Cartas de José da Cunha Brochado ao Conde de Viana, D.S José de Meneses (1705-1710)

Não são completamente inéditas e muito menos desconhecidas dos estudiosos do século XVIII, as cartas de José da Cunha Brochado dirigidas ao Conde de Viana D.S José de Meneses, do Conselho de Estado e estribeiro-mor de D.S Pedro II e D.S João V; mas com terem sido incertos alguns extratos no “Investigador Portuguez em Inglaterra”, nem por isso deixam de merecer uma publicação integral. São as cartas, quase sempre, valiosos documentos biográficos; e, na verdade, estas não se furtam àquela regra. Basta ler algumas das que inseriremos nas páginas desta Revista, para que a personalidade do sagaz diplomata que as escreveu se nos apresente com intimidade.

Para além, porém, desta circunstância, a impô-las ainda à nossa atenção, estão os numerosos factos e testemunhos que o historiador nelas colhe para o estudo da sociedade portuguesa nos princípios do século XVIII. O início do reinado de D.S João V, os factos de maior relevo na nossa política internacional de então, os próprios acontecimentos que maior repercussão tiveram na política interna, os boatos, ditos e intrigas da corte, a vida lisboeta, — tudo perpassa nesta correspondência, semanal como a posta que a transportava e quase sempre vestida duma saborosa ironia a que não falta, por vezes, o brilho literário.

A publicação é feita segundo uma cópia do século XVIII, que o Sr. Rocha Madail nos facultou, confrontada, porém, com os extratos publicados no Investigador.

JOAQUIM DE CARVALHO

Ex.ª Snr. Espero q V. Ex.ªª tenha chegado com saude, e q continue nos remedios com aq. sucesso, q eu dezejo em favor da casa de V. Ex.ªª; e do bem publico.

Tomo a liberD.sde mandar a V. Ex.ªª essas gazetas : nellas verá V. Ex.ªª o ultimo estado das coizas, ainda q a batalha de Italia foi mais gloriosa p. o Princepe Eugenio, q util p a causa comua. Aqui dizem q El Rey Cat. fizera desembarcar em Catalunha sinco mil homens, e q juntos a outros tantos Castelhanos marchavaõ p Barcelona . Se assim he entenderemos, q p. hü Rey novo entrar em Castella não he Portugal a milhor porta.

A Raynha de Inglaterra rezolveo q as suas forças maritimas invernassem neste Porto , e oiço q naõ queremos esta hospedagem temendo a carestia dos mantim.; ainda q se recompensaria com a venda dos nossos fructos: queira D.Sq aq. frota fique desta banda; por q recolhendose a Iglaterra temo q volte tarde, mal, ou nunca. Roque Montr.°, como lhe falta o exercicio do Campo do Curral, q elle perdeo como hu inocente, ocupase agora em fazer juntas de inconfidencia, e hü destes dias mandou inforcar hü moiro q se dizia observador das nossas Praças, e seria o 1º em q.- se achasse esta habiliD.se; o certo hé q elle faria mais falta na nossa Gallé, q no outro mundo.

Perdoe V. Ex.ªq eu lhe escreva novas taõ velhas; mas como V. Ex.ªª está em hua villa, aonde naõ terá dr. divertm. p. encher o tempo, naõ hé m.°, q se enfade de outra manr. lendo a varieD.s destes papeis. D.S Luiz da Cunha escreve a V. Ex.ªª a carta incluza, e dezeja ardentem.°, q as ocupaçoens de V. Ex.ª' lhe permitaõ a reposta. Os homens naõ querem inculcarme a El-Rey p. Seo Consehr.°, e D.Sem vingança me fez nesta semana Juiz do S.r da minha freg., e todo o emolum.°, q espero tirar desta Judicatura, hade ser alcançar do mesmo S.r, q conceda a V. Ex.ª' hüa sucessam m."° numeroza, e q o g.de m.s a.s Lx.a 22 de Setr.° de 1705.

II

Ex.ª""' Sfir. O certo hé q nas Caldas há tempo p.a tudo, pois V. Ex.ªo tem p.a me escrever: Logre V. Ex.ªm.a saude, q lhe naõ hade faltar ocaziam de vir gastar milhor o tempo. V. Ex.ª' verá nas gazetas tudo o q vai socedendo no mundo: nas de Holanda achará V. Ex.ª' as correçoens das de França, cujo gazeteiro quer passar mais por historiador com reflexam, q por novelista sem ella. Tambem mando a V. Ex.ª' dois Livrinhos, em q se fala em nôs com pouco decoro, e pouca instrucçam; mas este hé o vicio de huã naçam escandalizada, e dominante. O Duque de Saboya, q se acha bem apertado p.° Duque de Fivillade nas estreitezas de Turim, mandou dois expressos aos Estados, e a Inglaterra a pedir socorros promtos, e efectivos; e estas Potencias considerando a importancia da concervaçam daq.'e Princepe sacrificado pella causa, elles fizeraõ comua (ei eu tambem o entendo assim), começaõ a dispor o modo mais prompto, p." socorrello; porem naõ creyo, q o possaõ fazer com utiliD.s°, naõ só pella distancia das marchas, mas pella dificuldade das tropas, q como saõ alugadas, necessitaõ do consentim.t° dos Princepes seus proprietarios. O Princepe Eugenio faz o q pode, mas naõ pode m.°, por q ElRey dos Romanos, ainda q naõ he herdr.° das lentidoens de seo Pay, he porem sucessor das suas indigencias; hé Cesar, hé Augusto, hé Clemente, e tudo o mais, de q se compoem a ruidoza pompa de seos titulos; porem em q." ao poder hé Emper." a beneficio de inventario .

O Duque de Malborough está m.° queixozo, porq os Estados lhe naõ deraõ mayor autoriD.se no Exercito, e a Raynha p. compor esta diferença mandou passar a Holanda o Conde de Pembreuk. Os Holandezes saõ taõ economicos nas suas forças, como nas suas manteigas. Suponho q em Flandres se acabou a campanha com a preza de Leuven, q he huã Praça das

chamaõ escuras: ao menos mostraõ q ficaõ senhores da campanha. O Princepe de Bade entrou sem gr.de efuzam de sangue nas Linhas de Aguessau, q o Manchei de Villars naõ chegou a defender; mas esta ventagem não he gr:de. Em Hungria não ha esperanças de acomoda."; veremos se as negociaçoens do Conde de Sunderland novo min.° Inglez produzem alhuã coiza nos animos daq.'" vassalos mais oprimidos, q rebeldes.

A Corte de Viena está quebrada com a de Roma, de q a de França sabe aproveitarse, e nisto mostraõ os min.- aulicos, q a sua politica he intempestiva, e a sua vingança fóra de tempo, de q tudo he cauza terem as cabeças cheyas do Cezar, do Augusto, e do Clemente, como se estivessem no seculo de Augusto. Por Inglaterra soubemos a confirmaçam do desembarque de Carlos 3.°, 4 em 22 do passado poz em terra as tropas, 4 levava junto de Barcelona sem opoziçam alguã: juntaraõse sinco mil homens dos mal contentes, e o gov." da Praça, q hé o Velasco, temia tanto os movim.- dos moradores, que lhe davaõ igual ocupaçam, q as tropas strangras. Este desembarque se festejou em Elvas com tres salvas de artilharia; mas bem podera o Inglez mandar tambem a S. Mg." esta nova. O g.de Fagel teve ultimam.' licença dos Estados p." se voltar, e assim ficarã Milord Galloay mais desabafado. Sahiraõ m." Sarg."' mayores de Batalha, alguns saõ excelentes, principalm.e hfi q eu sou susp.° Oiço q ElRey n. S.' está milhor; mas a sua fraqueza hé tanta, q EIRey faz tremer. Tambem dizem q querem dar casa ao Princepe. Não hé esta rezoluçam taõ pequena, q V. Ex.ª' o naõ saiba milhor 4 todos, e naõ tenha votado nella; e assim o resp.° da materia me faz emudecer a reflexam ficando p.a servir a V. Ex.ª° com a mayor obeD.s', e reconhecim.° da minha obrig.— D.S' G.de a V. Ex.ªm. a. Lx.a 29 de Setr.° de 1705.

III

Ex.ªmo S.1 A esta hora, q chego de Loires, me daõ esta taõ honradora, como discreta carta de V. Ex.ªa, em q o sublime do estillo compete com o seguro das reflexoens. O portador quer partir logo, e apenas me dá tempo p.a a ler duas vezes havendo a admirado tantas.

Como naõ tem chegado o Paquebot naõ há noticia fresca q referir a V. Ex.ª'. Achei essa gazeta, com a relaçam dos gloriozos sucessos de Carlos 3.°, em q se louva m.° a pieD.se deste Princepe, como verdaD.s° sucessor da clemencia Austriaca, a q.- diz o gazeteiro, q he taõ obrigada Espanha: grande hé esta clemencia: naõ diziamos nôs o mesmo q.do esta mesma caza vendeo piedosam.e a vida do S.' D.S Duarte, e conspirou tantas vezes contra a Sereniss.a Caza de Bragança.


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