41. Pelo tema fundamental dos Diálogos de Amor, pela sua própria confissão, Leão Hebreu é platónico; mas dum platonismo que não se furtou à atitude característica dos filósofos israelitas nem à orientação geral dos académicos florentinos. Como judeu, assimilou e integrou no conteúdo da doutrina tradicional elementos novos, por forma que se sob certos aspetos é medieval —, a fé é um saber suficiente, o Moreh Nebuchim de Maimónides é verdadeiramente um Guia, Aristóteles é o Filósofo, a autoridade é um critério da verdade --, por outros é moderno, ou antes do seu tempo, pelas novas fontes da especulação, pelo sincretismo que não distingue a Academia do Liceu, e pela necessidade de novos problemas.
Com os florentinos tem de comum o espírito e a atitude, mas afasta-se pelo abismo da crença e pobreza de erudição. Se Marsílio Ficino empreendeu a conciliação da Academia com o Cristianismo, Leão Hebreu harmoniza-a com o judaísmo; e se João Pico de Mirandola, «não só conde de Concórdia, mas duque, pois reconcilia os judeus com os cristãos, os peripatéticos com os académicos, os gregos com os latinos», como escreveu M. Ficino, pôde assistir, do alto deste sincretismo, à marcha do espírito humano, na conquista da verdade e no caminho do erro, Leão Hebreu, sincrético também, embora menos erudito, atingiu do mesmo modo esta ingénua e doce ilusão.
O seu platonismo, viciado pela influência medieval, cabala e conceitos neoplatónicos, é menos erudito que o da Academia florentina; mas em compensação é mais livre, mais inspirado, bastando-lhe a bem dizer algumas passagens do Banquete para tecer a surpreendente urdidura dos Diálogos, em que o universo é concebido através e pelo amor. Ele próprio possuía consciência deste valor e com orgulho confessava que tinha «confabulato dell'Amore dell'Universo pià universalmente di quello, che fece Platone nel suo Convivio».
Na marcha do espírito universal, os Diálogos marcam apenas um momento dialético do conceito de amor vincado e expresso pelo amor intelectual de Deus. É. esta a contribuição máxima de Leão Hebreu. Para o filósofo de hoje é pouco; mas para o historiador da filosofia é alguma coisa que merece fixar a sua atenção, tanto mais que, além de notar uma conceção filográfica mais ampla que a da Academia Platónica de Florença, assiste à formação e desenvolvimento de conceitos, não de todo alheios à ulterior especulação europeia.
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