Livros de D. Manuel II- Manuscritos, Incunábulos, Edições Quinhentistas, Camoniana e Estudos de Consulta Bibliográfica

A seu ver, “a literatura portuguesa tem no século XVI a sua idade de ouro”; por isso, com desvanecimento de bibliófilo e com orgulho de português, reuniu e desejou ocupar-se dos “livros dessa época brilhante”, entre eles, as “obras de humanistas como Aires Barbosa, André de Resende, Jorge Coelho, Diogo de Teive; depois as crónicas de Resende, 1545 e 1554, e de Damião de Góis, 1566 e 1567, as Décadas de João de Barros, 1552, 1553 e 1563, e a História da India de Fernão Lopes de Castanheda, 1551; no longo rol, seguem-se livros raríssimos, como a Cronica do Emperador Clarimundo de João de Barros, 1555, o Livro Primeiro do Cerco de Diu de Lopo de Sousa Coutinho, 1556, os Comentarios de Afonso Dalboquerque, 1557, o Itinerário de António Tenreiro, 1560, a Embaixada do Patriarca dõ João Bermudez, 1565, o Tractado da China de Fr. Gaspar da Cruz, 1570, e a valiosíssima coleção das Cartas dos Padres da Companhia de Jesus escritas da Índia, da China e do Japão, impressas em 1562, 1565, 1570, que demonstram a obra admirável dos Jesuítas no Oriente; veremos também dois livros impressos em Goa, os Colóquios dos Simples e Drogas da índia, do célebre Garcia da Orta, 1563, e O Primeiro Concílio de Goa, 1565, e um— verdadeira relíquia— impresso no Japão e em japonês, mas com o título em Português, o Guia do Pecador, estampado em Amacusa pelos Jesuítas em 1599! Mostraremos igualmente quatro livros escritos em Português, mas publicados fora do País: a Consolacam as Tribulacoens de Israel de Samuel Usque, 1553 —certamente um dos livros mais raros que possuímos — impresso em Ferrara, a Hystoria de Menina e Moca (sic) de Bernardim Ribeiro, estampada em Colónia em 1559, as Horas de Nossa Senhora Romaans En Lingoaiem Portugues, impressas em Paris, e a Practica d'Arismetica de Gaspar Nicolas, publicada em Anvers em 1573. Além dos trabalhos de cientistas como Pedro Nunes e António Luís, esperamos apresentar as obras do nosso genial dramaturgo Gil Vicente, impressas em 1562, a preciosa edição de 1587 dos Autos de António Prestes e Luís de Camões, as obras de Sá de Miranda, 1595, os Poemas Lusitanos de António Ferreira, 1598, e finalmente, para terminar esta lista, as edições dos Lusíadas de 1572, 1584, 1591, 1597, e as das Rythmas de 1595 e 1598, do nosso imortal Camões”.

Este admirável programa, que viria a ser altamente prestante pelo amor da exatidão e pelo gosto da minúcia que D. Manuel se esmerava em deixar bem patente nos seus escritos bibliográficos, não foi além das primícias, interrompido abrupta e prematuramente pela morte. A continuidade e aplicação do estudo é possível que lhe abrissem perspetivas novas, porque só quem não trabalha com escrúpulo é que não sente a cada momento a necessidade das revisões e a deslocação do horizonte e das metas, quando não o descalabro das construções amorosamente arquitetadas e severamente empreendidas. Não obstante, creio que perseveraria no desiderato e que continuaria a dizer com a sinceridade de quem estuda para si, pelo gosto de saber, sem a toleima de fazer do que escreve uma exibição de vaidade e de pedantaria, que o não movia a pretensão de “ensinar ninguém; tratámos apenas de aprender nós mesmos, confessou, para poder mostrar ao público em geral o que foi a produção literária e científica da nossa Renascença”.

Dos monarcas que de algum modo presidiram à gesta dos acontecimentos que conferiram significação universal à nossa História, foi para o reinado do Venturoso que dirigiu especialmente o seu apreço e a sua afeição. Depois de Vós Nós, foi a divisa do ex-libris de D. Manuel II, de intenção densamente expressiva. Reconheceu os méritos de D. João II e de D. João III, a cujas memórias procurou arrancar o espinho de certas críticas contemporâneas, mas só o Venturoso lhe mereceu esta página, que é como que o anúncio e o programa da obra que desejaria dedicar-lhe:

“D. Manuel foi o Rei Venturoso que colheu os frutos semeados durante outros reinados, mas o Senhor da Esfera pôde realizar essa abundantíssima colheita, porque manteve a continuidade da empresa, da mesma forma que os seus predecessores a haviam mantido. D. Manuel, no reinado de quem Portugal chegou ao ponto culminante do seu triunfo, foi um Príncipe da Renascença, mas de uma Renascença especial, ampliada pelos feitos Portugueses no Oriente. D. Manuel cônscio do poderio Português, sabia, com grandeza, não só desempenhar o seu papel de Rei numa época de cultura e de desenvolvimento das letras e das artes, mas de Senhor de um Império colossal. A sua história está por fazer, pois para as que têm sido escritas — não falamos das Crónicas— usou-se mais peçonha do que tinta. A admiração — respeitabilíssima quando sincera— pelo Príncipe Perfeito tem cegado muitos autores na sua apreciação de D. Manuel. Não é nesta Introdução que faríamos -- se pudéssemos— a história do Venturoso; mas estamos convencidos que D. Manuel não só continuou a política de D. João II, mas foi um colaborador do Príncipe Perfeito, pois tudo nos leva a crer que o seu casamento com a infanta D. Isabel, viúva do Príncipe D. Afonso, filho de D. João, deve ter sido projetado ainda em vida de El-Rei D. João, para que o sonho dourado do Homem viesse a ser uma realidade. Mas a morte do infante D. Miguel e de sua mãe D. Isabel —altos desígnios de Deus— inutilizou o ideal de D. João, adotado e seguido por D. Manuel. Critica-se também a ostentação do Venturoso, a sua Pompa, as suas sumptuosas Embaixadas, o brilho da sua Corte; mas D. Manuel era um dos Reis mais poderosos do Mundo, envolto no excecional  prestígio criado pelas façanhas Portuguesas. Era o Rei “de tal gente”, que levando a cabo a sublime Aventura, lhe alcançou o cognome de Venturoso. A par dessa glória, havia a riqueza, o ouro, as especiarias, os produtos do Oriente cobiçado, e o seu luxo, que não podiam deixar de influir na vida da nação. D. Manuel representava a Renascença Portuguesa, fortemente inspirada pelas vitórias do Oriente: o gosto da ostentação, e já existia nos países do Sul —talvez resto do domínio Árabe— deve ter aumentado após o estabelecimento das comunicações marítimas com o Oriente. E não vemos esse espírito de ostentação nas Cortes de Henrique VIII de Inglaterra, de Francisco I de França, do Imperador Maximiliano e do Papa Leão X, que não tinham os mesmos motivos que D. Manuel para fazerem alarde da sua riqueza? O Venturoso conhecia os tempos em que vivia, e a sua célebre Embaixada a Leão X demonstrou a habilidade do Rei de Portugal pois assombrou, não só a Cidade Eterna, mas a Europa inteira. Era a Embaixada de um Rei que tendo sulcado, sob a Cruz de Cristo, “os mares nunca dantes navegados”, se tornara Senhor da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e índia, e, com soberana grandeza, enviava ao Vigário de Cristo a obediência do seu Império! Leão X, João de Médicis, Príncipe da Renascença Italiana, deve ter avaliado o que era a Renascença Portuguesa.

“Não podemos, nem queremos, comparar o Venturoso ao Príncipe Perfeito, porque não são comparáveis: eram duas mentalidades inteiramente diferentes. D. Manuel, apesar de ter sido o sucessor de D. João, reinou, pela força das circunstâncias, numa época cujas condições eram totalmente diversas, pois, segundo a frase pitoresca de Valentim Fernandes (Marco Paulo, “epístola” dirigida a D. Manuel), aconteceu a D. João como a Moysés, “"q tantos annos tinha trabalhado pera entrar em a terra da promissam. & em fim do monte Nebo olhou pera ella & a vyo”. O descobrimento da via marítima do Oriente revolucionou as condições económicas da Europa: esse acontecimento alterava, por consequência, a política da nação. D. Manuel seguiu o caminho traçado por D. João II: o casamento com a herdeira dos Reis Católicos, e a continuidade da empresa”.


?>
Vamos corrigir esse problema