Manifesto do Reino de Portugal no qual se declara o direito, causas e o modo que teve para eximir-se da obediência do rei de Castela e Tomar a voz de D.S João IV. Nova edição, prefaciada por Joaquim de Carvalho

A reedição deste raro e precioso opúsculo tem por fim imediato comemorar a Revolução do Primeiro de Dezembro de 1640, que reintegrou Portugal na plenitude da soberania de nação livre e independente. A seu tempo será incorporado na coletânea de papéis relativos à restauração da independência pátria, que estamos organizando; mas dado o seu alto valor patriótico resolvemos publicá-lo separadamente, como homenagem aos que corajosamente conspiraram e lutaram pelo restabelecimento das liberdades pátrias fundamentais, expulsando o estrangeiro, restaurando o Estado e defendendo o território nacional e o património ultramarino, desfalcado pela sujeição.

Este Manifesto, como convinha, foi publicado anonimamente; mas de há muito a crítica o atribuiu a António Pais Viegas ( 1650), secretário e confidente de D.S João IV.

Foi o impressor Paulo Craesbeeck quem o lançou, dando à estampa duas edições: a que reproduzimos com a possível fidelidade, em 1641, com o escudo de armas gravado em cobre por Agostinho Soares Floriano; e uma outra, mais pobre tipograficamente, com o escudo de armas gravado em madeira, e sem data. Daquela edição pode afirmar-se que se fizeram várias tiragens, pois fechando a página final com uma tábua de errata, nesta se declara que em alguns exemplares já esses erros se achavam corrigidos, e no exemplar pertencente à Biblioteca da Universidade de Coimbra, quase todos os erros estão emendados. Estes factos levam-nos logicamente a concluir que o impressor conservou as formas, corrigindo-as à medida que os erros das tiragens anteriores iam sendo notados. Como é óbvio, este opúsculo deveria ter sido lançado ao público pouco tempo depois do glorioso acontecimento, que justifica; e, embora nos faltem elementos precisos para determinar o mês do seu aparecimento, podemos assegurar que em Julho de 1641 já era conhecido em Espanha.

De uma outra edição temos conhecimento, e que, segundo parece, passou despercebida aos nossos bibliógrafos. É a que foi incorporada na pretensa refutação da obra de Pais Viegus — Respuesta ai Manifiesto dei Reyno de Portugal, escrita por João Caramuel Lobkowitz e impressa em Antuérpia, na oficina Plantiniana de Baltasar Moreto (1642). Embora com um fim polémico e crítico, o Manifesto teve assim a consagração tipográfica dum dos mais notáveis impressores de todos os tempos; e, por certo, mais do que um europeu culto pode aplaudir o movimento português e sofrer com beatífica paciência as soporíferas conclusões silogísticas e genealógicas do operoso abade de Melrosa.

A Respuesta ai Manifiesto não deixou indiferentes os defensores da legitimidade de D.S João IV, que brilhantemente afirmaram nos meios europeus os direitos da Nação Portuguesa, secundando intelectualmente a patriótica e habilíssima política dos nossos enviados e diplomatas. Encarregou-se dessa refutação o doutor António de Sousa de Macedo, que em Londres, em 1642, dava à estampa o volume: JUAN CARAMUEL LOBKOWITZ... Convencido en su libro intitulado, Philippus prudens Caroli V Imper. filius, Lusitanice, etc. Legitimus Rex demonstratus. Impresso en el afio de 1639. Yen su respuesta ai manifiesto dei Reyno de Portugal, Impressa en este áno 1642.

O espírito público português não carecia de demonstrações jurídicas e históricas para se compenetrar da legitimidade da Revolução: bastava-lhe, como bastou, o sentimento patriótico. Por isso não surpreende que o Manifesto fosse dirigido à opinião pública estrangeira. As traduções impunham-se, portanto, e não nos repugna admitir que Paulo Craeesbeck tivesse imprimido uma versão latina. Nenhum bibliógrafo português cita esta tradução, mas mal se compreende que fosse anunciada (viD.s fl. 40 do Manifesto) e não se tivesse realizado. Com segurança, porém, chegou até nós a notícia da versão holandesa feita pelo português C. E e impressa em Amesterdão em 1641, por Paulo Matthïs, e da qual não vimos um exemplar. Com tão larga difusão, e com o dobar do tempo, o original tornou-se raro; e quando o não provassem as bibliotecas públicas e as mais ricas livrarias particulares, pois contam-se as que possuem exemplares, demonstrá-lo-ia a retroversão do texto holandês, feita em Londres, em 1825. Por esta época acharam-se exilados nesta cidade alguns vintistas, os quais publicaram um periódico — O Popular, jornal político, literário e comercial. Afirmando-se patriotas, quiseram demonstrar os seus sentimentos e justificar a Revolução de 1820 com o exemplo e lição da de 1640, publicando este Manifesto; mas não encontrando um exemplar do original promoveram uma tradução da versão holandesa, a qual foi inserta, com um apêndice não desprovido de interesse político, nos OS 7 e 8 do vol. II (Londres, 1825) daquele periódico. Como é óbvio, esta tradução difere muito do original; e por isso pode dizer-se que a presente edição é a quarta.

António Pais Viegas tem no movimento da Restauração um lugar de destaque. No debate, que momentaneamente dividiu a opinião culta sobre se a aclamação e vontade popular eram ou não fonte de direito, Pais Viegas, como Sousa de Macedo e a maioria dos jurisconsultos, considerou-as como aprovação ou declaração dum direito preexistente; e, por consequência, era pelo direito hereditário e pela legalidade que D.S João IV ocupava o trono. Lendária ou real a sua intervenção junto do duque de Bragança no sentido de aceitar a coroa, que os conjurados lhe ofereciam, compreende-se que com estas ideias, dominantes no seu tempo, concorresse para evitar a organização republicana do Estado, em que talvez se tivesse pensado. Seja como for, Pais Viegas bem merece da Nação, pela forma como atuou na reorganização política e no levantamento do espírito público, que, fosse qual fosse o regime, a Pátria exigia se fizesse com decisão e entusiasmo. O seu Manifesto, cuja publicação anónima traduz nobreza de espírito, que não receio das consequências, vale como documento dos direitos da Nação Portuguesa e como expressão dos sentimentos da época e das atrocidades de que Portugal foi vítima. Mas além deste aspeto histórico, sujeito ao exame e à crítica, nenhum português ao lê-lo terá esse frio estado de espírito com que se apreciam documentos de outra idade, e essa atitude intelectual de severo juízo de quem valoriza acontecimentos estranhos e remotos. É que nas suas páginas vibra o sentimento patriótico e a galharda coragem cívica de afirmar num momento incerto os imprescritíveis direitos da Pátria Portuguesa; e como luz que as contingências não apagam nem as vicissitudes históricas fazem vacilar, a ideia clara, robustecida pelo sentimento vivo, de que Portugal é eterno.

Coimbra. XI — 1924.

JOAQUIM DE CARVALHO

Prof. da Universidade de Coimbra.

5.5.

Este livro é a gesta e o breviário de um combatente.

Ataca e defende, semeia e devasta, constrói e desmorona, afirma e nega, e perante tão ardido batalhador, que francamente se apresenta como homem de fação, a serenidade crítica, espetacular e impessoal, é impossível.

A gesta pertence à história; as ideias, porém, tanto foram de ontem como são de hoje e serão de amanhã, e a sua presença, insensivelmente, quer queiramos, quer não, arrasta-nos a tomar posição nas fileiras adesas ou adversas. É que pela palavra e pela pena de António José de Almeida falaram e escreveram vozes multitudinárias, e tomaram alento e vigor aspirações que brotam do nosso ser coletivo, e através dos tempos, com nomes diferentes, têm resistido e resistirão a todos os acasos e a todas as adversidades.


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