judicium obtorpe, mentis et usus abest.
Revera haec est, quae Inquisitio Sancta vocatur.
Illa introducta, Natio tora ruit.
Nunc mirare precor! Sapiens Rex protegit illam:
sunt ejus Famuli, Marchio, Duxque, Comes.
Nestes versos se inclue todo o veneno que o A. espalha em muitas partes do seu discurso, com o qual esperando que se arrependão os Inquizidores, expoem hum formulario de que hão de uzar para pedir a Deos o perdão, e detestar os passados erros.
A pag. 33 entra o A., supondo já a Sua Magestade convencido com o seu discurso, a proporlhe e darlhe dictames para a abolição, e extincção do odioso Tribunal da Inquizição. A 1ª diligencia hé permitir a lição da Escritura em vulgar para que todos venhão a ter verdadeiro conhecimento da Lei Divina athequi ignorada em Portugal, e por este meio o mais suave de todos se conseguira que os mesmos Inquizidores arrependidos dos seus passados erros irão descobrir a Sua Megestade os perigosos excessos do procedimento do Tribunal. Quando isto não obste e persistão na sua obstinação, então hé que pertence a Sua Magestade tomar o scetro em a mão, e falar como Senhor e Pay dos seus vassalos, e que em dizendo que isto he do seu Real agrado, e que assim o ordena, logo será recebida nos seus Dominios a verdadeira Ley de Deos; algum dia podia o poder, e authoridade da Inquizição, e audácia dos seus Ministros servir de obstáculo a esta empresa, mas já hoje não he assim, porque o mesmo Deos tem confundido este Tribunal e os seus Ministros, contando-se entre as rumas de Lixboa o Palacio, e caza da Inquizição. Toda a Nação athequi consternada e aflicta com os castigos que fizerão descarregar sobre elles alem das proprias culpas as iniquidades da Inquizição esta disposta a aplaudir a abolição e supressão deste Officio Infernal; muito mais sendo o povo de Portugal incapaz de se sugeitar a hum poder Legitimo ao que devia a Augusta Caza de Bragança o estabelecimento no trono dos seus Ascendentes.
Desta total extincção do Santo Officio se deve seguir por boa consequencia a liberdade dos judeos em este Reyno, cuja perseguição cruelissima tem sido contra as Leys de Deos, assim como hé injusta; começa daqui o A. a propor a innocencia dos judeos, e grande fedilidade com que tem servido a esta Coroa em Payzes estranhos, razão porque devem ser admitidos. A innocencia porque na verdade de tantos judeos que tem sabido penitenciados pelo Santo Officio apenas haverá dous ou trez que o fossem sem injus¬tiça: muitos delles andão peregrinando por outros Reynos, fugindo á perseguição de Portugal, tão fora de Ser observantes da Ley de Moyses, que custa imenso trabalho aos Ministros das synagogas, aonde os recebem como fugitivos, e Proselytos, a instruilos nos principios da sua crença, e tal houve que não queria entrar na Synagoga, senão com a condicção de que á se havia dizer missa; alem de outros que rezão os seus Rosarios, e tem particular devoção com alguns Santos; e se algüa vez confeção cá no Santo Officio algüas culpas, tudo isso os obriga a fingir o rigor dos tormentos, e o temor dos castigos; em tudo isto se refere aos escritos do P.' Vieira, a quem faz os maiores elogios por se oppor ao Tribunal, affirmando que nelle fora condem-nado injustamente. A fidelidade dos Judeos e grandes serviços a esta Coroa se empenha o A. em mostrar tecendo hum longo catalogo de judeos que a servirão em Dominios estranhos, e empregos que tiverão etc.
Conclue finalmente querendo a inflamar a sua Magestade no empenho de por em execução os dezignios que lhe offerece propondo lhe que assim como entre os Reys de Portugal he elle o 1.º que tem o nome de Joseph, e o primeiro que uzou do Titulo de Fidelíssimo seja tãobem o 1.º que dê ouvidos a hum homem de religião estranha, que quando algum dia houvesse que temer nesta materia, já hoje não estamos em tempo disto, e que quando o Povo cheio de erros, e prejuizos clame pela conservação do Tribunal do Santo Officio attendendo a que foi estabelecido com authoridade dos Papas e approvado por ales o seu procedimento, assente que isto só o persuadem homens ignorantes e manesfatamente maos; que os mesmos Papas forão os inventores destes erros, e abusos, que reynão em Portugal, como homens que erão viciozissimos, e corruptissimos, e muitos deles homicidas, adulteros, incestuosos, simoniacos, sacrilegos, impios, atheistas. Que a jurisdicção dos Papas só se estende aos Dominios que tem na Italia, como seu soberano e na cidade de Roma como seu Bispo; que Sua Magestade he a unica cabeça da Igreja Luzitana, e de todos os seus Prelados, e Magistrados, e que emfim a authoridade do Soberano he illimitada, e imcopativel com qualquer outra dependencia; e que o contrario só o persuadirão os inimigos do Rey, e os maos Ecclesiasticos deste Reyno cheios de erros, e prejuizos, e armados de sophismas, e artificios. Assim athe a pag. 47, e na seguinte que he a ultima entra a dar graças a Deos por offercer estes meios para restabelecimento da Religião em Portugal, implorando para este fim os seus Divinos auxilios.
No fim do Discurso vem adjunctas 4 cartas dirigidas a 1º para Sua Magestade a 2ª para o Sr. Infante Dom Manoel a 3ª para o secretario de Estado Sebastiam José de Carvalho, a 3ª (sic) para a Academia Real em todas faz que lhe manda húa copia, e pede que ou desempenhem o que persude se se convencerem, ou o convensão com húa resposta exposta ao publico em húa lingoa universal, tal como a Franceza, que por isso uzou delia no seu Discurso. E isto he em summa o que contem o sobredito livro, se me não enganou a debilidade da vista, ou o uzo de húa lingoa estranha. S. Domingos de Lisboa em 22 de Setembro de 1756 — Fr. Domingos da Incarnação.
Concluso o processo, o Cavaleiro de Oliveira foi condenado «por convicto no crime de heresia, e apostaria, e que foi, e ao presente he herege apostata de nossa Santa Fe Catholica, e como tal convicto, negativo, pertinax, revel, e contumas, e que incorreo em sentença de excomunhão maior, e em confiscação de todos os seus bens para o Fisco, e Camara Real, e nas mais penas em direito contra semilhantes estabelecidas, e o excluem do grémio da Santa Madre Igreija; e que a obra que deu ao prelo, intitulada = Discurso Patetico = he heretica, scismatica, sedicioza, erronea, injuriosa á Igreija Catholica Romana, e contraria aos Dogmas de nossa Santa Fé que pertende a rumar; e em detestação de tão grave crime, seja lida sua sentença no Auto publico da Fé em presença de sua Estatua, a qual com a dita obra obra relaxão em seu nome a Justiça secular, para que nellas se faça inteiro cumprimento de Justiça; a quem pedem com muita instancia, que se o Reo em algum tempo aparecer se haja com elle benigna, e piedosamente, e não proceda a pena de morte, nem efusão de sangue — Luis Barata de Lima — Joachim Jansen Moller — Jeronymo Rogado do Carvalhal e Silva — Luis Pedro de Brito Caldeira.
Publicada foy a sentença atras escripta a o reo Francisco Xavier de Oliveira nella contheudo em sua estatua no auto publico da Fé, que se celebrou no claustro do Convento de S. Domingos desta cidade [Lisboa] aos 20 de Setembro de 1761 ...».
Exilado em Inglaterra, a coberto portanto das justiças portuguesas, o Cavalheiro de Oliveira riposta com uma nova edição (1762) do Discours pathétique e com um opúsculo, que não vemos suficientemente descrito em qualquer bibliógrafo nem referido nas várias publicações de anúncio e crítica literária do séc. XVIII que nos foi possível folhear. Na verdade, segundo o Dictionnaire Universel, historique, critique et bibliographique, etc. (9. eD.s, t. XIII. Paris, 1810) Este opúsculo intitula-se: Le Chevalier d'Oliveyra brúlé en effigie comme herétique: Comment et pourquoi? Londres, 1762; e segundo o colaborador da Biographie Universelle (Michaud), t. 31: Le Chevalier d'Oliveyra, brúlé en effigie comme hérétique; comment et pourquoi. Anedoctes et reflexions sur ce sujet données au publique par lui-même — que, por demais, afirma transcreverem-se passagens no Gentleman's Magazine, de Maio de 1784.