Sobre Fr. Serafim de Freitas. Nota em torno de ? Anales Universitarios. Historia de la universidad de Valladolid Bio-Bibliografias de Juristas, Notables por Mariano Alcocer e Saturnino Rivera. Valladolid, 1925. T. V, de XX 190 CCXL

A história pedagógica portuguesa, quer a consideremos externamente, nas instituições escolares, quer internamente, no quadro de estudos e métodos de ensino, reclama de há muito a atenção culta nacional, não apenas como objeto de erudição, mas pelo seu valor pragmático.

Desde Leitão Ferreira e Carneiro de Figueiroa, no século XVIII, até às recentíssimas publicações comemorativas do primeiro centenário da Faculdade de Medicina do Porto, a bibliografia histórico-pedagógica conta algumas monografias e estudos sérios, mas está longe do que deveria ser e é necessário que seja. Quantas escolas portuguesas poderão justificar a persistência e desenvolvimento duma orientação científica, baseada numa fecunda e viva tradição? Algumas há, como, por exemplo, a Faculdade de Direito de Coimbra e a Faculdade de Medicina de Lisboa, mas a verdade é que não possuímos uma história destes institutos e a nossa consciência não se satisfaz com meros juízos e impressões pessoais. A Universidade de Coimbra, em especial, deve a si própria e ao País a publicação sistemática dos documentos relativos à evolução da sua vida interna, relações com a cultura e aspirações nacionais, elenco dos seus professores e respetiva atividade científica. Se é certo que na sua longa vida, como na de todas as Escolas, houve professores cujo nome, no dobar do tempo, só aparece nas folhas de pagamento, quantos há que com entusiasmo e sacrifício bem serviram a profissão e na sua atividade se pode haurir não apenas um incentivo mas o restabelecimento de esforços e pontos de vista científicos?

Referindo-me só à Universidade de Coimbra, os estudos e documentos já publicados, particularmente por Leitão Ferreira, Serra Mirabeau, A. J. Teixeira, Costa Simões, T. Braga, Teixeira de Carvalho, J. Henriques e António de Vasconcelos, sendo notáveis, não bastam. Aproxima-se o quarto centenário da sua instalação definitiva em Coimbra (1937), e cremos firmemente que esta Universidade, tão rica de tradições de toda a ordem, não deixará passar em claro esta data, cumprindo o seu dever, como fez em 1872 e 1897 com os centenários dos Estatutos Pombalinos e de Francisco Suárez.

Vêm estas considerações e votos a propósito da recente publicação do tomo V da História da Universidade de Valhadolid, devida ao esforço dos srs. Mariano Alcocer, atual diretor do Arquivo de Simancas, e Prof. Saturnino Rivera, auxiliados eficazmente pelo reitor da Universidade, Prof. Calixto Valverde. Em todos os volumes publicados se encontram factos e sugestões de bastante interesse para a história da nossa cultura, mas a sua ordenação ultrapassaria os limites duma nota bibliográfica. Por isso apenas aludiremos ao último volume, consagrado à biobibliografia dos mais notáveis professores valisoletanos de direito, civil e canónico, e entre os quais avulta o português Fr. Serafim de Freitas, celebrado opositor de Hugo Grócio, contra cuja tese da liberdade dos mares escreveu o De justo Imperio Lusitanorum Asiatico adversus Hugonis Grotii Batavi mare liberunn (Valhadolid, 1625). Pelos registos universitários, prova-se que Serafim de Freitas, depois de se doutorar em cânones em Coimbra (25 de Outubro de 1595) foi para Valhadolid, onde professou o hábito de «Nuestra Seriora de la Merced» e em cuja Universidade assistiu como «lector extraordinario». Vagando a cátedra de Clementinas, o nosso compatriota apresentou-se como opositor em 5 de Abril de 1604, mas foi vencido pelo seu concorrente, o Dr. Lorenzo Rodriguez. O insucesso não o desanimou, porque logo no ano seguinte concorre à vaga da cátedra de Cânones, triunfando contra os candidatos Gudiel e Romero «por 37 votos pessoais, 85 cursos e qualidades», tomando posse desta cátedra em 24 de Dezembro de 1605. Desde esta data até à sua jubilação (20 de Fevereiro de 1626), motivada pela surdez, e morte (Junho de 1633), S. de Freitas gozou dum grande prestígio na Universidade, cujo claustro o dispensou do doutoramento, reconhecendo que o fizera em Coimbra, e impetrando uma «cédula real» para tornar possível a jubilação, visto não ter os 20 anos de exercício. Embora o seu nome tenha um lugar de relevo entre os portugueses que ensinaram no estrangeiro, o certo é que perdura principalmente pela publicação, do De justo imperio lusitanorum, onde, a par da justificação de jure constituto do monopólio da navegação e comércio da Índia, combatido por Hugo Grócio, faz a mais calorosa apologia da expansão portuguesa no Oriente. Esta notável obra foi traduzida em francês por Guichon de Grandpont, e sumariada pelo falecido prof. Laranjo Coelho in O Instituto, vol. XXXII (1884), sob o título — Uma questão de direito internacional entre Portugal e a Holanda no século XVII. Ciosa das suas glórias a Universidade de Valhadolid participou à Universidade de Coimbra e à presidência do recente congresso misto das Associações portuguesa e espanhola para o avanço das ciências, por intermédio do seu ilustre e ativo reitor, Prof. Calixto Valverde, uma deliberação que, acreditando-a como organismo vivo de cultura, concorrerá para reavivar os laços de solidariedade intelectual entre Coimbra e Valhadolid.

Essa deliberação é a seguinte: «... De igual modo que se celebra este afio en Holanda el tercer centenário de la obra de Hugo Grocio, esta Universidad Vallisoletana, velando por sus gloriosos prestigios há resuelto celebrar tambien el tercer centenário de la publicación del libro de Fr. Serafim de Freitas, estimando que el mejor homenaje a tan esclarecido maestro es verter su obra al castellano, empresa costosa y dificil que esta nevando a cabo el docto canónigo de esta catedral y discipulo de la Universidad de Valladolid, D.S José Zurita Nieto, a la que pondra un prólogo el Ex.ªrn° Sr. D.S Joaquin Fernádez Prida, catedrático de Derecho Internacional que ha sido de esta Universidad, hoy de la Central, Ex-Ministro de Estado, Académico y gran conocedor de la labor realizada por el ilustre Freitas». Todos os portugueses acolherão com prazer mais esta consagração da obra do nosso compatriota; mas, sem embargo, não se imporá também uma tradução na língua pátria? Poderemos consentir que este livro, traduzido em francês e espanhol, seja em Portugal uma raridade, pela escassez de exemplares e pela língua em que foi redigido?


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