Autor. É Monsieur de Ceriziers, esmoler-mor do Infante de França João Gaston, Duque de Orleans.
Lípsio. Não me mostreis cá tal livro; Ceriziers foi dotado de igual engenho que demasia; de tal sorte, que sendo o Demóstenes das Gálias, com pouco siso se deixa dizer no seu Herói Francês (lisonjeria esquisita, bem falada, com perdão de Lourenço Gracian Infançon) que ele fez ao seu Henrique de Lorena, Conde de Arcourt; que Espanha não tem valentes; que Alemanha não tem senão borrachos; com tal demasia, ou para melhor falar português, com tal insolência, que não é digno de ser lido de nenhum sisudo, por sua paixão, sendo digníssimo por seu engenho de que o leiam e decorem os sábios.
Bocalino. Vá-se Ceriziers curar à sua terra de alporcas, e deixe-nos cá emplastar a estoutros pobres e aleijados».
Este diálogo, como quase todos os do Hospital das Letras, levanta alguns problemas, que estão fora do nosso âmbito; testemunha, no entanto, indiscutivelmente, que D.S Francisco leu o livro do P.e René de Ceriziers (n. 1609, 1662): Le Tacite François avec les Reflexions Chrestiennes et Politiques sur la Vie des Rois de France, Paris, 1648 (e 1658).
As duas obras só se aparentam pelo título: Ceriziers parece ter aproveitado tópicos biográficos de alguns reis de França, de «Pharamond a Louis le Juste», para dar largas ao gosto das excursões moralizantes e políticas, com ar solene e eloquente; D.S Francisco pretendeu apenas escrever uma biografia, embora a salpicasse abundantemente de reflexões e juízos sentenciosos. É bem possível que o nosso polígrafo tivesse colhido na floresta do Tacite François a sugestão de algumas das suas tão diletas digressões, mas, se assim foi, fê-lo tão ao de leve e tão dissimuladamente que não deixou vestígios.