Discursos académicos de circunstância

Em Santos Rocha admira-se, acima de tudo, o incansável obreiro da nossa história local e o descobridor afortunado dos nossos pergaminhos mais remotos. A nossa terra, porém, não é apenas um rincão relativamente rico de restos e despojos de populações primitivas e das que balbuciaram as primeiras palavras anunciadoras da civilização, porque é também, de entre outras qualidades, um sítio privilegiado pelas vibrações da luz, pela doçura de certos recantos, pela persistência de certos ofícios humildes, pelo encanto de algumas costumeiras simples e ternas. Ter descoberto tudo isto, com a intensidade pujante de uma força que brotou espontânea do âmago da própria terra e da alma popular, sem ideias preconcebidas nem intuitos de escola, ouvindo apenas o apelo acolhedor da beleza simples e serena, foi a grande revelação do pintor Mário Augusto.

Mário Augusto foi a antítese mental de Santos Rocha: este foi um erudito, que pensou com as categorias do transato, e no passado procurava a razão profunda da maneira de ser do presente —, o Pintor, pelo contrário, foi um homem que chegava a escandalizar pela ignorância — posso falar assim porque sou seu parente —, que era, portanto, incapaz de se elevar à conceção abstrata de um símbolo, mas cuja sensibilidade captava as radiações mais subtis das coisas simples, e nascera com o talento admirável de as exprimir com a graça imorredoira do desenho perfeito e com o sortilégio das tintas feiticeiras.

De Mário Augusto nos vai falar o seu amigo e camarada, o Professor da Escola de Belas Artes Sr. Luís Varela Aldemira — o pintor que tem o talento de nimbar de distinção a figura humana, o artista que nasceu com o raro condão de criar, de admirar o que os outros criaram e de nos dizer em prosa fluente e expressiva as razões da sua admiração. Ninguém como ele para falar de Mário Augusto, porque foi seu colega e seu confidente, com ele conviveu na boémia das tertúlias citadinas e na tranquilidade idílica da aldeia, de cujo encanto, aliás, a sua paleta nos deu alguns admiráveis quadros das Alhadas, e ainda porque, repito, só o crítico penetrante e admirável do ensaio sobre Columbano, e o autor de A arte e a Psicanálise, da Alcobaça, e do Itinerário Estético, pode impregnar o seu juízo com o alento afetivo das emoções vividas em comum e com a densidade intelectual dos conhecimentos gerais e especializados.

Finalmente, vamos ter ainda o prazer de ouvir o Sr. Dr. Pedro de Aguiar, que muito embora nascido em Leiria, e haja escrito um encantador roteiro espiritual desta sua terra, é, de certo modo, nosso conterrâneo pela ascendência materna e pela eleição dos nossos corações, gratíssimos ao amor que vota à Figueira e à dedicação sem limites que consagra à memória de David de Sousa. Muitos dos que assistem a esta cerimónia recordam com saudade a inconfundível figura de David de Sousa, com seu perfil de medalhão romano, com seu porte de romântico da época da luta contra o espírito filistino, com sua desenvoltura de exuberância vital, com seu ar de grande senhor habituado ao cortejo e ao domínio das plateias, com sua aura lendária de quem vivera e fora aplaudido em longínquas terras da Germânia e da Rússia; e os que o não conheceram nem viram, sabem que deixou um nome que não se apagará e perante cujo talento de criador e sobretudo de Kapellmeis ter se inclinaram todos os contemporâneos esclarecidos e competentes, à cabeça dos quais me permito destacar o nome de Mestre Adriano Merêa.

Dele nos vai falar, com a compreensão que o sentimento e a amizade inspiram, o Dr. Pedro de Aguiar, que à formação de cientista — foi preparador de Química na antiga Escola Politécnica de Lisboa e, depois de 1911, na Faculdade de Ciências que lhe sucedeu, e assistente desta cadeira no Instituto Industrial de Lisboa — junta o cultivo das belas artes e o gosto delicado das coisas belas.

O tríptico glorioso destes figueirenses, em cuja obra a morte não teve alcance, como disse o Poeta, tem desde hoje o seu lar consagrador na própria terra em que nasceram, e do coração faço votos por que esse lar jamais se apague, e ilumine e desperte e aqueça novas vocações e novas glórias para honra de Portugal!


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