Manifesto do Reino de Portugal no qual se declara o direito, causas e o modo que teve para eximir-se da obediência do rei de Castela e Tomar a voz de D.S João IV. Nova edição, prefaciada por Joaquim de Carvalho

É que António José de Almeida aspirou sobretudo ao aplauso popular e não ao louvor académico; e, se é certo que a sua eloquência é, sob certos aspetos, anacrónica, porque o gosto contemporâneo, mortal para a oratória, prefere ao arrebatamento o rigor do raciocínio, à peroração a objetividade dos factos, às imagens as palavras lapidares, os vindouros, no entanto, verão nestes discursos o fulgor de uma grande individualidade e um marco inconfundível da nossa história tribunícia.

Obra de um orador, estes discursos são ao mesmo tempo a afirmação de um carácter e um exemplo de dignidade política.

De carácter e nobreza moral, porque é preciso ter a cegueira do valor da consciência de outrem para não admirar o homem, que nas horas mais ardidas da luta, quando o risco pessoal era grande e o presídio poderia ser o remate da pugna, se inclinou perante a honradez dos adversários e sempre prestou culto à amizade, sem a balda indígena do compadrio.

«Ao Sr. Teixeira de Abreu confiaria, como há meses, tudo o que de mais alto pudesse ter em haveres e fortuna, dizia. Mas há uma coisa que eu lhe não confiava: a Liberdade. Essa, o Sr. Teixeira de Abreu a mataria com fúrias assassinas, com desesperos truculentos. Como homem, sou amigo do Sr. Teixeira de Abreu. Como político, considero-o um criminoso, e detesto-o, abomino-o irredutivelmente».

É que na linguagem política não se confundira ainda, torpemente, adversários com inimigos, nem os condutores da opinião, nem os governantes, arvoravam a bandeira da moralidade, — coisa ofensiva da dignidade de um Povo e de uma Pátria como Portugal, que para honra sua não aponta, nos dirigentes dos seus destinos através da história, criminosos ou amorais.

Aponta, sim, ideais diferentes, políticas diversas, táticas antagónicas, todas convergindo, no entanto, para o único ponto do engrandecimento de Portugal e da salvaguarda da sua independência. Por isso nos orgulhamos da unificação do nosso povo, da estabilidade das nossas fronteiras, da conservação, quase miraculosa, das nossas províncias ultramarinas, da nossa gesta de colonizadores; e, porque esta obra grandiosa é obra de todos, da seiva ancestral das aldeias, da atividade do mesteiral citadino, da opinião das profissões liberais, ofendem-nos as atitudes públicas que degradam a política — empresa coletiva — à passividade da audição de monólogos solitários.

De dignidade política, porque o que António José de Almeida afirmou na tribuna parlamentar em nome do partido republicano selou-o honradamente, mais tarde, em atos e documentos oficiais.

Atacara, por exemplo, a organização da assistência pública em nome do dever social e daquele impulso que o impelia a ser generoso com os humildes e duro com os poderosos? Pois no Governo Provisório deu realização aos compromissos assumidos.

Combateu rudemente a Universidade e o ensino público? O primeiro ministro do Interior, que o foi ao mesmo tempo da Instrução do regime republicano, fez em relação à instrução primária uma obra notável e em relação ao ensino superior uma reforma, que depois da de Pombal é a mais profunda e vasta da nossa história escolar.

Bastaria a reforma do ensino superior para conferir ao estadista a gratidão pública; mas, se o obreiro e a obra foram grandes, o ideal que abrasou aquele e onde esta hauriu a força dinâmica e criadora é incomparavelmente maior, e esse ideal, tão vivo ontem como hoje, é o ideal da liberdade e da democracia ao serviço de Portugal.

Coimbra, Dezembro de 1933.

JOAQUIM DE CARVALHO.


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