O Homem (1892-1958)

Não se interpretem as minhas palavras como uma exaltação ritual ou hagiográfica. Joaquim de Carvalho não foi propriamente um santo, no significado corrente da palavra. Tendo escrito estudos muito belos e admirativos acerca da nossa literatura religiosa do século .XVI (impropriamente chamada mística), o racionalista de estirpe laica não seguia os preceitos da ortodoxia tradicional. Disse-me um dia que conhecera no estrangeiro Benedetto Croce e D.S Sturzo, opositores do fascismo. Croce, cuja posição filosófica tem algumas afinidades com a do nosso pensador, editou um breve texto, hoje quase ignorado, que Joaquim de Carvalho conheceu: — «Perchè non possiamo non dirci cristiani». É nesta dimensão que podemos definir a posição mental de Joaquim de Carvalho, que faz remontar ao ensino de Cristo a origem do liberalismo : «Veio Jesus e disse que se desse a César o que é de César e a Deus o que é de Deus e desde então — sublinha — foi possível a generosa atitude de espírito e de coração donde brota o liberalismo». Se existe um conceito de santidade laica com a qual possamos definir nobres espíritos como Joaquim de Carvalho, não há dúvidas de que é aí que poderemos situá-lo, no sentido daquela expressão «faire son salut laïc» que figura no último parágrafo das Memórias de Raymond Aron .

Joaquim de Carvalho desapareceu exatamente em 27 de Outubro de 1958. Nestas quatro largas décadas que de então nos separam, muitos acontecimentos modificaram a fisionomia política, social e intelectual do Mundo, e também de Portugal. Se tivesse podido ser testemunha de uma tal metanoia, o seu espírito teria rejubilado, até porque sempre defendeu a democracia, a conciliação de famílias políticas e religiosas desavindas ou divididas, os direitos humanos, o diálogo socrático entre os homens de cultura.    

Mas o Mundo continua a sofrer desequilíbrios sociais que ferem a dignidade humana e injustiças clamorosas que são a negação total das leis justas pelas quais se bateu o pensador português. O bem-estar material e social de todos os povos continua e continuará a ser uma miragem inatingível, mas impõe-se seguir o exemplo de Joaquim de Carvalho continuando, com vontade generosa e equânime, a lutar por um ideal de justiça e liberdade.


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