Discursos académicos de circunstância

1. DISCURSO DO SECRETÁRIO GERAL DA COMISSÃO EXECUTIVA DO CONGRESSO, PROF. JOAQUIM DE CARVALHO

Exmo. Sr. Ministro da Instrução:

Exmo. Sr. Reitor da Universidade:

Senhores Congressistas:

Minhas Senhoras:

Meus Senhores:

Como secretário-geral da Comissão Executiva do Congresso Misto das Associações Portuguesa e Espanhola para o Progresso das Ciências, incumbia-me o honroso encargo de resumir, embora a traços largos, todo o vasto trabalho apresentado nestes dias, para nós todos inolvidáveis. Sinto-me, porém, inibido de o fazer, e por uma forma tão imperativa, que nem utilizando aquelas botas de sete léguas que Hegel calçou para percorrer todo um longo período do pensamento humano eu me sentiria capaz. É que a cisão da unidade do saber, que a atividade do século passado parece ter quebrado duma forma definitiva — e estou em dizer, lamentável, porque a essência do espírito humano é coordenação e aspiração para a unidade, já não nos permite gozar as largas, ricas e harmoniosas perspetivas da cultura anterior ao século XIX. Forçados a uma terrível especialização, cindimos pelas exigências do trabalho científico, a realidade viva do mundo e do espírito e a própria história do homem. Contentemo-nos, ao menos, em evocar os inefáveis prazeres intelectuais dum Aristóteles, dum Tomás de Aquino, dum Leonardo da Vinci, dum Descartes, dum Leibniz ou dum Kant, e a considerar com amável ternura a galharda confiança de Pico de Mirandola ou do português Fr. Francisco de Santo Agostinho de Macedo, sustentando teses de omni re scibili. A esta razão geral, outra acresce. Ainda há momentos funcionavam quase todas as secções do Congresso, e mesmo que me socorresse dos juízos e informes dos senhores presidentes e secretários das várias secções, eu não teria materialmente tempo para fazer um relatório circunstanciado, — tanto mais que a probidade me impunha o dever de nada omitir de realce e a precipitação sempre foi má conselheira e guia. Se não posso assim apresentar-vos o relatório dos trabalhos do Congresso, duas considerações dentre tantas, devo salientar. Nos discursos inaugurais, nas conferências, nas comunicações e nas teses dominou a ideia gentil de espanhóis e portugueses versarem principalmente problemas, aspetos e factos de significação ou importância peninsular, sem que o amor desinteressado da verdade sofresse ou se manifestasse uma nota agressiva ou estreita.

Desta forma, constituem a nota predominante deste Congresso a necessidade de relacionar certos problemas históricos e culturais das duas nações para poderem ser cabalmente apreendidos e a consideração, sob o ponto de vista peninsular, de alguns problemas científicos ou de aplicação. Congratulemo-nos com este facto, e saibamos tirar dele toda a fecunda e generosa lição de solidariedade humana que ele comporta e ao mesmo tempo a diretriz para futuros congressos mistos. Ao lado do regime das comunicações livres, não deverá estabelecer-se um elenco de problemas especiais, de interesse peninsular, previamente fixados e sobre cujos relatórios incidiria uma parte da atividade dos Congressos?

A forma espontânea e viva como estas aspirações se têm traduzido não importa a sua coordenação e efetivação prática?

Um outro facto se produziu neste Congresso, que nos deve encher de júbilo: foi a solidariedade e colaboração efetiva de algumas sociedades científicas de além dos Pirinéus. E em particular não posso esquecer que o Brasil, Cuba e Venezuela nos deram a honra de se fazerem representar, e, especialmente o Brasil, de enviar uma distinta e culta personalidade que efetivamente e relevantemente colaborou nos nossos trabalhos. Possam os futuros congressos reunir e intensificar, além da colaboração europeia, a contribuição da América de estirpe ibérica! São os meus votos mais veementes, não apenas pelo interesse científico, mas pelo prazer de ver reunidos todos os povos que no velho e sempre moço solar peninsular se não consideram em casa estranha.

2.DISCURSO DE RECEPÇÃO NA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DO ACADÉMICO HENRIQUE DE VILHENA

Sr. Henrique de Vilhena:

No comovido elogio do vosso insigne antecessor, que acabais de proferir, dir-se-ia que vos haveis rendido à influição de um desígnio transcendente e caprichoso. Invocais reiteradamente o destino, não sei se por moto, se como pretexto, e o destino é uma palavra que nos é interdita e jamais pode ter acesso neste recinto. É possível que as Academias não sejam, em rigor, templos da verdade, porque se lhes consente a probabilidade e até o erro, sob condição, bem entendido, de ele ser inteligente, mas não são certamente o altar da sujeição ao inexorável nem o da prostração perante o acaso.

Refratárias ao exclusivismo e ao absolutismo das ideias, a lei interna da sua natureza, se por um lado lhes dita a flexibilidade, a qual prepara ou se acomoda ao movimento incessante do pensamento, por outro proíbe-lhes a rendição à fatalidade e a resignação ao fortuito, as duas moedas com que o destino paga a quem se lhe entrega e humilha. Não hesito, pois, em riscar do nosso vocabulário tão nefanda palavra. Fazendo-o, inclino-me perante a sina da vossa personalidade, cuja persistência nos ideais científicos e cujo brio de carácter é a rotunda negativa da indiferença ou da resignação de quem acata o destino; e ao mesmo tempo, sinto a alegria da coerência, por me seduzir a ideia do encadeamento necessário de todas as coisas e de todos os eventos.

Como vedes, permiti-me um exórdio de discordância, e confesso-vos que o fiz deliberada e meditadamente. Mediante o dissentimento, se ele existe, quis patentear o nosso mútuo respeito às leis não escritas, e sem embargo supremas, que amparam a nossa Companhia: ouvindo-o sem protesto, vós reconhecíeis que podemos e até talvez devamos ser irredutíveis nas ideias científicas, nas opiniões estéticas, nas aspirações morais; proferindo-o sem titubear, acolhi-me à fortaleza da nossa Corporação, talvez o derradeiro refúgio da urbanidade e da tolerância, no qual o espírito guarda os seus direitos e a vivacidade agressiva cede à compreensão cortês. Há quem nos critique a obediência a estes preceitos, hoje raros e quase peregrinos, e confesso que os críticos têm razão quando a cortesia se desvirtua em encómio adulador; no entanto, cumpre-nos guardá-los porque eles são, repito, todo o nosso amparo, e em nenhum lance se insinuam tão imperativamente como neste, em que a secular tradição nos íntima a preitear boas-vindas a quem se propõe partilhar dos labores, alegrias e reveses da nossa Corporação. Tão atual hoje como o foi ontem e o será amanhã, exornado com o laurel de um género peculiar de eloquência, no qual a palavra deve adquirir em esplendor o que perde em vivacidade, o desempenho do mandato tradicional não sofre as injúrias do tempo e constitui o mais agradável dos encargos inerentes à confraternidade académica. Moralmente, nenhum outro se lhe compara e a todos suplanta porque sob os atavios do diálogo gratulatório com que se reveste lateja muitas vezes o raro prazer de admirar e pulsa sempre, se é sincero, a consciência do que nos une através das diversidades que felizmente nos separam.

Para quem assim pensa, o encargo que a nossa Classe me cometeu é superiormente honroso; mas, além de honroso, é profundamente agradável, pois a amizade que vos devoto, Sr. Henrique de Vilhena, impregna de fervorosa emoção o cumprimento do dever oficial. Um só temor me invade: não atingir a altura que o encargo exige, corrompendo com a balbúrdia de palavras a unânime satisfação com que a nossa Companhia vos acolhe.


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