Desejaria concluir as minhas desataviadas palavras com uma alusão a este breve texto. Joaquim de Carvalho interpreta «Os Lusíadas» em termos filosóficos como 'Vico fizera para Homero em relação à Grécia, como Hegel para Dante em relação ao mundo mediterrâneo, como Frederico Schlegel sugerira para o génio de Camões, autor da maior epopeia moderna, em relação ao génio do seu povo. Para Joaquim de Carvalho, «a inspiração camoniana brota da autenticidade da história nacional. Por isso — sublinha — Camões não é a réplica de Virgílio, Ariosto e Tasso».
«Os Lusíadas» são, segundo ele, «um poema da ação e da vontade, das empresas e realizações na sequência dos acontecimentos. E daí a unidade do poema cujo centro são os feitos dos Portugueses. Daí o valor ético e o amor patri». Joaquim de Carvalho só não quis identificar o génio do poeta como consubstanciação da vocação histórica de um povo, porque isso poderia significar, ou ser interpretado erradamente, no contexto de um nacionalismo exacerbado, como um ato ambíguo de colaboração retórica com os que punham Camões ao serviço da cruzada, da exaltação da fé e do império, sem restrições.
Joaquim de Carvalho, um Homem verdadeiro. A sua obra — a imagem dessa humanidade, na altura moral e na qualidade intelectual; na curiosidade universalista e no respeito por um Humanismo novo, plasmado pelo do Renascimento, enriquecido pela ciência crítica, pelo bom senso do pragmatismo iluminista, pelo idealismo de um tónus algo romântico, na modernidade de uma inteligência ágil que sabe compreender os tempos que chegam a anunciar o futuro. Não um futuro que canta mas em que os homens hajam de ser mais fraternos, as leis mais justas, o respeito pelos direitos humanos mais presente não apenas na predicação ética mas também e principalmente no comportamento vital*.
Lisboa, 10 de Junho de 1996
JOSÉ V. DE PINA MARTINS