Excerpta Bibliographica Ex Bibliotheca Columbina

Orações «De Obedientia» de D.S João II e D.S Manuel aos Pontífices Romanos

D.S João II e D.S Manuel, como reis católicos, enviaram embaixadas extraordinárias à Santa Sé. Dava motivo oficial a estas deputações, comuns à cristandade, a ascensão dum novo pontífice mas independentemente desta causa de congratulação e adesão religiosa, os monarcas portugueses aproveitaram o ensejo para significar à capital do mundo de então o seu orgulho pelos novos descobrimentos e conquistas ultramarinas e conseguirem certos benefícios para a nação, como, por exemplo, o padroado do Oriente.

Destas embaixadas, a mais célebre nos anais da diplomacia do Vaticano é a de D.S Manuel a Leão X, pela estupenda oferta das primícias da Índia; mas todas elas são dignas de nota e as respetivas orações «de obedientia» constituem hoje curiosos documentos, quer para a história política, quer literária. Fernando Colombo seguiu com interesse esta política dos reis portugueses, e cuidadosamente adquiriu as Orationes que foram impressas, e que raras bibliotecas hoje possuem. Os registos columbinos dão as notícias seguintes, que ordenamos cronologicamente:

35— Oratio garcie menesiis habita in tãplo diui pauli apud Sixtú. I — Si ita ah imortaii deo cõstittú erat. D — et apud superos ipsos habeamini Imp. rome afio 1481. Costo en valladolid mrs [maravedis] 12. nové. 1524.

Não existe atualmente, mas o Registrum nº 4.009 deixou-nos a descrição acima reproduzida, que é muito incompleta. O título exato é: Oratio habita Romce coram Sixto papa IV, anno 1481, pridie calendas Septembris. Roma. S. tip. n. d. Incipit: «Garsias Menesius eborensis presul quom Lusytania regis Iclyti legatus & regia classis aduersus turcos idruntê in apullia presidio tenentes pfectus ad urbem accederet in têplo diui pauli publice exceptus apud Xysttl. iiii pont. max. & apud sacrum cardinalium senatum huiusce modi orationem habuit». Colofonte: «Habita hec est oratio pridie Kalendas septembris salutis. Anoo Millesimo quadringentesimo octuagesimoprimo: põtificatus uero Xysti. iiii. anno. XI. & eodem Rome impressa». — Apud Pellechet, Catalogue Général des incunables des bibliothèques publiques de France, tom. III, (Paris, 1909), p. 480.

As bibliotecas parisienses Nacional e Mazarina possuem exemplares da ed. princ. desta Oratio. Outro tanto, creio, se não pode dizer de nenhuma livraria pública portuguesa; mas, sem embargo, o texto é acessível, pois foi reproduzido como apêndice na Corografia de alguns logares... de Gaspar Barreiros (1561) e no Ensaio sobre a Historia Litteraria de Portugal (1845) de Fr. Freire de Carvalho. O cód. alcobacense, atual 475 da Bibl. Nac. de Lisboa, contém a fls. 25 v. e segs. uma cópia manuscrita. Vem a propósito recordar que entre as fontes informadoras da expedição comandada pelo bispo G. de Meneses se deve contar o Diário de António de Vascho (1481-1492), no qual relatou o seguinte:

«Ricordo in questo di primo de settembre [1481] come il santo papa Sisto andó a Santo Paolo a vedere le caravelle, che aveva mandete lo re di Portogallo che forono queste che vennero alla volta di Santo Paolo dieci et sette; e due altre caravelle grosse, et una nave rimasero alia marina per non potere entrare nella foce nostra, et fu di giorno di sabbato, et capitano di detta armata ero lo episcopo de... delia medesima natione, li quali vennero assai bene in ordine de panni, et huomini et molti cavalieri».

«Ricordo in questo di che fu rehavuto Otranto [10 de Setembro de 1481] venne nova a Roma, che lo re di Portogallo era di sua morte morto» [28 de Agosto de 1481]. In-Rerum italic. script. (ed. Carducci e Fiorini), tom. XXIII, pp. 496 e 497.

A Oratio não foi recitada por delegação régia e em testemunho de obediência do monarca, mas como panegírico da ação de D.S Afonso V em África e incitamento à cruzada contra o turco.

36 — Valasci Ferdinandi vtrius que iurisconsulti / Illustrissimi Regis Portugallie oratoris ad In/nocentium octauum pontificem maximú de obe/dientia oratio.

Em 4.° de 8 fls. inum. S. 1. n. d. Não tem portada. É o n.° 2.842 do Registrum, no qual F Colombo anotou: Costó en Roma 2 cuatrines. Existe presentemente no tom. 9.° do precioso vol. encadernado com o título: Orationes varice (8-2-38).

Das orações latinas quatrocentistas é esta a que mais prendeu a erudição nacional, pelas referências que nela se fazem à batalha de Ourique, milagre da aparição de Cristo e origem do escudo nacional. Invocada por Pereira de Figueiredo  e Cenáculo , Alexandre Herculano  e o Dr. António de Vasconcelos  pulverizaram-na criticamente pelo que respeita às lendas que giram em volta da batalha de Ourique; mas, não obstante, é de apreciável valor para a história dos descobrimentos, e ainda sob outros aspetos, especialmente se recordarmos que do famigerado Lucena nada mais nos resta, do vário que os contemporâneos acusam . A embaixada portuguesa foi recebida por Inocêncio VIH, em 1485, com toda a solenidade, em consistório público, e perante o qual Lucena leu a oração. Os redatores do Jornal de Coimbra (n.° 16, Abril de 1813, p. 312 e segs.) publicaram-na, servindo-se do texto impresso e duma transcrição da cópia que A. Pereira de Figueiredo fizera em 1749; porém, dada a raridade do original, que não existe, segundo cremos, em nenhuma das grandes livrarias públicas nacionais, embora o Estado possua um exemplar guardado na biblioteca dum estabelecimento de ensino 72, e dificuldade de consulta do Jornal de Coimbra, reproduzimo-la adiante. O editor do Jornal de Coimbra convenceu-se da existência de duas edições, diversas na lição e na pontuação; porém parece-nos que os factos que deram origem a esta suspeita resultam das deficiências paleográficas da cópia de Pereira, o qual principalmente curou de tornar claro o texto, desdobrando as abreviaturas, pontuando-o e alterando a grafia.

Indicaremos as variantes da cópia e texto impresso, segundo o editor do Jornal de Coimbra. Como já notou Nordenskjóld (Periplus. An Essay on the early History of Charts and sailing directions. Estocolmo, 1897, p. 128 n.), é nesta oratio que se encontra a mais antiga referência impressa aos descobrimentos dos portugueses.

Valasci Ferdinandi utriusque juris consulti, Illustrissimi Regis Portugalliw Oratoris, ad Innocentium octavum, Pontificem Maximum, de Obedientia Oratio.

Et si non sim nescius, Pater Beatissime, Pontifex Maxime, ovium Christi Jesu Pastor, Beati Petri dignissimi Successor, et Dei Nostri generalis Vicarie,

quanta doctrina et quantis laudibus prwstare debeat is, qui coram conspectu Vestrm beatitudinis, et pro2stantissimorum horum Patrum verba facturus, aut Orationem habiturus sit: Et si me quoque nonlateat, quam grandem provinciam, et quam impar humeris meis munus celebrandum susceperim, qui et dicendi consuetudine, eloquentiw copia, ingenii acumine, et omni prorsus doctrina destitutus sum: cum prterea loci dignissimi ac omatissimi amplitudinem et maistatem intueor, qui non nisi a peritissimis et gravissimis viris occupari solet: cum denique tremendum et gloriosum Vestrw Beatitudinis, et sacri hujus Senatus conspectum, et rei de qua agendum est magnitudinem et splendorem hinc considero; inde Serenissimi ac 111ustrissimi Principis Joannis Secundi, Regis Portugalliw et Algarbiorum citra et ultra mare in Africa et Domini Guinew,Vestr Beatitudinis obsequentissimi Filii, qui nos ad eandem Sanctitatem legatos misit in hanc Sanctam et Apostolicam Sedem, devotionem, fidem, et observantiam: Insolens profecto, et velut amens et temerarius horreo totus; fractus et enervatus tota mente ac artubus contremisco totus, et vox faucibos hret, et dicere cum Hye/remia cogor: A, a, a, Domine Deus; ecce nescio loqui, quia puer ego sum. Quippe ad declarandam Christianw Religionis Signifero, qui cum vices Dei in terris gerat, non dedignatur sese servum servorum Dei adpellare, tanti Regis devotionem et obedientiam; et ad tantm legationis munus absolvendum, ex litteratorum Lusitanorum corona erat quisplam alius accommodatior me, quem nulla eruditionis ornamenta illustrant, nec hujus doctrin studia decorant; a quibus quantum absum, tantum ab hoc dicendi munere me abesse fateor. Parere tamen et jussa capessere Illustrissimi Regis, qui onus injunxit, fas fuit: cui non obsequi et nan obedire scelus et nefas fuisset. Ferat igitur quo animo  Vestra Beatitudo pro sua sapientia, cequitate, et solita in omnes clementia, audire jejunam hanc, exilem, et obscuram Orationem; nullis salibus conditam, nulla sententiarum gravitate magnificam, nulla verborum vi ac pondere luculentam et expolitam.


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