Na Inglaterra sobressai, segundo cremos o famoso lente de Oxford, João Wallis (1616-1703), que no De Algebra Tractatus, historicus et practicus (Anno de 1685 Anglice editus; nunc Auctus Latine [1693]) deixou escrito no cap. XIII, dedicado aos algebristas anteriores a Viète, Leonardo Pisano, Luca Paciolo, Tartalea, Nonio e Bombello, o juízo que a seguir transcrevemos:
“Armo 1567 (nescio an et prius) Pedro Nunes (hoc est, Petrus Nonius, Salaciensis, Matheseos in Conimbra Professor) Algebram suam edidit Hispanice. Dicitque in Epistola prmfixa (anno 1564 scripta) librum illum ah annis 30 scriptum esse (sed non editum) dialecto Portugalica; sed quem ille post recensuit, cumque aliis de ea re scriptoribus contulit, et tandem in dialectum Castilianam (ut communiorem) transtulit, ediditque. Citat ille Lucam de Burgo, ut primum de his rebus scriptorem editum. Cardanum item. Et Tartalex Algebram: In qua non pauca reprehendit. Memorat item Richardum Wentvoorth, Anglum; et Scipionem Ferreum, Bononiensem; et Antonium Mariam Floridum", Venetum; ut harum rerum peritos; (numquid autem de his ediderint, non dicit.) Contentus est (ut reliquiorum plerique).AEquationes Quadraticas (et quw harum similes sunt) exponere: Cubicas non attingit: nisi sub finem, in Tartaleam ea de re advertens”. (Ob. cit., no vol. II, Operum Mathematicorum, Oxoniae, 1693, p. 67).
Em Portugal, finalmente, não abundam, a nosso conhecimento, os fatos justificativos da influência do Libro de Algebra, dos quais, talvez, o mais significativo seja a publicação em 1573 da Practica d'Arismetica... agora nouamenta & com muyta diligencia emendada, por ser manifesto que Gaspar Nicolas, seu autor, mal pode dissimular o que foi buscar ao Libro de Pedro Nunes.
ANOTAÇÕES À DEDICATÓRIA (pp. XII-XV)
A dedicatória do Libro de Algebra foi firmada sendo o cardeal-infante D. Henrique regente do reino (1557-1568) na menoridade de D. Sebastião, fato a que Pedro Nunes alude na derradeira linha desta peça, e assinala o público testemunho de reconhecimento a benemerências do seu antigo aluno.
Como nos demais escritos desta índole, Pedro Nunes consignou, a par de considerações de carácter científico, algumas notícias de feição biográfica, pelo que as dedicatórias se assinalam no conjunto da sua obra pelo valor autobiográfico.
P. XII, 11. 6-8: Depois de 1564, ano desta dedicatória, não é conhecido livro algum, cuja composição Pedro Nunes tivesse iniciado, pelo que a expressão “todollos liuros (...)” se deve referir à bibliografia conhecida e referida nos anteriores volumes destas Obras.
P. XII, 11. 19-28: Nestas linhas Pedro Nunes apresenta três opiniões diferentes sobre a invenção da Algebra:
a) À primeira atribui-lhe origem árabe, considerando que a palavra álgebra “he (...) nome arauigo que significa restauração, porque tirando o sobejo, & restaurando o diminuto, vimos em conhecimento do que buscamos”.
A fonte próxima desta opinião encontra-se na Summa de Arithmetica..., de Luca Pacioli: “Algebra, id est restauratio; Almucabala, id est oppositio”; e a fonte remota procede da Kitâb al-muhtasar fi hisab al-gabr wa-almuqâbala (Sobre o cálculo de al-gabr e al-muqâbala) de Abú Abd Allâh Muhamad B. Músâ Al-Huwârizmi. É neste livro do famoso matemático persa (século IX), oriundo, como o nome indica, de Huwârizmi, atualmente Khïwa, que se filia a origem do termo álgebra no sentido moderno, assim como o início de uma nova fase deste ramo da matemática, pela larga voga, que ele teve durante a Idade Média em traduções latinas, designadamente de Roberto de Retines (Robert of Chester) e de Gerardo de Cremona.
Diz Pedro Nunes, seguindo Luca Pacioli, que “álgebra (...) significa restauração”.
Como esclarecimento do emprego desta palavra cumpre notar que os árabes distinguem a al-gabr, ou al-djebr, na transliteração mais frequente, da al-muqâbala, para designarem, como escreveu Paul Tannery “deux opérations prescrites par Diophante pour amener les équations à une forme canonique; la djebr consistait à faire passer d'un membre dans l'autre tous les termes soustractifs, de façon à n'avoir de chague côté que des termes additifs; la moukabalah consistait à retrancher ensuite de chague membre le plus petit de deux termes semblables de part et d'autre, de façon à n'avoir plus qu'un terme, au plus, de chague espèce, soft d'un côté, soit de l'autre ».
Com a clareza que lhe é habitual, o insigne historiador das ciências exatas esclareceu a natureza das duas operações, que, segundo alguns historiadores, passaram a ser expressas pelo único termo de “álgebra” após o Ragionamento di algebra de Raffaello Canacci (século XIV? século XV?).
De harmonia com a tradição, Pedro Nunes apresenta a noção de “restauração” como nota essencial e originária do conceito de álgebra; porém, Salomon Gandz, nos estudos “The sources of ai Khowârizmi Algebr” e “The origin and development of the quadratic equations in Babylonian, Greek and early Arabic algebra”, publicados na revista Osiris (I, 1933, e III, 1938), nos quais considerou Al-Huwârizmi como intérprete e compilador de uma antiga escola babilónica ou iraniana, que não como inventor, confere-lhe o sentido originário de “equação, confrontação”, porque a seu ver gabr ou gabar seria palavra derivada do babilónio.
Aldo Mieli" observa a este propósito que “los árabes más antiguos nada dicen ai respecto. Solo en el escritor persa Muhammad B. Husayn Bahâ Al-Amili (1547-1621) encontramos que la parte (de la ecuación) que contiene una negación se vuelve completa y se agrega la misma cantidad a ia otra parte, esto es ai-gabr. Las cantidades que son iguales y homogéneas,en ias dos partes se eliminan: esto es al-muqâbala.
“Para comprender mejor esta definición debe recordarse que los árabes (ai contrário de los hindúes) no habían negado a concebir los términos negativos; de ahí que si éstos aparecían en una ecuación, había que restablecer (gabara) ia ecuación que no estaba en orden o era incompleta. También era incompleta la ecuación si había coeficientes fraccionarios, que se eliminaban multiplicando los dos miembros por coeficientes oportunos.
“Otra operación algebraica (pero que se introdujo más tarde) es al-hatt (rebajamiento, disminuición), que consiste en dividir a los dos miembros de una ecuación por un coeficiente,común. Para dar un ejemplo, si partimos de la ecuación
12x2-2-6 x+9=6 x2+18 obtendremos:
por al-gabr 12 x2+9=6x2 +6 x+18
por al-hatt 4 x2+3=2 x2+2 x+ 6
por al-muqâbala 2 x2=2 x+3”.
A redação deste período levou Frei Manuel do Cenáculo, nos Cuidados Literários (p. 60), a admitir que Pedro Nunes sabia árabe; cremos, porém, que a opinião do eruditíssimo prelado eborense não tem fundamento por se tratar de uma explicação etimológica já então vulgar, e que Pedro Nunes encontrou, pelo menos, no passo de Regiomontano abaixo transcrito: Algebra arabico nomine.
b) A segunda opinião deriva-a do apelido Gebre, nome alatinado do matemático árabe Abú Muhammada Gâbir b. Aflah (século XII), natural de Sevilha.
Divulgou-se muito esta opinião, que Clávio ainda transmitiria, como se pode ver no passo transcrito no final desta anotação.
O crédito de Gebre como astrónomo concorreu certamente para a divulgação deste erro.