Excerpta Bibliographica Ex Bibliotheca Columbina

É certo que as relações intelectuais de Portugal com a Itália não sofrem comparação com o estreito intercâmbio da França com a mãe da latinidade; mas, apesar disso, merecem a atenção culta. Limitando-nos à influência do averroísmo paduano, e quase só num simples ponto de vista bibliográfico, é nele que a nosso ver se devem filiar as tendências racionalistas ou «libertinas», que não luteranas, de Damião de Góis e Fr. Roque de Almeida — ambos auditores da Universidade de Pádua —; e é pela sugestão dos raciona-listas franceses, filhos espirituais de Pádua, que Busson explica a liberdade de espírito de António de Gouveia, levada à conta de ateísmo por Calvino , no dístico contundente de Briand Vallée:

Antoni Goveane tua est marrana propago

 In Ccelo et in cellis non putat esse Deum .

Em Averróis deve distinguir-se o sábio e o comentador de Aristóteles, das interpretações e tendências heréticas e livres, que cedo se lhe emprestaram. Daquele, particularnente do médico é conhecida a influência da sua obra, e do aplauso que a portugueses mereceu bastará aludir aos autorizados testemunhos de Amato Lusitano e Zacuto Lusitano .

Concebido como materialismo, espírito de incredulidade e negação do sobrenatural — conceito que se desenvolve sobretudo na Renascença — o averroísmo tem talvez o seu primeiro eco entre nós por intermédio de Tomás Escoto, «seductor publice in scholis decretalium Ulixbone» , que manteve vivas disputas com Álvaro Pais (t 1353), bispo de Silves, encontra nos cárceres da nossa capital a resposta aos arrojos das suas teses de apóstata, e cuja biografia, afinal, é um enigma .

Contrariamente a estas tendências averroístas, a cultura portuguesa acusa também o aspeto crítico. Assim, nos tempos modernos, a teoria da unidade do intelecto é refutada, destacando-se nestes juízos severos os jesuítas de Coimbra, como no comentário ao De anima de Aristóteles. Mas o precursor desta atitude crítica é o franciscano Fr. Gomes de Lisboa, — que não deve confundir-se com o beneditino Fr. Gomes Ferreira  ( 1442) — a quem Caiado louvou num epigrama e que no século XV exprimiu as suas ideias anti-averroístas na própria Itália das nobres e agitadas inquietações do espírito com o livro:

12— Cometii ordinis minorum Artium doctoris et sacre Theologie magistri. Questio perutilis de cuiuscum que scientie subiecto principaliter tam naturalis philosophie fceliciter incipit.             

Impresso juntamente com: Doctoris subtilis Scoti questiones super libris de anima aristolelis fceliciter incipiunt. Os dois opúsculos constituem um só volume, de 28 fls. got. inum. S. 1. n. D.s; mas deve ser dos fins do séc. XV. A obra de Gomes Hispano ocupa as primeiras 5 fls., sendo a 1.a branca, e no v. traz uma epístola: Cometius hispanus ordinis minorum Magnifico Anselmo meie mantuano. S. O título encontra-se na fl. 22, col. 1.a, seguindo o texto até final a 2 cols.

Explicit (fl. 5 v.): Finis egregie questionis naturalis philosophie ab excellentissimo viro ac philosophorum et Theologorum principe nostra tempestate Magistro Cometio hispano ordinis minorum edite.

Tem no Abecedário o n.° 8.676. Na última pág. da guarda final: «Este libro costo en bologna 15 quatrines a 17 de nouiembre de 1530 y el ducado de oro uale 456 quatrines».

A Questio avulta entre os mais raros livros da bibliografia filosófica lusitana, na qual se contam raridades como o De conclusionibus (1543) de António de Gouveia, que um dia reproduziremos, o Margallea Logices , adiante referido, e os Commentarii in Parva naturalia Aristotelis (1498), que Barbosa Machado atribui a um Afonso de Albuquerque, e nunca pudemos ver.

Pode mesmo afirmar-se que a impressão deste livro foi desconhecida dos bio bibliógrafos portugueses; e dos estrangeiros poucos o citam, além de Fabrício,  Hain e Simon de la Rosa Lopez . Assim, Barbosa Machado refere-o na Bibliotheca Lusitana, mas reputa-o manuscrito; e Fr. Fortunato de S. Boaventura, que coligiu algumas informações biográficas com erudita diligência ", e o Sr. Fidelino de Figueiredo na Bibliografia portuguesa de Filosofia", nem sequer o mencionam. O mérito deste opúsculo reside na circunstância de Gomes Hispano examinar escolasticamente, no fundo e na forma, o conceito de filosofia natural, base do ensino paduano; e embora não tenha um carácter polémico responde ao livrinho: Nicoletus Vernia theatinus Philosoph. Mag. in studio Patav. Perutilis et subtilis questio de Philhosophie naturalis subiecto . S. 1. É o que a epístola dedicatória a Anselmo Meia permite estabelecer:          

«Scribis magnifice Anselme meia in manus tuas incidisse questionem ilam de subiecto naturalis philosophie a clarissimo viro ac summo philosopho Magistro nicoletto vernia theatino editam ac legisse te in ea quam multa que Schoti doctoris subtilissimi. Cuius doctrinam profiteris sententie aduersantur. adiecisti ipsam totam fere questionem philosophorum principi Aristoteli tuo iuditio dissentire. Prostremo rogas ut ad te rescribam quid ab aristotele et schoto de hac questione receperim et an assentiat Aristoteli dissentiatue Schotus. Ego vero qui omnia tibi debeo que a me petis meum officium negare non possum. Id circo non ut tanti viri dicta damnare velim Sed quo tibi satisfaciam partim etiam veritati. quam amicitie preferendam philosophus iudicavit et ethicorum primo. Litteris mando quid ex ipsios philosophie fonte de preposita questione degustaret. Tu vero cum ea legeris diligenter. Si questiuncula fuerit tuo acutissimo ingenio digna cum reliquis que a nobis accepisti reponas vale.       

Este raríssimo livro não está datado, mas Nicoleto Vernia, tendo falecido em 1499, sucedendo-lhe Pomponácio, de tão fecunda influência intelectual, pode afirmar-se que o opúsculo de Gomes de Lisboa deveria ter sido escrito e impresso no último quartel do século XV.     

Este capítulo da nossa história filosófica merece um estudo, que faremos logo que possamos ler o raríssimo livro de Vernia.               

A Columbina guardava ainda um outro livro de Gomes de Lisboa, completamente desconhecido dos nossos bibliógrafos e que, cremos, Harrisse pela primeira vez descreveu. É o seguinte:          

13— Tractatus de incolètibus purgatorium Hic est tractatus animas       

quas expia ignis SCimum pontificem soluere posse docens.

No fim:

Expliciút duo famosissimi tractatuli editi ab eximio iuris diuini doctore t interprete fratre Iacobo de Marchepallu... Impressi Gebennis per nobilem et egregium virum Ludovicum Cruse, alias guerbini. Anno a natiuitate drii millesimo quingentesimo nono et die octaua mensis Maij...In-8.°, got. de 40 fls., asig. a-e. A última fl. é branca. No verso do título: Frater Iacobus Marchepallu ordinis minorum theologorum minimus fratri Gomexio vlixbonensi theologantium atque philosophantium principi S. D.S   

Nota: 6651. Este libro costo.6. quartos en Turin a. 11. de de enero de. 1521. y el ducado de oro vale. 212. quartos.       

O Catálogo impresso da Columbina não o menciona.    

UMA ANOTAÇÃO DE FERNANDO COLOMBO

NUM EXEMPLAR DO «ALMANACH PEETUUM»

DE ABRAHÃO ZACUTO

Entre os livros de uso de Fernando Colombo guarda-se hoje o seguinte:

14— Tabule tabularam celestium motuum astronomi zacuti nec non stelarun fixarum longitudinem ac latitudinem ad motus vnitatem mira diligentia reducte ac in principio canones ordinatisime incipiunt felici sidere.


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Vamos corrigir esse problema