Miscelânea. O tricentenário de Francisco Suárez e o Congresso Internacional de Granada

Comemorando o tricentenário da morte de Francisco Suárez celebraram-se em Granada, nos fins de Setembro de 1917, solenes festividades, sob a alta proteção do Pontífice e de D.S Afonso XIII, respetivamente representados pelo Núncio Apostólico em Madrid, Mgr. Ragonesi e Ministro de Instrução Pública, Sr. Andrade.

Das três cidades que historicamente poderiam relembrar este acontecimento — Coimbra, em cuja Universidade o Doctor Eximivs regeu a cadeira de Prima da Faculdade de Teologia (8.V.1597-23.VIL1615), Lisboa, onde, na comunidade de S. Roque, expirou, (25.IX.1617) e Granada, onde nasceu (5.1.1548), foi esta última que tomou a iniciativa; e a quem, na verdade, competia, pois Portugal tinha já cumprido a sua dívida de gratidão comemorando em 8 de Maio de 1897, com a obra monumental do Doutor António Garcia Ribeiro de Vasconcelos — Francisco Suárez (Doctor Eximivs), o tricentenário da sua incorporação no corpo docente desta Universidade. É à «Junta Organizadora dei Centenario del eximio Doctor P. Francisco Suárez S. I.», constituída pelos Srs. Joaquim M. de Los Reyes, Eloy Senán, Ildefonso Izquierdo, sob a presidência do Sr. Luis L. Dóriga Meseguer, que se devem todas as homenagens prestadas ao ilustre Granatense. Aspirava a Junta, como consta do programa que em fins de Novembro de 1916 distribuiu, realizar as festas cívico-religiosas mais adequadas, promover conferências e organizar um Congresso Internacional em que a vida e obra do homenageado fosse estudada nestas secções: Psicologia de Suárez: S. ascético, filósofo, jurisconsulto, sociólogo, apologista, mestre de direito internacional e pedagogo.

Acolhida esta aspiração benevolamente pelo Pontífice, aprovada calorosamente pelo arcebispo de Granada, a Junta em breve via secundados os seus esforços pela propaganda de algumas revistas, como a Razón y Fé e, indiretamente, pela Universidade de Granada, que promoveu em 25 de Abril de 1917 uma sessão solene, na qual o Prof. Torres Campos dissertou sobre «Francisco Suárez y el Derecho Cristiano de la Guerra». Um congresso em Granada, afora a causa da sua celebração, pelo prestígio lendário da cidade e pelo seu incomparável recheio artístico, atrairia em outro momento que não fosse o atual numerosos congressistas; mas apesar de todas as vicissitudes e dificuldades da hora presente concorreram ao apelo da Junta algumas missões estrangeiras. A representação portuguesa era constituída por uma missão desta Universidade, formada pelos Doutores António Garcia Ribeiro de Vasconcelos , Diretor da Faculdade de Letras, Eugénio de Castro, desta Faculdade, José Alberto dos Reis, Diretor da Faculdade de Direito e Manuel Paulo Merêa, da mesma Faculdade, e, como agregado, o assist. prov. daquela Faculdade Joaquim de Carvalho, e, do episcopado, pelos Srs. Bispo de Portalegre, António de Meneses e Correia Pinto, respetivamente representantes dos Srs. Arcebispo de Braga e Bispo da Guarda. A França enviou uma brilhante missão: Mgr. Baudrillart, da Academia, reitor do Instituto Católico de Paris, R. de Scorraille, o erudito biógrafo de Suárez, cuja obra fortemente contribuiu para esta comemoração, Ernest-Marie Rivière, bibliógrafo da Companhia de Jesus, continuador de Backer e Sommervogel e Paul Dudon, diretor dos Études e professor daquele Instituto.

Da Inglaterra vieram Mgr. Butt, bispo de Cambisopolis, auxiliar do Cardeal-Arcebispo de Westminster, e Mgr. Bidwell, chanceler deste arcebispado, acompanhando-os os Srs. Hussey Walsh, Duque de La Mothe-Houdancourt, Jerome e Davenhill, e, ostentando a representação da Real Academia Hispano-Americana de Ciências y Artes, o jovem sacerdote Luis R. DaviD.s

Como era natural a representação espanhola foi mais numerosa. Além dos bispos de Jaén e Málaga, dos professores de Deusto e Comillas, a quem adiante nos referiremos, de bastantes membros do noviciado da Cartuxa (Granada), fizeram-se representar a Universidad Central e Real Academia de la Historia pelo notável prof. Bonilla y San Martín, a Universidad de Valladolid, pelo prof. Eloy Senán, Decano da Faculdade de Filosofia e Letras de Granada, a de Saragoça pelo Prof. Gómez Izquierdo, daquela Faculdade, a de Sevilha, pelo seu Prof. Campos y Pulido e o Instituto de Cartagena, pelo seu membro Estéban y Ramírez, afora numerosas adesões que não cabem nos estreitos limites desta notícia. Começaram as festas no dia 24, à noite, com uma aparatosa receção aos congressistas e missões estrangeiras, no «Ayuntamiento», sob a presidência do representante do Pontífice e do Rei, que recebiam as homenagens, finda a qual quase todos se dirigiram para a «calle de Santa Escolástica», a fim de visitar a casa dos «Suárez de Toledo», berço do famoso Teólogo, correspondendo ao amável convite do seu atual proprietário, Campos de Los Reyes. Era, porém, no dia seguinte, que tinham lugar as maiores festividades. De manhã, na Catedral, o Núncio celebra missa de pontifical, e ao Evangelho, o rev. Reyes Garcia, um dos primeiros suaristas espanhóis, fazendo o panegírico de Suárez, salienta a sua originalidade, focando as doutrinas mais notáveis da vasta obra do polígrafo. As suas palavras perdiam-se na vastidão do templo; mas como um eco, esbatidas, uma ou outra passagem se percebia, como quando ressaltou a dívida que Portugal contraiu com os granatenses, herdando o cérebro de Suárez e o coração de Frei Luís de Granada. Findo o ato religioso com a bênção papal, organiza-se um cortejo cívico, em que se incorporaram as autoridades civis, militares, eclesiásticas, missões estrangeiras, professores da Universidade, etc., a fim de descerrar uma lápide encomiástica do Exímio, no palácio da Cúria eclesiástica, sede da antiga Universidade, onde Suárez, uma vez, de visita a sua família, proferira uma lição (1570).

O alcaide, Sr. Sola Segura, lê uma alocução e, ao som da Marcha Real, proferindo as palavras protocolares, o Ministro, representante do Rei, descerra-a. À tarde, no Palácio de Carlos V, na Alhambra, inaugura-se solenemente o Congresso. Assumem a presidência o Núncio e o Ministro; em bancadas especiais, sentam-se os convidados, e por todo o vasto pátio, duplamente memorável na história e na arte, apinha-se a multidão. O Secretário da Junta, Mata Ávila, lê uma memória historiando a organização do Congresso, cuja ideia atribui a D.S Luiz L. Dóriga Meseguer, terminando com uma saudação aos congressistas. Fala em seguida o eminente professor da Universidade Central D.S Adolfo Bonilla y San Martín. Um mui inúrio permanente de vozes mal contidas, lugares disputados, abafava por completo as palavras do orador; e do seu discurso, que, como todos os trabalhos do insigne professor, deveria ser notabilíssimo, nada se conseguiu ouvir. Por fim, fala o Ministro de Instrução Pública. De constituição forte, voz sonora, impõe-se à rumorosa multidão; mas, apesar de tudo, a primeira impressão é ainda a dum comício. No seu discurso, de patriótico fim, acentuou a urgente necessidade cultural de dissolver a lenda negra da incapacidade e pobreza intelectual da Espanha, e, recordando a obra de Menendez y Pelayo, Bonilla y San Martín, etc., antevia a certeza duma lenda branca, em que a Espanha fosse vista como merece e deve ser, insistindo sempre, como ideia diretriz do seu pensamento, na necessidade de respeitar inteligentemente o passado.

Estava inaugurado o Congresso. Nos dias seguintes, de 26 a 29, reunia-se em sessões privadas, no «paraninfo» da Universidade, sob a presidência do Núncio, ouvindo comunicações, discutindo teses, aprovando conclusões, formulando aspirações. Pela concorrência à sessão inaugural, parecia que a assistência deveria ser grande. Mas não. Não vem para o caso referir a vária fortuna com que alguns institutos religiosos e culturais da Espanha e estrangeiro acolheram o programa das homenagens, nem as discussões suscitadas em certas revistas sobre as relações de Suárez com o tomismo, relembrando, se é que não agravaram, velhos problemas; mas não deve deixar de dizer-se com o congressista Paul Dudon S. I. que, se o Congresso não foi «torpedeado», ficou muito «mutilado», e a tal ponto que se não comparecessem as missões estrangeiras teria «quase o ar duma simples reunião de jesuítas». Respirava-se na velha sala nobre da Universidade uma atmosfera de devotado respeito: quem lá fora quisera apenas testemunhar admiração pelo homem, a adesão a uma doutrina, ou cumprir um dever de representação.


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