Um Túmulo Renascença. A Sepultura de D.S Luís da Silveira em Góis, por Vergílio Correia

Não voltou ao mosteiro de Santa Cruz e, na opinião do Patriarca, que a não abona com documentos, teria morrido em 1528.

Dos documentos que têm chegado ao meu conhecimento sobre a família de Boytac vem-me a suspeita de que não fora o mestre do convento de Jesus o tronco dos Boytacas portugueses e que a origem da casa e da família da Batalha fosse outro Boitac mais antigo de que não tenho todavia até hoje encontrado notícia segura. Não me admiraria também se o Boitac do século XVI, que se julgou muito tempo italiano, que o Sr. Sousa Viterbo suspeita fosse francês, no que estaria de acordo com Fr. Jacinto de S. Miguel, tenha uma origem inglesa.

Do tempo de D.S Pedro Gavião, não há notícia de mestre-de-obras no mosteiro de Santa Cruz; parece que o bispo da Guarda dirigia todos os trabalhos de construção mandando-os assinalar com o seu Brazão: De azul, cinco gaviões cosidas de sua cor, armados e membrados de oiro. E, de prata, aberto, guarnecido de oiro. P. e V de azul e prata.

Gregório Lourenço, era então vedor das obras do mosteiro e delas dava circunstanciada relação a D.S Manuel e a D.S João III. Dessa correspondência conservaram-se apenas duas cartas de Gregório Lourenço; uma para D.S Manuel (22 de Julho de 1518) e outra para D.S João III (19 de Março de 1522), muito conhecidas, mas imperfeitamente comentadas, apesar dos sérios trabalhos de Sousa Viterbo.

O bispo D.S Pedro Gavião morreu em 13 de Agosto de 1516.

Em 11 de Março de 1517 era Marcos Pires nomeado por D.S Manuel mestre das obras que se fazem e daquy em diante na dita çidade ouuerè fazer asy e polia guisa que ho elle deue ser e como sam os outros mestres das nosas obras do Regno.

Segundo os termos da carta real, Marcos Pires era pedreiro, morador em a nosa cidade de Coimbra, bõo oficiall do dito oficio.

Marcos Pires apesar de morar em 1516 em Coimbra, não era desta cidade. Tem originado a confusão a semelhança de nomes com Diogo Pires o velho e Diogo Pires, o moço, que trabalharam em Coimbra desde o tempo de D.S Afonso V, D.S João II, D.S Manuel e D.S João III e cuja naturalidade julgo todavia incerta.

Marcos Pires era da Batalha, filho de Leonor Afonso que aí residia ainda quando o filho morreu e de Pedro Anes Campelo.

Leonor Afonso era irmã de Jorge Afonso, e por isso, Marcos Pires sobrinho do grande pintor e valido de el-rei D.S Manuel, como os pintores Cristóvão de Figueiredo e Garcia Fernandes e o era também Pere-Anes, mestre de todas as obras reais de carpintaria exceto as da Ribeira. Essa a origem do favor real.

E devia então haver sobre isso menos dúvidas do que as que hoje se podem levantar...

Quando João de Ruão se quis estabelecer em Coimbra, casou com Isabel Pires, filha de Pere-Anes, irmã de Marcos Pires e portanto sobrinha de Jorge Afonso.

E não herdou o lugar de Marcos Pires porque este só morreu em 1524 e deixou as contas da obra embaraçadas.

Todas as obras que os documentos autorizam a atribuir a Marcos Pires, são góticas, de transição é certo, mas pronunciadamente góticas, com bem pouca influência da arte do Renascimento.

A Marcos Pires sucedeu Diogo de Castilho, primeiro, no cargo de mestre das obras dos paços reais de Coimbra (7 de Abril de 1524), mais tarde no de mestre das obras de pedraria e alvenaria do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra (5 de Maio de 1531).

É certo porém que a 8 de Janeiro de 1530 num contrato com o mosteiro de Santa Cruz (o aforamento do paul de Ancião), Diogo de Castilho é qualificado de mestre das obras do dito mosteiro, e os cónegos apresentam, como motivo da mercê, Diogo de Castilho s sujdor do dito moest e ter pose p. a muy bem aproueytar o dito paull.

E noutro documento posterior (4 de Março de 1530) do mesmo ano, também feito no mosteiro de Santa Cruz e assinado pelo reformador Fr. Brás de Braga, pelo prior D.S Dionísio e por outros cónegos regrantes, é ainda Diogo de Castilho chamado mestre das obras de pedraria do dito moest.

E o mesmo se lê no documento em que o mosteiro lhe aforava o chão, à ermida de S. Nicolau, para aí fazer as casas para sua morada (4 de Abril de 1530).

Donde se conclui que antes da data da nomeação régia conhecida, já Diogo de Castilho era de facto mestre das obras de pedraria do mosteiro de Santa Cruz. Não tinha porém carta régia da nomeação, porque de outra forma se teria feito a ela referência no documento em que lhe foi renovada a nomeação por D.S João III em 11 de Agosto de 1542.

Em 1528 (5 e 10 de Março), assinava-se o contrato pelo qual Diogo de Castilho se obrigava a fazer obras importantes no mosteiro. Nesse documento é porém designado apenas por mestre das obras delRey noso sõr dos paços da cidade de Coimbra.

A sua direção suprema nas obras de pedraria do mosteiro é por isso posterior a 1528 (10 de Março) e anterior a 8 de Janeiro de 1530.

Diogo de Castilho propusera alterações nas obras que lhe haviam sido confiadas em 1528, motivo por que teve de ir a Lisboa. Uma carta de D.S João III datada de 30 de Setembro de 1530 informa de que o monarca esperava nessa data a vinda de Diogo de Castilho para resolver com ele as dúvidas propostas. Foi por isso, provavelmente em seguida a essa conferência, que o rei resolveu a sua nomeação para mestre das obras do mosteiro que o artista já exercia de facto.

Já antes de 1526 deveria Diogo de Castilho ter obras importantes sob sua direção em Coimbra e arredores. Assim se explicaria a autorização que lhe foi dada para poder andar de mula e faca por carta régia datada de Coja, a 18 de Setembro de 1526.

Essas obras seriam com toda a probabilidade as do mosteiro de S. Marcos.

Na abóbada da capela-mor do mosteiro de S. Marcos, de uma analogia de técnica flagrante com a que suporta o coro da igreja de Santa Cruz e que todos os documentos lhe atribuem, está uma prova de que o mestre biscainho trabalhava naquele mosteiro.

Não é o facto para surpreender, sabendo a parte importante que teve nas obras que nele se fizeram depois de 1520, mestre Nicolau que já nas do mosteiro de Santa Cruz vemos associado com Diogo de Castilho na empreitada do portal.

Nos documentos que o bom acaso, o mais fiel companheiro de todos os que são, como o Sr. Vergílio Correia, da vontade mais forte e do mais persistente trabalho, lhe deparou, encontrou o ilustre arqueólogo motivo para atribuir a obra do túmulo de D.S Luís da Silveira em Góis a Diogo de Torralva. Tal conclusão, a poder tirar-se fora de dúvida dos documentos, seria facto capital na história da arte Portuguesa, porque por ela se poderiam procurar e achar vestígios do artista no que há de conhecido na escultura do Renascimento em Portugal.

Raras vezes se encontra, na história da arte portuguesa documento que permita atribuir a um artista uma obra da importância da que tem o túmulo de D.S Luís da Silveira.

Infelizmente, apesar de toda a subtileza de argumentação do Sr. Vergílio Correia não me parece o caso ao abrigo de toda e qualquer dúvida.

Pelos documentos se demonstra que D.S Luís da Silveira encarregou Diogo de Castilho de lhe construir a capela-mor da igreja de Góis, em que devia levantar-se a sua sepultura, e erguer uns paços novos para sua residência. Diogo de Castilho nomeou Diogo de Torralva para contratar em seu nome e como seu procurador com D.S Luís da Silveira.

A procuração de Diogo de Castilho é datada em Coimbra, a 2 de Janeiro de 1529.

Diogo Torralva firmou o contrato com D.S Luís da Silveira em Lisboa a 10 de Abril do mesmo ano.

Em 14 de Janeiro de 1534 Diogo Torralva apresentava este contrato ao Licenciado Anes de Almeida, juiz de fora em Évora, pedindo-lhe pública forma dele porq tinha delle necesydade.

De aqui, como do texto dos documentos conclui o Sr. Vergílio Correia que Diogo de Castilho encarregara Diogo Torralva de fazer a obra e que este achando-se ainda desembolsado do seu preço em 1534 requerera a pública forma do contrato para o fazer valer em juízo e reaver o seu dinheiro.


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