Laerte Ramos De Carvalho, A formação filosófica de Farias Brito, in Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (Boletim 151, Filosofia nº 4, São Paulo, 1951, com apresentação do Prof. João Cruz Costa, e em separata). 1 vol. de 180 págs. Tese apresentada à Facul

Após numerosos ensaios e conspectos, em que as opiniões ocupam o lugar dos juízos, surge com este livro o primeiro estudo sobre o pensador cearense, no qual as exigências da metodologia crítica, da indagação das fontes, da correlação com a situação epocal, política e cultural, são aplicadas ao esclarecimento de um tema preciso e delimitado —, condição essencial, agora e sempre, do progresso consistente e efetivo dos conhecimentos. O A. propôs-se estudar o desenvolvimento intelectual de Farias Brito (1862-1917) entre os anos de 1886-1895, ou seja o período de nove anos compreendido entre o primeiro artigo — A Moral e a Filosofia, publicado aos 24 anos no Libertador (16 e 17, VII, 1886) e a publicação, aos trinta e três anos, de A Filosofia como atividade permanente do espírito, que é o volume I de A Finalidade do Mundo (Estudos de Filosofia e Teleologia naturalista), cujo vol. II, A Filosofia moderna, e III, O mundo como atividade intelectual, liv. 1, Evolução e relatividade, saíram respetivamente em 1899 e 1905.

O A. propôs-se, pois, um tema de história genética, que sucessivamente considerou sob o ponto de vista biográfico, isto é, as condições em que se constituiu o pensamento de Farias Brito, e sob o ponto de vista histórico--filosófico, isto é, a raiz e o teor das ideias iniciais do pensador cearense. Concorrem, assim, neste livro indagações biográficas e histórico-sociais, e correlações histórico-filosóficas, e numas e noutras o A. procedeu com objetividade e perfeita isenção crítica.

As indagações biográficas e histórico-sociais conduziram o A. à «hipótese sujeita a retificações» da existência das seguintes «fases da evolução do pensamento de Farias Brito: fase cearense (1886-1901); fase paraense (1901-1908); fase carioca (1909-1917)». O A. ocupou-se somente da primeira fase, que é o período de formação filosófica durante o qual se elabora o plano da Finalidade do Mundo. Teve, assim, de situar o pensador no ambiente em que se lhe formou o espírito, a problemática que lhe incitou a mente e a estrutura primordial e primeiras vicissitudes da resposta a esta problemática.

No que toca ao ambiente, o A. relacionou geneticamente a formação e o ponto de partida de Farias Brito com «a escola do Recife», entendendo que «se pode adiantar que Farias Brito, pelo menos no seu período de formação, foi um epígono do movimento intelectual que teve em Tobias Barreto o seu centro de convergência».

O pensador cearense aparece, assim, geneticamente enraizado na terra brasileira, e a própria problemática que lhe despertou a reflexão também não é independente da situação cultural brasílica nem da experiência política pessoalmente vivida, pois uma e outra como que lhe despertaram a necessidade de estabelecer uma ponte entre a Ciência e a Consciência. A esta luz, «a evolução intelectual de Farias Brito revelou-se, escreve o A., não como um acontecimento isolado, destituído de ligações com o meio em que ele se insere. Os motivos e ideais que, através de inúmeras vicissitudes, nortearam o pensamento de Farias Brito, de seus primeiros escritos à concretização do plano da Finalidade do Mundo, confundem-se com as aspirações e propósito dos homens mais ilustres da sua época».

A par das raízes histórico-sociais, o pensamento de Farias Brito nutriu-se também do alento de uma problemática pessoalmente sentida e cogitada. «O grande defeito da maioria dos estudos sobre Farias Brito reside, sem dúvida, escreve o A., na suposição da existência de um sistema filosófico no conjunto das obras que foram publicadas entre 1895 e 1917», mas se Farias Brito não expôs um sistema desenvolveu, não obstante, um problema fundamental, ao qual respondem os seus escritos. Esse problema, mostrou-o e documentou-o o A., aparece logo nos dois primeiros escritos de Farias Brito, nos quais se encontra «esboçado, antecipadamente, o programa de uma doutrina cuja realização será tentada nos anos seguintes», e o quê do problema consiste em saber, nas próprias palavras de Farias Brito, em 1886, aos 24 anos, se as novas tendências do pensamento estão em harmonia com as necessidades do coração e do espírito». A Filosofia como ideologia, tal vai ser a constante da reflexão de E B. ao longo da sua existência, de tal sorte que os seus livros, notadamente A Filosofia como atividade permanente... são «o solilóquio, escreve o A., de um coração convicto de possuir a nova fé que

deverá iluminar a humanidade. A crise política revelou-lhe a fundamental necessidade de organizar as instituições sobre a base do pensamento religioso-moral».

A Finalidade do Mundo. Estudos de Filosofia e Teologia naturalista, que é verdadeiramente a obra da sua vida, exprime significativamente pelo título o problema, a conceção do objeto da Filosofia e dos respetivos fundamentos. Com sagaz lucidez, esclareceu o A. que a génese deste problema se apresentou com as seguintes características: conceito peculiar de finalidade; uma conceção naturalista, a qual «obedece a uma inspiração ligada à doutrina da escola do Recife e, particularmente, ao pensamento de Tobias Barreto. Este naturalismo será modificado, por intermédio da filosofia espinosista, na obra de 1899 e não se manterá mais nos livros de 1905»; a extensão dada ao problema religioso e, finalmente, pelas fontes, predominantemente francesas, cujo idioma aliás foi o principal veículo da informação de F. Brito.

Tal é o esquema da construção de A formação filosófica de Farias Brito. Levaria longe seguir o A. nos sucessivos capítulos do seu livro (I - O programa de uma Filosofia; II- Da Psicologia tradicional à nova Psicologia; III - Poesia científica e Poética idealista; IV - Farias Brito e a crise política de 1892; V- O «sistema» da Finalidade do Mundo em 1895; VI - Conclusão), nos quais fundamenta e desenvolve a filiação histórico-social, a génese e fonte das ideias, as vicissitudes e alterações dos planos e das conceções. Baste somente acentuar que, pelos resultados precisos e fundados das suas variadas indagações, este livro ficará como fundamental na bibliografia já numerosa relativa a Farias Brito, cujos primeiros e raros artigos reedita em apêndice, e se torna de indispensável consulta a quem queira informar-se das vicissitudes que no Brasil, no trânsito do século passado para o atual, tiveram algumas conceções do Naturalismo materialista, do Monismo de Haeckel, de Schopenhauer, e do Positivismo. Pode desejar-se que o A. tivesse aplicado a influência de algumas destas conceções em Farias Brito a lúcida e penetrante clareza com que esclareceu — e definitivamente — as fases, o sentido e os limites da influência de Espinosa, embora cumpra ter presente que o A. não teve em vista o exame do valor intrínseco nem a indagação da originalidade. «Uma história das ideias no Brasil, escreve, terá de ser, ainda por algum tempo, dominada pelos cuidados de um amplo e objetivo levantamento dos elementos e fatores ideológicos, tais como se manifestaram e emergiram nos quadros de suas respetivas situações históricas... Se não é possível, hoje em dia, fazer-se a história das ideias e das ideologias sem o conhecimento dos fatores existenciais, extra-teóricos, que numa situação histórico-social «condicionam» o desenvolvimento espiritual, é mister reconhecer que a recíproca implicação destas duas ordens de factos só pode ser estabelecida «a posteriori»: a não observância desta exigência constituirá, então, grave falha metodológica».


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