 1541, que obedecesse à determinação do «primário» (vid. Noticias Chronologicas, II, p. 750).

e) Luís Álvares Cabral lia filosofia natural (M. Brandão, ibid., p. 3).

Em carta de 28 de Dezembro de 1540, o reitor da Universidade D. Agostinho Ribeiro informava D. João III que, posto lhe não pertencesse, lhe doía ver que em Santa Cruz o ensino da «gramatica & logica estaa de todo perdido. V. A. nã proveo majs nisso de man q né tê Regimt° o q né como ham de ler nem provisooés para sseu ssalaryo. né para hos estudãtes pagarê ho cruzado 4 sse hordenou averé de pagar para ajuda do hordenado dos lentes. ho prior diz q nã té de ver è ysso. eu nã tenho poder para njsso étéder de manera q esta ho Ito perdido. proueja V. A. nisso como he necessareo.» (Vid. M. Brandão, Alguns documentos..., cit., p. 77).      

D. João III ouviu tão instante reclamação, pois no início do ano letivo 1541-42, teve o curso de Gramatica e Artes mais desenvolvido quadro docente, o qual foi ocupado, pelo menos, pelos seguintes mestres:       

1) Primeira Regra [de Gramática Latina]              

a) Cristóvão de Abreu, cujo nome completo era Cristóvão Rodrigues de Abreu (M. Brandão, ibid., p. 21).; foi bolseiro em Paris, onde se encontrava em Outubro de 1540 (vid. a carta dos bolseiros na Universidade de Paris a D. João III, publicada pelo Dr. M. Brandão, em Alguns documentos..., cit. p. 210).     

b) Manuel Tomás (vid. M. Brandão, ibid., pp. 21 e 23). 

Sobre este mestre deixou-nos o Dr. Francisco de Monzon as seguintes informações, no Libro primero del espejo del Principe Christiano (2.a ed. de 1571, Lisboa, fls. 32 e 32 v.°):      

«Pues si los brutos irracionales tienen habilidad para aprender semejante cosa que les ensenan, como los ninos por mas pequenos q seã, no seran disciplinables? Que cierto veemos q lo son de muchas cosas que sus amas les ensenan. Y abaste por exemplo y prueua lo q se vido publicamente en este Reyno, q vn hõbre hõrrado q era grãde escrivano y hõbre docto en latinidad, q tenha vna cathedra de latin en la Vniversidad de Coimbra, q se llamaua Manuel Thomas, emprêdio de ensenar por arte a sus hijos desde la teta la légua latina, para el les fuesse materna: y mando a su muger q los criaua, q no hablasse ninguna palabra vulgar con ellos, y el hablaua les latin, y todas las cosas les nõbraua por vocablos latinos, y de tal manera lo aprédieron, q los hijos suyos antes de tres anos hablaron muy casto latin, y los traxerõ a mostrar ai rey: y hizo merced ai padre y a los hijos, para que estudiassen y se hiziessen letrados, y assy salieron los dos muy doctos, porque el vno es doctor en leyes, y el otro en medecina. Y yo vi vna niíía hija deste mismo hombre, q no auia ocho meses, y le hablauan latin y lo entendia, y respondia alguna palabra latina ai proposito: y con ia edad crescio con ella ia lengua latina, y fue docta en ella, y aü es biva oy dia.»

c) Diogo Fernandes, bacharel.

Pelo alvará de 1 de Julho de 1541 teve de ordenado anual 20 mil réis (M. Brandão, ibid., p. 21). O seu magistério da Primeira Regra é expressamente referido na carta de D. João III ao Cancelário da Universidade, de 12 de Outubro de 1541 (M. Brandão, ibid., p. 59).


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Vamos corrigir esse problema