Excerpta Bibliographica Ex Bibliotheca Columbina

Em Julho de 1923 solicitámos do Ministro da Instrução Pública — ao tempo o Exmo. Sr. Dr. João Camoêsas — para a conveniência de ser examinada a Biblioteca Columbina no ponto de vista da cultura nacional. As razões que invocámos calaram no espírito deste distinto homem público, que por generosa confiança nos cometeu esse honroso encargo. Testemunhando-lhe o mais vivo reconhecimento, abrangemos neste sentimento os Ex.ª' Srs. Dr. J. M. de Queirós Veloso, Diretor Geral do Ensino Superior, e Abel Dias, Diretor da Contabilidade do Ministério da Instrução, pelas facilidades que nos dispensaram.

Os Excerpta Bibliographica, adiante publicados, e dos quais destacamos já o estudo sobre Uma epístola [desconhecida] de Nicolau Clenardo a Fernando Colombo, com o qual colaboramos no volume de Homenaje ao sábio Prof. A. Bonilla y San Martin, constituem o relatório desta missão. À nossa consciência, porém, os deveres assumidos oficialmente só terminarão com a publicação do tratado inédito de Abrahão Zacuto — De la influencia dei Cielo, e das monografias em preparação sobre os filósofos portugueses Gomes Hispano e Pedro Margalho.

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Pela sua organização atual, a Columbina constitui uma secção da Biblioteca Capitular da Catedral de Sevilha, a qual está instalada no andar superior da Galeria dei lagarto, no Patio de los Naranjos.

Seria uma redundância fazer a sua história, várias vezes narrada . Bastará, como ligeira introdução, acentuar que o seu fundador, Fernando Colombo (n. 15 de Agosto de 1488, em Córdova), filho natural de Cristóvão Colombo e de Beatriz Enriques não desfrutou apenas os benefícios do glorioso nome paterno, antes o ilustrou pelo saber, cultivando a história, a ciência náutica e acompanhando com esclarecido interesse a maravilha do século: os descobrimentos. A confiança e amizade com que Carlos V o distinguiu, a sua interferência na Junta de Badajoz, onde a ciência portuguesa se afirmou tão notavelmente , e os escritos que até nós chegaram, documentam o seu saber e valor intelectual . Mas com ser apreciável o concurso destas qualidades, foi a bibliofilia, larga, generosa e nobremente praticada, que imortalizou o seu nome.

Culto, rico, dispondo das facilidades de uma elevada posição social, estimulado por preocupações intelectuais e eruditas, relacionado com humanistas e sábios da época, como Erasmo, André de Resende, Nicolau Clenardo e João Vaseu, que ele atraiu à Península, Fernando Colombo conseguiu reunir à data da sua morte (12 de Julho de 1539) a maior livraria que um particular até então organizou: pelo menos 15.370 volumes, entre impressos e manuscritos, dos quais apenas nos legou o registo de 4.231.

Esta livraria era o fruto de uma universal curiosidade e do magnânimo propósito de dotar a sua pátria com um centro de estudo e peregrinação cosmopolita, como ele próprio confessou: «... servirán para beneficio comum y para que aya refugio donde los Letrados puedan recurrir á qualquier duda que se les ofreciere».

Para a formar, não se poupou F. Colombo às maiores canseiras e despesas, percorrendo por mais duma vez a Espanha, a França, a Itália, a Flandres, a Alemanha e a Inglaterra, em busca de livros e manuscritos, que ele adquiria mais pelo seu valor intrínseco, literário ou científico, que pelo aspeto tipográfico ou sumptuosidade ornamental.

O seu esforço não foi baldado. Como tudo leva a crer, amigos pessoais e contemporâneos frequentaram a Columbina — então conhecida pela Libreria Fernandina — não sendo arriscado contar, entre eles, com Harrisse, Pedro Mexia, Pedro Martir d'Anghiera, Oviedo, Gomara, Garcia y Matamoros, Juan de Mal Lara, Cieza de Leon, Zurita, Florian de Ocampo, Ginés de Sepulveda, Garibay, Guevara e Las Casas. E hoje, volvidos quatro séculos, a Columbina seria necessariamente um centro de peregrinação erudita, se os crimes dos homens, perante os quais pouco valem as injúrias do tempo, não tivessem desfalcado um dos mais ricos patrimónios intelectuais da Espanha.

Não é nosso intuito reeditar os protestos e queixas, dos quais Harrisse foi o retumbante campeão, nem tão-pouco fazer, uma vez mais, a história das vicissitudes da Columbina, desde a morte do seu fundador até à incorporação, em 1552, no património do cabido da catedral de Sevilha. Passemos esta página sombria da cultura hispalense; mas relembre-se o desinteressado esforço de Fernando Colombo, que não foi apenas, como já disse, um simples comprador de livros. O desejo de os salvaguardar aliado ao prazer do bibliófilo, levaram-no a catalogar a sua livraria com uma minúcia e perseverança verdadeiramente extraordinárias. Estes catálogos subsistem ainda em parte, e no conjunto dos 7 vols. hoje existentes, distinguem-se, segundo a própria designação fernandina, os Registra (inventários) e os Abecedaria (reportórios alfabéticos). Os Registra são dois.

O Registrum A compunha-se de 4 vols., existindo apenas o 2.°, que indica os títulos dos livros numerados de 914 a 2581.

Neste Registrum os livros eram inscritos à medida que eram arrumados. Refere-se a livros comprados nos anos de 1521 e 1522.

O Registrum B, o mais importante, é o inventário que no pensamento de F. Colombo deveria ser definitivo. Redigido com cuidado, a descrição dos livros é acompanhada de notas, entre as quais avultam os incipit e explicit. Compreende os n." 1 a 4.231, referentes a livros adquiridos em 1514, 1515- 1521 e 1526-1530. Foi este catálogo, porventura o mais importante de toda a bibliografia do século XVI, que o hispanófilo Archer M. Huntington reproduziu em fac-simile sob o título: Catalogue of lhe Library of Ferdinand Columbus. New-York, 1905. O seu titulo é: Regestrum librorum don Ferdinandi Colon primi almiranttis indiarum fui, in queo tam autorum quam librorum eorum que magnitudinem divisionem et impressionem reperiri datur necnon tempus, loca et precium quibus ah eo prefata volumina fuerunt comparata.

O Abecedarium A, que corresponde ao Registrum A, enumera os autores, segundo o nome de baptismo.

O Abecedarium B, em 2 vols. in-fólio, constitui a lista completa dos livros que F. Colombo possuía em 1538.

O Abecedarium B bis é uma cópia incompleta do ms. anterior.

O Abecedarium C porventura o mais antigo, compreende os nomes de autores por ordem alfabética segundo os nomes de baptismo .

São estes os catálogos de livros, que, como se vê, se podem dividir em catálogos de autores e catálogos de titulas. Nas citações adiante feitas referir-nos-emos apenas ao Registrum B e ao Abecedariam B, designando-os normalmente por Registro e Abecedario . Há ainda um outro catálogo (Registrum C), compreendendo a lista de gravuras e quadros reunidos por Fernando Colombo. Não o pudemos, porém, examinar, embora suspeitássemos que, direta ou indiretamente, subministrasse quaisquer notícias para a história da arte portuguesa.

O Registro e o Abecedário constituem o ponto de partida e os companheiros indispensáveis de quem trabalha com os livros columbinos. Foram esses também os nossos primeiros guias, e após um sumário exame, sem termos esquecido os modernos catálogos de livros impressos e de manuscritos, orientámos o nosso estudo em ordem a recolher por cópia ou extrato o que de mais valioso se nos afigurou para a história da nossa cultura, utilizando a fotocópia para os textos de maior extensão ou de interpretação duvidosa. O inventário exaustivo dos livros portugueses ou de re lusitana que F. Colombo possuiu, exigiria uma longa permanência em Sevilha, e, demais, pareceu-nos que se desvirtuaria o carácter da missão, que nos levara à Columbina. Foi ainda esta última consideração que venceu o desejo de prepararmos apenas uma monografia histórico-filosófica, em harmonia com os estudos que professamos na Universidade, pois vimos alguns dos mais raros exemplares da bibliografia filosófica da Renascença.


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