Carta ao Dr. J. Lopes Dias

Exmo. Senhor Doutor J. Lopes Dias:

Que o Natal seja alegre em sua casa e o Novo Ano lhe derrame prosperidades!            

Recebi ontem o seu livro — «Aspirações de Idanha-a-Nova» o qual à noite li à beira do fogão.               

O assunto prende-me há muito a tal ponto que este Verão num dia tórrido fui de propósito à Idanha para fazer uma ideia da realidade dessas Campinas. Percorri depois várias aldeias cumprindo um dever de amizade que me levara a Oledo, e desse contato vertiginoso colhi uma dolorosa impressão.          

A desolação do viver de terras como Medelim, Proença-a-Velha e Monsanto, é confrangedora e tudo quanto se faça para corrigir uma natureza hostil tem o carácter das coisas santas. Eu creio que a política do nosso século deve ter por alvo a aldeia. Depois da política do transporte que serviu e fomentou a cidade e foi o tema da política do século passado e da do nosso século até há pouco, cumpre-nos a nós operar o grande desvio de rumo, fazendo com que os interesses vitais da Nação derivem do campo, e o camponês seja, como é em França, e nas democracias estabilizadas quem dê o tom à política. Que a capital e a urbe consagrem, mas que a força brote da aldeia! É uma política de redenção a que me seduz e essa política, individualista e conservadora dos interesses pessoais e familiares, é a meu ver a que melhor quadra à estrutura da nossa Constituição social e pode conter as turbas, mais ou menos indisciplinadas da cidade.    

Fontes e a sua política deram-nos a estrada e o caminho-de-ferro; pois bem precisamos de quem seja capaz de levar o País ao convencimento de que a sua riqueza verdadeira e a sua força e estabilidade residem na independência e no amor ao agro do camponês. Isto é revolucionário, sem dúvida, mas se não fizermos quanto antes a grande revolução do desvio da nossa política marcharemos para a proletarização geral, e com ela estes horrores da Alemanha ou da Rússia, que são políticas explicáveis apenas pela miséria geral. Quando Marx ataca a pequena Hungria tem razão — porque ataca o maior inimigo do coletivista. Já vê como o seu apostolado tem em mim fervoroso adepto e o louvo como correligionário da grande política nacional.             

Quando penso nestas coisas, eu que sou pai de dez filhos e sinto no sangue a seiva de geração dos que cavaram e viveram da terra invade-me às vezes a amargura, porque não posso clamar como desejaria o que julgo um dever. Preso a princípios morais e políticos, não compreendo vida pública digna sem um parlamento, e seria para mim a maior honra da minha vida aquela em que um dia, por eleição livre, eu pudesse no Parlamento traduzir, em palavras e atos, a voz obreira dos camponeses que me geraram.

Deixemos isto, porque o quero louvar sinceramente pela sua cruzada — a mais benéfica para Portugal e a mais útil e humanitária para a sua região — talvez a região de Portugal cujos sentimentos de revolta nos façam ver a todos, sangrentamente, a dolorosa miséria dos nossos campos.          

Grata e afetuosamente

JOAQUIM DE CARVALHO


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Vamos corrigir esse problema