9. Anotações histórico-bibliográficas [ao libro de Algebra en Arithmetica y Geometria]

A tradução francesa, existente na Biblioteca Nacional de Paris (ms. 1344, ancien Colbert 4741), foi feita por Guillaume de Rascas, senhor de Bagarris, na diocese de Senez, et Chateauredon, primeiro cônsul d'Aix, e procurador da Provença em 159241. Pertencente a uma velha família provençal, distinta pelo exercício de magistraturas públicas e pela cultura intelectual, na qual parece ter sobressaído o seu segundo filho Pierre Antoine (n. 1562), conservador “des antiques du Roi” e amigo de Nicolas-Claude Fabri de Peiresc (1580-1637), Guillaume de Rascas não deslustrou as tradições familiares. Ignoramos os motivos e circunstâncias que o levaram a empreender a tradução do Libro de Algebra, assim como a preparação científica e linguística com que a empreendeu. Após várias emendas e revisões, como mostra a reprodução junta, De Rascas assentou no seguinte título:

L'Algebre en Aritmetique et Geometrie, composée par le Docteur Pierre Nugnes, maieur cosmographe du Roy de Portugal, Lecteur public et professeur aux Mathematiques en l'Université de Coimbre.

Traduite d'Espagnol en François fidelement & mot a mot, autant que la grace, des Articles, l'energie, l'ordre naturel, ou construction, des mots, des trazes de la langue françoise Pont peu souffrir: mais surtout hors des transpositions extraordinaires, lesquelles sont deriuees en la [?] construction, du latin, aux autres [?] langues vulgaires, plus qu'en la ríte [nostre] françoise.

Dediee au tres chrestien, Grand & Auguste Henry IV Roy de France & de Nauarre.

Par Guilleaume de Rascas S.r de Bagarris gentilhome Prouenceal.

Desconhecemos qualquer data relativa à tradução; é, porém, legítimo conjeturar que De Rascas a tivesse concluído pelos anos de 1594 a 1600, respetivamente o ano da sagração de Henrique IV em Chartres, e o ano da sua morte.

A tradução latina foi feita na Alemanha, cuja cultura matemática e astronómica, especialmente a da escola de Nuremberga, Pedro Nunes acompanhou e teve em alto apreço.

Faz atualmente parte do fundo de manuscritos da Biblioteca da Universidade de Erlangen, e foi descrita por T. C. Irmischer, nos seguintes termos: “(Ms.) 979 —Nonii Pet. Algebra, ex Hispanica utcum que latine jacta. Pap. in 40 530 S. v. I. 1615. Papphd”.

Trata-se de um volume de 528 páginas e mais 4 de título e índice, encadernado em pergaminho, em cuja primeira página o tradutor exarou a data em que iniciou o trabalho —13 Maii 1615 — e na última, a do acabamento: Et si Deus nobis meliorem modum reuelaverit trademus eum in alio libro. Finis absolui 3 Aug. 1615.

Pelos informes que alcançou, Bosmans (1852-1928), e com ele Rodolfo Guimarães, foi levado à conjetura do tradutor ter sido João Pretorius visto Doppelmayr informar na Historiche Nachricht von den Nurnbergischen Mathematicis und Künstlern (Nuremberga, 1730, p. 89) que no seu tempo a Biblioteca de Altdorf conservava entre os papéis deste sábio um manuscrito com a tradução latina do Libro de Algebra, o qual era verosímil que fosse o manuscrito sem indicação de tradutor existente na Biblioteca Universitária de Erlangen. A conjetura de então é hoje certeza, podendo asseverar-se, pelo testemunho de Will-Nopitzsch, no Nürnberger Gelehrtenlexicon, III (1757), p. 230, e pela comparação das letras, que o tradutor foi, na realidade Iohannes Prmtorius — Iohannes Richter (1537-1616) —, o primeiro mestre de matemática em Altdorf, a universidade nuremberguesa precursora da de Erlagen.

Após a morte de João Praetorius, em 1616, o manuscrito passou para as mãos do seu discípulo e sucessor na cátedra de matemáticas da Universidade de Altdorf, Petrus Saxonius (1591-1625), o qual reuniu uma importante livraria matemática. Grande parte desta livraria conserva-se atualmente na Biblioteca de Schweinfurt, constando do Catalogus Librorurn et Instrumentorum Mathematicorum P. Saxonii que ele possuiu os seguintes escritos que nos importam particularmente: a primeira edição do De crepusculis (Lisboa, 1542); a P. Nonii Opera, Basil. 1566, cum uberrimis annotationi bus Y oh Praetorii, e os dois manuscritos in quarto: Petri Nonii liber de erratis Orontii, ex editione Conimbricensi, descriptus a Y oh. Prxtorio, e Algebra P. Nonii Ex Hispanico latine facta manu Yoh. Prxtorii. Hanc translationem multi celeberrimi Viri ante plurimos,annos a Prwtorio expetiverunt, et non ita pridem Witeberg Snellius, qui eam publicare voluit. Item Lucas Brun vehemen ter desideravit.

A valiosa informação desta notícia mostra bem o crédito da obra do nosso compatriota e o interesse que a tradução de Praetorius mereceu, em especial a Wilhelm Snell, bem conhecido astrónomo batávio.

Não obstante, a tradução latina permaneceu inédita, como a tradução francesa, privando consequentemente o Libro de Algebra da divulgação na língua sábia que os demais escritos de Pedro Nunes alcançaram. O fato empeceu a difusão da obra, mas em rigor não obstou a que algumas opiniões e demonstrações algébricas nele expostas fossem nomeadas e, por vezes, discutidas.

Assim, na Flandres, utilizaram-na como fonte o matemático de Bruges, que por mais de um conceito se reporta à obra do nosso matemático, Simão Stevin (1548-1620) no L'Arithmetique De Simon de Bryges: Contenant les computations des nombres Arithmetiques ou vulgaires: Aussi l'algebre, auec les equations de cinc quantitez (Leyde, 1585, 1625 e 1634) e Adrien Romain (1561-1625), de Lovaina, onde ensinou matemáticas e medicina.

Na França, Elie Vinet, no regresso de Portugal, dera a conhecer a existência do manuscrito do Libro de Algebra, pelo menos, como atrás deixamos dito, a Jacques Peletier.

No entanto, a primeira citação direta da obra não parece ter saído da roda do mestre bordelês, pois cabe, porventura, a Guillaume Gosselin, no De arte magna, seu de occulta parte numerorum (Paris, 1577), que incluiu o Libro de Algebra entre os livros que utilizara, declarando (fol. a iiij v) que Pedro Nunes era dos mestres em cujo juízo fiava inteiramente (in cujus verba juravi)". Claudio Gaspar Bachet, na tradução de Diofanto que publicou com o título Arithmeticorum libri sex, et de Numeris multangulis liber unus, escreveu: “Quomodo autem ab his qustionibus formentur supra dictm regul, non pigebit in tyronum gratiam adscribere ipsas etiam tradendo regulas tum eo modo quo communiter absoluntur, tum eo quem tradit Petrus Nonius ad vitandas fractiones, smpe commodo ac denique methodum ipsam Diophanti exhibendo”.

Como observou Martín Escobar, este passo, que transcrevemos do seu artigo, mostra “que además de las regias corrientemente empleadas en aquella época para resolver las ecuaciones, existian las de Núriez más perfectas, cosa que veremos nos otros posteriormente.

 “Esta opinión de Bachet fué combatida por Pietro Cossali" que atribuye toda ia gloria de los primeros progresos dei Algebra a los italianos, pero su criterio es equivocado”.

O português Francisco Sanches, o filósofo famoso do Quod nihil scitur e mestre insigne da Universidade de Toulouse, numa carta a Clávio, mostra que, pelo menos, estava ao corrente da opinião do nosso geómetra acerca do “ângulo de contingencia”; o fato, porém, não prova que tivesse lido diretamente o próprio Libro de Algebra, por ser admissível que conhecesse a opinião indiretamente, pela leitura do comentário de Clávio.

Na Itália, utilizava-o Paolo Bonasoli (século XVI) na álgebra geométrica ", piara resolver algebricamente um problema de geometria.

Neste país, porém, ninguém concorreu tão poderosa e eficazmente para a divulgação de algumas conceções nonianas como o jesuíta alemão Cristóvão Clávio (1538-1612), que em 1556 entrara no Colégio das Artes de Coimbra, então já da Companhia de Jesus. Serão adiante indicadas nas anotações, pelo que somente aludiremos agora à questão do ângulo de contingência e ao fato, notado por Martín Escobar, de Clávio reproduzir as regras das equações expostas no Libro de Algebra, “lo que prueba que para escribir su obra que tan extraordinaria importancia havia de alcanzar, tuvo en consideración la de Núfíez, a quien además cita repetidas veces”.


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Vamos corrigir esse problema