Introdução à ética de Espinosa

Spinoza ist Hauptpunkt der modernen Philosophie: entweder Spinozismus oder keine Philosophie.

Wenn man anfeingt zu philosophieren, so muss man zuerst Spinozist sein; die Seele muss sich baden in diesem Xther der Einen Substanz, in der alies, was man für wahr gehalten hat, untergegangen ist.

HEGEL

A experiência humana sobrevém num mundo que lhe é dado e cuja construtura e fenomenalidade são o que são; como pensar em ordem a que o Universo se torne racionalmente explicável, o pensamento se adeque plenamente à razão de ser de tudo o que existe e a vida espiritual se converta em fruição da beatitude, ou por outras palavras, em plena compreensão e em inalterável contentamento e paz de consciência? 

Tais são as perguntas capitais a que este Livro procura responder e cujo alcance e íntimo enlace somente se apreendem desde que sejam consideradas como marcos de uma única inquirição, que ao adentrar-se em si mesma se foi transmudando em teoria do ser, em teoria do saber e em teoria do proceder.               

Quase tudo o que saiu da pena de Bento de Espinosa  se endereçou ao esclarecimento destas perguntas, a começar no seu primeiro escrito filosófico, O Korte Verhandeling van God de Mensch en deszelfs Welstand (Tratado Brevesobre Deus, o Homem e sua Felicidade), publicado pela primeira vez em 1862.            

Este livro, de alto préstimo para o estudo da génese do espinosismo e que é anterior às influências que as ideias e o vocabulário de Descartes exerceram no desenvolvimento do pensamento de Espinosa, dá-nos como que o primeiro esboço do que viria a ser a Ethica more geometrico demonstrata, mas só esta proporciona a resposta definitiva, cujo teor ele se esforçou por pensar e exprimir com a mente fria de quem somente aceita por verdadeiro o que a humana compreensão demonstra racionalmente, olhos postos na necessidade lógica da Matemática, mas também com o calor da inquietude emotiva de quem sente apostada na inquirição a pulsação dos mais íntimos anelos e o risco do próprio destino.               

A resposta de Espinosa assinala uma das mais profundas e impressionantes criações do génio filosófico de todos os tempos, que cumpre ser presente a quem queira conhecer a história do pensamento metafísico ou pretenda tomar posição refletida e conscienciosa sobre os problemas de sempre.         

Baruch (hebraico), Benedictus (latino) e Bento (português), não aparecendo nunca a forma castelhana Benito, o apelido, pelo contrário, apresenta-se com as variantes: Spiriosa; d'Spinoza; de Spinoza; despinoza. Nos documentos referentes à família: Despinoza; Espinoza; Spinosa; Espinosa; de Espinosa; de Espinoza; Despinosa; d'Espinose, Spinoza; e na pedra tumular da mãe do filósofo: flana Debora d'Espinoza mulher D Mikael d'Espinoza. Vid. Freudenthal, Die Lebensgeschichte Spinoza.s in Quellenschriften, Urkunden und nichtamtlichen Nachrichten, Lípsia, 1899, p. 111, passim Carl Gebhrardt, Der Name Spinoza, in Chronicon Spinozanum, I, (Haia, 1921), pp. 272-276. 

Sob dois aspetos diferentes pode ser considerada: o epocal e o intemporal.

Pelo primeiro, representa a concreção do pensamento de um homem que viveu em certa época e em determinado meio, sofreu influências várias, desde o endoutrinamento da Sinagoga à assimilação de algumas conceções de pensadores ocidentais, designadamente René Descartes e Thomas Hobbes, e se não furtou, como ninguém pode furtar-se, à conjuntura histórica e às circunstâncias em que lhe foi dado viver.

Pelo aspeto intemporal, é o desenvolvimento de uma intuição do Ser, cuja raiz profunda está para além da historicidade circunstancial, aparentando-se, por exemplo, com o ser essente de Parménides, com o curso eterno da fenomenalidade do Universo, de Heráclito, com a conceção estoica do Universo, com o panteísmo de Plotino e com a ideia da Natureza una e infinita de alguns filósofos da Renascença, especialmente Giordano Bruno, e de uma atitude perante a Vida, que se nutre de anelos e de sentimentos que propendem para o enlevo teopático dos místicos de todos os credos.

Sob o primeiro ponto de vista, estudar Espinosa é compreender uma manifestação característica do pensamento do século XVII e, em especial, a projeção metafísica da então nova conceção mecânica da Natureza, e descobrir alguns impulsos da reflexão ético-política de uma consciência que com ser solitária se não sequestrou ao ambiente social da Holanda; sob o segundo, é tomar contato com uma das possíveis maneiras de conceber o Mundo e a posição do Homem no Universo, cuja articulação conceptual e verbal apresenta em Espinosa correspondência com certos dados da Ciência coetânea, mas cuja estrutura e alcance são trans-históricos, e, portanto, suscetíveis de serem repensados com dados e ilações da Ciência contemporânea, do que deu original testemunho Samuel Alexander, o extraordinário metafísico do Space, Time and Deity (1920).

Por isso, se compreende que Hegel tivesse afirmado que o Espinosismo deve ser a filosofia de quem começa a filosofar, e Bergson tenha escrito que «se Espinosa tivesse vivido antes de Descartes teria escrito, sem dúvida alguma, coisa diversa do que escreveu, mas vivendo e escrevendo, não deixamos de estar certos de que teríamos o espinosismo».

Não é de acesso fácil um pensador que assim se apresenta com uma explicação racional de todas as manifestações da existência e com uma religião metafísica, no belo dizer do Dr. Carl Gebhrardt, — ou por outras palavras, com um sistema em que a filosofia é conhecimento pleno e norma de vida perfeita, isto é, um sistema de conhecimentos demonstrados e de verdades tidas por necessárias, relativas ao Mundo, ao Homem e ao seu lugar e destino no Universo.

As razões da dificuldade são várias, procedendo, umas, da forma como Espinosa exprimiu o pensamento e derivando outras da própria natureza dos problemas e da conexão que entre eles o Filósofo estabeleceu.

A Ética, com efeito, não é um livro de leitura fácil e o que nele há de profundo somente se oferece a quem o procura com esforço de compreensão. Tal como o ser íntimo de Espinosa, de seu natural reservado e suspicaz — Caute, foi a divisa que adotou —, a ponto de um dos seus visitantes, Saint-Évremond (1613-1703), haver dito que ele ne s'est pas décou ert tout d'un coup, assim também a riqueza interior e a vastidão de horizontes da sua filosofia somente começam a avistar-se após r iterada convivência.

A exposição pessoal, com o aparato próprio de um tratado de Geometria, não convida o leitor amimado do nosso tempo; e o primeiro contato com a desenvolução de um pensamento que se esforça por não sair do plano da necessidade, da eternidade e da universalidade, gera em mentes apressadas e afeitas ao impressionismo das aparências a sensação de uma filosofia árida, gélida e até inumana.

A primeira dificuldade procede, pois, da forma expositiva, mas esta dificuldade é puramente exterior, e até deixa de ser dificuldade para se tornar em atrativo desde que o leitor preze a concisão e considere que o rigor deve ser a norma de toda e qualquer expressão verbal.

A segunda dificuldade é bem mais complexa e custosa de vencer, pois consiste em descobrir o sentido profundo das palavras e a intuição que subjaz à construção do sistema, ou dito de outra maneira, em apreender o ser real e vivente, a inquietude e a certeza, o encadeamento lógico e a evasão afetiva, sob a enfiada dos axiomas, das definições, das proposições ou teoremas, das demonstrações, dos lemas e dos escólios.


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