Os meus «Elementos de História de Portugal» e a crítica, por Alfredo Pimenta

16-XI-934

Querido amigo:

... Posto isto, vamos conversar um pouco acerca da sua História: pedagogicamente, tecnicamente, cientificamente.

Pedagogicamente, as matérias estão bem repartidas; em todo o caso, lançarão confusão no espírito dos alunos os Henrique II e Pedro V, sem saberem quem foi Henrique I e Pedro IV.

Tecnicamente, a grande inovação é a inserção dos passos das fontes. Coisa utilíssima que creio nunca ter sido praticada entre nós, e que urge transportar para a história literária.

Cientificamente, discutível.

Em primeiro lugar, o meu amigo fez acima de tudo história política. Deixou na sombra a história social, e as instituições. A este propósito, creio ser necessário conjugar o seu plano com o que Merêa e D.S Peres seguiram no seu livro escolar. Uma nação é um quadro de interesses, ideias e sentimentos; o fecho da abóbada, o regime, o governante, etc. é relativamente secundário na formação do sentimento da comunidade, e o espírito de continuidade, mais profundo do que à primeira vista parece, apreende-se melhor mediante a história social e das instituições. Demais, e em segundo lugar, assim como inovou tecnicamente — e oxalá o exemplo continue e frutifique, poderia também inovar, fazendo do Zeitgeist — do espírito do tempo ou do século, o centro donde irradiavam a política, os interesses, os sentimentos, que definem, periodicamente, a nossa comunidade. Ligou-se muito às dinastias; cumpria ter presente o ethos e o pathos de cada época. Em terceiro lugar, e isto é que é mais grave, sobretudo na Contra-Reforma e no Liberalismo, o meu amigo faz dizer, de alto, em voz grossa, à História, o que se segreda baixíssimo em política de hoje, — e isto, talvez o defeito inerente ao trabalho histórico, faz do seu livro uma apologia e um manifesto, sobretudo no século XIX.       

Não o aplaudo, nem o sigo nestes juízos, e até me parece que, civicamente, é um canhão de 42, aumentando muito a nossa confusão civil. O século XIX, a era da burguesia, que com todos os seus defeitos, trouxe ao País os benefícios do bem-estar material, e deu-lhe uma forma de inteligência, que eu considero um dos títulos da nossa Glória, tratado assim, é pelo menos injusto, e cientificamente obra de paixão. O seu livro está, por isso, destinado a ser um livro combatido e combativo; eu lamento isto, mas que ao menos do barulho fique a coisa positiva e excelente que ele tem: a clareza, a ordenação, a associação do juízo de hoje à fonte de sempre.  

Aqui tem o meu juízo — a um tempo de pai, cujos filhos estudam em escolas oficiais, e de membro da República das Letras.                                                        

                                                                                                                             Grata e afetuosamente


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Vamos corrigir esse problema