Capítulo II - A obra de Leão Hebreu

12. A obra de Leão Hebreu, ao contrário da de seu pai, é pequena: o De cceli harmonia, uns Versos Hebraicos e os Dialoghi di Amore. Do primeiro nada se sabe. Perdido definitivamente, como parece mais provável, salvou-lhe apenas o título a lacónica notícia, já transcrita, de Amato Lusitano, que em Salónica, em casa dum sobrinho de Juda Abravanel, tivera presente um exemplar.              

Os Versos Hebraicos, (Carmina in laudem sui parentis, como os caracteriza Barbosa Machado) publicados pela primeira vez em 1505, são ricos de notícias autobiográficas, embora escassos de valor doutrinal.     

Limitada aquela obra, e durante pouco tempo, ao pequenino círculo da família do autor, e esta aos raríssimos que alcançaram ver uma edição, foram os Diálogos de Amor que celebrizaram Leão Hebreu, integrando-o no platonismo tão característico da Renascença e dando-lhe um lugar de realce na evolução da literatura amorosa e dialogada.  

13. Como o próprio título indica, a exposição é feita sob a forma de diálogo entre dois interlocutores, Filon e Sofia, simbolizando respetivamente o amor e a sabedoria, ou melhor, o desejo de saber.    

Sofia é amada não apenas espiritualmente por Filon, e pela ascendência que conquista faz prolongar durante três dias as palestras em que Filon a esclarece sobre o tema fundamental, o amor, em torno do qual as necessidades do diálogo ou a curiosidade de Sofia enxertam vários problemas Daí os três diálogos em que o livro está dividido e nos quais trata sucessivamente da (I) natureza do amor, da sua (II) universalidade e (III) origem.

Avolumando todos os defeitos do diálogo platónico, a dialética é minuciosa, as repetições e interrupções frequentes; e pela «confabulazione» de toda a obra a primeira impressão é a dum idílio, em que, como já notou Graêtz, domina mais a fantasia que o pensamento. No fundo, porém, atentando, apercebe-se um todo orgânico e uma atitude filosófica definida.

Estrangeiro, como era, o seu italiano  não é castiço; mas apesar da pobreza da língua e da rigidez do estilo, os Diálogos impuseram-se e por mais dum conceito influíram na vasta e curiosíssima literatura amorosa dos séculos XVI e XVII.

Redigidos muito provavelmente desde 1502, conservaram-se inéditos até que, em 1535, Mariano Lenzi os editou postumamente, salvando-os sem dúvida do mesmo destino a que o tempo votou o De caeli harmonia: o esquecimento e a perda. Raros conhecem hoje os Diálogos de Amor, tão distanciados estão da nossa cultura, pelo gosto e assunto; mas na sua época poucas obras tiveram uma tão grande fortuna, sucedendo-se as edições e traduções num crescente acolhimento. Senão veja o leitor na lista seguinte, forrageada nos bibliógrafos, biógrafos e monografistas adrede citados; mas antes, respeitando a cronologia, indicaremos os Versos hebraicos.

1) VERSOS HEBRAICOS

(n/a) (Xir) Panegírico paterno, em verso.

Publicado como introdução às obras de seu pai, Isac Abravanel:

a) Nachálath Aboth (Herança paterna), comentário ao Pirké aboth (Sentenças dos pais) e dedicada ao filho Samuel. Em Constantinopla, 1505; ib., 1519; Veneza, 1545; ib., 1567; Lublin, 1604;

e

b) Séfer Rox Amanah (Fundamento da fé). Constantinopla, 1505; ib., 1519; Veneza, 1545; Cremona, 1557. Tradução latina, de Vorst, Amesterdão, 1638.

Barbosa Machado, Bib. Lusit. II, 920, afirma que se contém também no paterno Zévach Pésach (Sacrifício Pascal), Constantinopla, 1496, o que nenhum bibliógrafo confirma.

Cf. Fürst, Biblioteca Judaica, Leipzig, 1863, I, p. 14 e II, p. 231.

2) DIALOGHI D'AMORE

A) EDIÇÕES ITALIANAS

1) Dialogi d'Amore di maestro Leone medico Hebreo. Stampata in Roma per Antonio Blado d'Assola, Del M.D.XXXV.

Os três diálogos têm numeração separada. Raríssima esta edição, sabemos apenas da existência de 2 exemplares: um na Bib. Nac. Italiana, outro na posse de Benedetto Croce.

Cf. G. Gentile (recensão ao livro de Solmi, cit.), in Critica, vol. II (1904), p. 315.

2) Dialogi di amore, composti per Leone Medico, di Natione Hebreo, et dipoi fatto Christiano. Aldus (com a âncora aldina) M.D.XLI. 1 fol., sem folhear, e 261 duplas. No fim diz: In Vinegia, nell anno M.D.XXXXI. In casa de Figliuoli di Aldo. Não tem outros preliminares além duma dedicatória de Mariano Lenzi «alia valorosa Madonna Aurelia Petrucci», sem nenhuma notícia biográfica do autor.

Menéndez y Pelayo, ob. cit., III, p. 14, nota.

3) Dialoghi di amore composti per Leone medico di natione Hebreo, et di poi fatto christiano. Veneza, 1545.

Solmi, ob. cit., p. 2, nota 2.

4) Dialoghi d'amore di Leone Hebreo Medico. Di nuovo corretti é ristampati. Venecia, presso Giorgio de' Cavalli. 1565.

Apud. Menéndez y Pelayo, ob. cit., III, p. 14, nota.

5) Dialoghi di amore di Leone Hebreo, medico, di nuovo corretti et ristampati in Venezia, appresso Nicoló Bevilaqua. M.D.LXXII. In 8°, de 246 fls.

S. M(unk), art. sobre Leão Hebreu, in Dict. des Sc. philosophiques, de Franck.

São estas as edições que vimos descritas; porém, os bibliógrafos e escritores que se ocuparam de Leão Hebreu citam as seguintes: 1549, 1552, 1558, 1562, 1573, 1586, 1587 e 1607.

O editor da colecão Scrittori d'Italia (Bari. Gius. Laterza) anuncia uma reimpressão da edição prínceps.

B) TRADUÇÕES

a) Espanholas:

1) Los Dialogos de Amor de Mestre León Abarbanel medico y filosofo excelente. De Nuevo Traduzidos en lengua castellana, y deregidos á la Magestad del Rey Filippo. Con privilegio della illustrissima Señoria. — En Venetia, con licenza dei Superiori. M.DLXVIII. — In 4º, 2 fls. prels. e 127 de texto.

O tradutor foi Guedelha Yahia (judeu português), como se depreende da dedicatória: «Al muy alto y muy poderoso Sennor Don Phelippe, por la gracia de Dios, Rey d'España, Catholico Defensor de la feé, Guedella Yahia, salud y perpetua felicidad».

Cf. Salvá, Biblioteca, II, 155; Gallardo, Ensayo de una Biblioteca Española, I, p. 1; Álvaro Neves, Bibliografia Luso--Judaica (Coimbra, 1913), p. 25.

2) Philographia Universal de todo el mundo, de los Dialogos de Léon Hebreo. Traduzida de Italiano en Español, corregida y añadida, por Micer Carlos Montesa, Ciudadano de la insigne ciudad de Çaragoça. Es obra utilissima y muy prouechosa, assi para seculares como Religiosos. Visto e examinado por órden de los Seriores del Consejo Real. Con licencia y privilegio. En Çaragoça à costa de Angelo Tavanno, Ano MDIV [sic].

In-4°, 30 fls. prels, contendo aprovação de Fr. Jerónimo de Guadalupe; Privilégio de Filipe II; Licença; Taxa; Erratas; Epístola dedicatória; Prólogo e uma platonizante «Apologia en Alabança del amor».     

263 p. (duplas) de texto e 1 final, que diz: «Acabóse de imprimir esta presente Philographia Universal de todo el mundo, de los Dialogos de Léon Hebreo, traduzidos de Italiano en Español, y corregidos y añadidos por el excellente letrado Micer Carlos Montesa, ciudadano Çaragoçano. En casa de Lorenço y Diego de Robles, hermanos, impressores en Çaragoça, el año de la corrección, á 22 dias del mes de Deziembre, dia del Solsticio Hyemal de 1582».    

No Prólogo, segundo Menéndez y Pelayo, contêm-se estas notícias, para as quais justamente chama a atenção:        

«La otra ocasión que me ha podido mover, dejando aparte la sutileza de la obra, ha sido considerar que mi padre, el señor Hernando de Montesa, estando en compañia del Illustrissimo D. Diego de Mendoça, en la embaxada de Roma, en tiempo de nuestro sancto Padre Julio tercero, quiso hacer esta traduccion de lengua Latina en Espariola, en que fué escrita originalmente del autor, con tan elegante estilo que dió ocasión á que qualquier nazión deseasse traduzilla en su proprio vulgar para participar de la amorosa philosophia que el libro contenia, porque fué en el tiempo que salió á luz de manos del autor la materia mas celebrada que en aquellos tiempos en Roma se vió ni oyó, por el buen crédito que el autor tenia. El autor fué medico y muy docto en todas facultades, á quien los Pontifices que alcançó, siempre hicieron mucha merced porque residiese en Roma, y pudiessen gozar de su buena doctrina y dulce conversación».    

Da edição escreve Salvá:            

«Sendo o Privilégio e a Licença de 1584 e a taxa de 85, deve supor-se que não haverá exemplares que tragam no frontispício uma data mais antiga que a de 84; por isso ao citar Latasa uma impressão de 82, faz supor que estaria falto de frontispício o exemplar que teve presente e unicamente se guiou pela folha final. — Possuí um com o ano de 1593 na portada, apesar de ser desta mesma edição e ter-se conservado nele a data de 82, que traz no fim. Como neste colofón e no frontispício se declara que o intérprete era Micer Carlos Montesa, fez mal Nic. Antonio em dizer na Bib. Nova, t. II, p. 339: "Anonymus, convertit in vulgarem linguam: Dialogos de amor. Caesaraugustae, 1593"».  

Ci. Salvá, ob. cit., II, p. 156; Menéndez y Pelayo, ob. cit., t. III, pp. 16-17, nota.       

3) La traduzion del Indio de los tres Diálogos de Amor de León Hebreo, hecha de Italiano en Español por Garcilaso Inga de la Vega, natural de la gran Ciudad del Cuzco, cabeça de los Reynos y Provincias del Piru. Dirigidos A La Sacra Católica Real Magestad del Rey don Felipe nuestro Señor. En Madrid, En casa de Pedro Madrigal. MDXC.

In-4°, de 11 fls. prels, 313 (duplas) de texto, 61 p. de tábua e 2 de erratas.

Preliminares: Taxa — Aprovação de D. Fernando Xuárez — Privilégio do Rey — Carta do tradutor a D. Maximiliano de Áustria, Abade Maior de Alcalá la Real, do Conselho do Rei — Resposta de D. Maximiliano — Dedicatória a Filipe II (com notícias autobiográficas) — Nova carta a D. Maximiliano de Áustria — Outra ao Rei.

Esta tradução foi posta pouco depois no Índice. (Índex Libroruin prohibitorum, Madrid, 1667, p. 758, col. 2) Sem dúvida, como diz Menéndez y Pelayo, ob. cit., p. 18, nota: «por algunos rasgos de cabalismos y teosofia, que Montesa atenuó ó suprimió». Existe um exemplar na Bib. da Universidade de Coimbra.

4) Ms. Joannes Costa, Los Dialogos de Amor de León Hebreo.

Apud. Nic. António, Bib. Nova, I, p. 680.

5) Ms. Sem frontispício, existente na Bib. Municipal do Porto, não citado por nenhum bibliógrafo, mas descrito em Allen, Catálogo da Bib. Púb. Mun. do Porto. (índice preparatório do catálogo dos manuscritos), fasc. 6 (Porto, 1893), p. 60. As primeiras palavras, após 4 págs. em branco, são:

Dialogo Primero de Amor.

Eobn Kobrob. [sic]

Philon y Sophia interlocutores.

e as últimas:

«que yo si pudiere hallar tiempo, no faltaré de pagarte aquello a que mi promessa y servitud para contigo Amorosa me obligan. Vale.

Finis.

Laus Deo.

Affonso de la Camara.

Enel Dialogo deel origen y Genealogia del Amor. Argumento. Ya que en lá primera disputa de la essencia del Amor y de la naturaleza y en la segunda de su comunidade».

O tradutor, muito provavelmente o signatário, conservou íntegros os dois primeiros diálogos, mas dividiu o terceiro, o maior e mais complexo, em quatro. Allen diz ser letra do século XVII.

b) Francesas:

1) Philosophie d'amour de M. Leon Hébreu, traduicte d'italien en françois, par le Seigneur du Parc [Denys Sauvage] Champenois. Lyon, 1559. In-12°.             

Cf. Menéndez y Pelayo, ob. cit., III, p. 18, nota.              

2) Dialogues d'amour Lyon, 1595, in-8°. Tradução de Pontoise de Tiard.

Cf. Fürst, Bib. Judaica, Leipzig, 1863, II p. 231.   

c) Latina:

1) Leonis Hebraei, Doctissimi atque sapientissimi viri De amore dialogi tres, nuper a Joanne Carolo Saraceno, purissima conditissimaque Latinitate donati Necnon ab eodem et singulis Dialogis argumenta sua praemissa, et marginales Annotationes suis quibusque locis inserta, Alphabetico et locupletissimo Indice his tandem adjuncto, fuerunt, Venetiis, apud Franciscum Senensem, M.D.L.XIIII.           

Menéndez y Pelayo completa a descrição acrescentando: «8°, 59 fls. prels, 422 de texto. O tradutor dedica a sua obra ao Cardeal Granvela, e encabeça-a com um copiosíssimo índice, no modo dos que costumam ter os livros escolásticos. A latinidade de Sarasin é tersa e agradável. Traduziu este livro, porque em seu entender abarcava "quase toda a filosofia platónica e aristotélica juntamente com o mais recôndito dos livros sagrados". Pelo índice, pelos argumentos e pelas notas, é esta a melhor edição dos Diálogos e a que põe mais manifesto o seu elo dialético». 

Foi reimpressa, como afirma o mesmo autor e outros, na coleção de João Pistorius, intitulada:              

2) Artis cabalisticae, hoc est, reconditae theologia et philosophiae scriptorum, tomus 1 (e único). Basileia, 1587.           

Cf. Menéndez y Pelayo, ob. e vol. cit., pp. 14-15, nota.

d) Hebraica:      

Em Leide, 1771. Esta tradução é acompanhada da edição dos Versos Hebraicos.            

Apud Solmi, ob. cit., p. 33, nota 2.          

e) Alemã:

Des Leone Hebreo (Jehuda Abarbanel) Dialogue über die Liebe.

Aus dem Italienischen übertragen von J. Schwerin — Abarbanell. Berlim, 1888 (16 p).

É tão-somente a tradução da passagem do III Diálogo sobre a origem do amor.

A inclusão no Index da tradução espanhola de 1590 e o sabor acentuado da época foram causa do esquecimento em que caiu esta obra. Relembrada apenas secamente pelos bibliógrafos dos séculos XVII e XVIII, entre os quais avulta o nosso Ribeiro dos Santos, ninguém atentou durante estes séculos nas doutrinas e cortigiania dos Diálogos até à descoberta de Schiller, que, possuidor duma tradução latina (edição Pistorius), assim informava Goethe: «Entre alguns livros cabalísticos e astrológicos que possuo na minha biblioteca achei também uns certos Diálogos de Amor, traduzidos em latim, que não só me deram prazer, como me fizeram avançar os conhecimentos astrológicos. A mistura de coisas alquimistas com astrológicas e astronómicas é levada a uma verdadeira significação poética. Algumas maravilhosas comparações dos planetas com membros humanos mereceriam ser transcritas». O voto de Schiller, que saibamos, não se realizou; mas o fervor spinozista que a Europa culta sentiu depois que Jacobi revelou o grande isolado de Haia, cuja obra vivia soterrada sob a mais criminosa das injustiças e o pensamento denegrido pelo fanatismo mais obscurantista, fez relembrar, ainda receosamente, o místico Amor intelectualis Dei e o incerto panteísmo dos Diálogos. Depois, Munk, em França, Menéndez y Pelayo e modernamente Bonilla y San Martin, em Espanha, Zimmels, na Áustria, na Alemanha, Delitzsch e Ueberweg —, cuja deficiência por certo alguns compatriotas terão já massoreticamente desbravado —, Rosi, Solmi e Croce, na Itália (para não citar senão os mais dignos), ressuscitaram-nos, integrando definitivamente Leão Hebreu na História da Filosofia.


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