Nesta ordem de ideias, distribuiu a matéria por XV capítulos, correspondentes ao seguinte esquema cronológico e topográfico: conceito de Filosofia; da filosofia até Moisés; da filosofia dos antigos hebreus; da filosofia bárbara, ou traditionaria, especialmente nos orientais (caldeus, persas, indianos, chineses, árabes, etíopes, egípcios, etc.), à qual aliás não reconhece carácter filosófico. Ocupa-se a seguir da filosofia grega, distinguindo a filosofia fabularia da filosofia investigada «libere et peracri judicio», na qual separa duas grandes correntes, a jónica e a pitagórica, porque «toda a filosofia helénica dimana de duas fontes, Tales e Pitágoras». Por isso, consagra três capítulos à filosofia grega até Cristo: o V, sobre o período dos mitos teogónicos e cosmogónicos; o VI, sobre a corrente (secta) jónica, na qual compreende sucessivamente, por filiação doutrinal ou docente, as escolas (sectae) jónica propriamente dita, com Tales, Anaximandro, Anaximenes, Anaxágoras, etc.), socrática, megárica, elíaca, cínica, estoica, que «derivou» da anterior porque Zenão de Cítio foi discípulo do cínico Crates, platónica, as académicas — antiga, média e nova — e a aristotélica; e o cap. VI sobre a Secta Itálica onde filia as escolas pitagórica, eleática (elíaca), na qual inclui os atomistas, por Leucipo ter sido «ouvinte» de Zenão de Eleia, e as escolas heraclítea, epicurista, «descendente da escola eleática», e pirrónica, também proveniente «ab eadem Eleatica secta».
Expostas sumariamente, assim, estas escolas, cujas designações tradicionais, topográficas ou onomásticas, Verney manteve, e cuja filiação doutrinal e sucessão baseou em dados biográficos, de escolaridade quase sempre, colhidos sobretudo no livro de Diógenes de Laércio, dedica os dois capítulos seguintes à expansão do helenismo e à filosofia em Roma e no império romano. (Cap. VIII, De progressu Graecae phil. apud alias gentes usque ad Augusti aevum, e IX, De phil. ab Augusti aetate usque ad lapsum Romani imperii in Occidente vergente ad finem V saec).
Trata a seguir, no cap. X, dos Padres da Igreja até ao séc. V, no XI, da filosofia dos cristãos e dos árabes desde o séc. VI até ao X, e no cap. XII, do período que vai do séc. X ao XV, em cujas páginas finais indica as três «idades» da Escolástica -- das origens, nos fins do séc. XI, até S. Tomás de Aquino (meados do séc. XIII), de S. Tomás de Aquino a Durando de Saint Pourçain (meados do séc. XIV), e de Durando a Gabriel Biel (fins do séc. XV) — e caracteriza as respetivas doutrinas sob os pontos de vista da Lógica, da Física, da Metafísica e da Ética.
A filosofia da Renascença é objeto do cap. XIII, versando os dois capítulos finais, respetivamente, a reforma filosófica dos séculos XVII e XVIII, e o XV as correntes filosóficas do seu tempo.
São estes dois capítulos os mais notáveis do nosso primeiro esboço de História da Filosofia. Pode censurar-se o autor por neles ter sido mais apologeta da modernidade que historiador, mas o que perdeu em imparcialidade ganhou-o em originalidade, pois leu e meditou as próprias fontes, ao contrário dos capítulos referentes à Idade Média, sobretudo, nos quais utilizou abundantemente informes de segunda mão. Não desconheceu, é certo, as grandes obras filosóficas da Antiguidade, da patrística e da escolástica, a avaliar pelas citações que delas faz, mas ao redigir as páginas relativas a estes períodos teve sempre ao lado e debaixo de olho repositórios de notícias e alguns livros de história, designadamente o De vitis philosophorum, de Diógenes de Laércio, as Bibliotecas de Fabrício, a História Eclesiástica de Natal Alexandre, o De varia fortuna Aristotelis in Academia Parisiensi de Launoy, e as Histórias da Filosofia de Stanley e de Brucker.
A inovação que Verney acabava de introduzir num livro didático em língua sábia encontrou logo quem a divulgasse na língua comum. Foi o oratoriano Teodoro de Almeida (1722-1804). No Discurso preliminar sobre a História da Filosofia, inserto no vol. I da Recreação Filosófica ou Diálogo sobre a Filosofia Natural, para a instrução de pesosas curiosas que não frequentaram as aulas, cuja 1.a ed. é de 1751, o ano da publicação do Apparatus, e destinado a « prevenir » os leitores com a notícia das « partes em que a Filosofia consta, a divisão das seitas, a multiplicidade das escolas, como também a mudança que tem tido com os tempos, e que como a luz do dia assim tem sido a luz da verdade, saindo de entre as trevas e ilustrando pouco a pouco cada vez mais o orbe literário », não hesitou em confessar que se socorrera do « Brucker, do Launoi e do doutíssimo Verney, que mais que todos nos serviu nesta matéria ».
Nem só Verney e Teodoro de Almeida exprimiram a conceção propedêutica da História da Filosofia, pois vamos encontrá-la, cingida com mais segurança e coerência, na Historiae philosophiae sinopsis e nas Adnotationes historicae que o jesuíta Inácio Monteiro (1724-1812) incorporou no vol. I da Philosophia libera seu eclectica rationalis et mechanica sensuum (Veneza, 1766).
O título programático deste livro exprime a independência de critério na investigação da verdade. Adotando como divisa a sentença augustiniana — Credite Augustino probanti, non Augustino dicenti, Monteiro não se prendeu a um sistema, tanto mais que o seu conceito de Filosofia como « scientia seu cognitio naturalis rerum omnium per suas caussas aut effectus » implicava a substituição da construção metafísica pela indagação científica. O primeiro livro que dera a público havia sido um Compêndio dos Elementos de Matemática (2 vols., Coimbra, 1754) e, desde então, isto é, no alvorecer da maturidade, afeiçoara o espírito à ideia, que a leitura de Descartes, de Newton, de Fontenelle, etc., robustecera, de que a Matemática devia ser o instrumento do pensamento exato, mediante o qual se descobre o caminho do verdadeiro saber científico. Sem o conhecimento da Geometria não é possível penetrar nas modernas ciências da Natureza e na reflexão filosófica, a tal ponto que é a apreensão do seu valor e alcance que separa nitidamente o pensamento moderno dos «tempos da ignorância»
Por isso, mais coerentemente que Verney, e com mais amplo e seguro conhecimento das ciências exatas, considerou o estudo da Geometria e o da História da Filosofia como introdução necessária ao curso filosófico, que repartia em três anos, às quais, de resto, poderia associar-se o estudo da Lógica.
A História da Filosofia, de valor formativo secundário em relação à Geometria, deveria dividir-se em três partes, versando, respetivamente, a primeira, o início, progressos e estado atual da Filosofia, isto é, o conspecto das opiniões e dos erros e as características dos grandes períodos, a segunda, as diversas escolas e seus principais representantes e a terceira, as ideias e invenções, especialmente científicas. A Sinopsis que tem como aditamento uma tábua cronológica, apenas se ocupa das duas primeiras, e como em Verney, ou antes segundo o estilo da época, a classificação das escolas obedece ao critério sistemático, que não histórico-cultural. Assim, reparte a Filosofia grega em duas grandes correntes, Jónica e Itálica (ou pitagórica), incluindo naquela as escolas jónica, propriamente dita, cirenaica, megárica, elíaca, académica, cínica e estoica, e na Itália, a pitagórica, eleática, pirrónica, peripatética, epicurista e eclética (ou eletiva). Caracteriza a filosofia medieval, do século XIII aos meados do século XVII, de peripatética recente, na qual compreende a escolástica cristã e arábica, e na filosofia moderna distingue as escolas cartesiana, atomista (ou gassendista), newtoniana, na qual se ocupa das diferenças entre Descartes e Newton, e o «sistema leibniziano», reduzido por assim dizer à teoria das mónadas.