1. Antero de Quental

O século XIX foi um grande século em Portugal; depois do século XVI nenhum outro se lhe compara, a meu ver, na pujança intelectual, no culto de nobres ideais, na multiplicidade de realizações. Foi um século de poetas, romancistas, historiadores, sábios, políticos, administradores, e em todas estas manifestações do engenho e da atividade, que exuberância e que inovações! O seu legado é imenso; bastariam, porém, a constituição científica da história, ou por outras palavras, a consciência reflexiva da vida nacional, o advento da eloquência parlamentar e do jornalismo, criações e baluartes da liberdade política, que só nascem e crescem num povo de cidadãos, e o culto dos sentimentos generosos, que elevam e transportam, o patriotismo, o respeito da mulher, o carinho pelos fracos, o amor da independência individual e coletiva, para que ele merecesse sempre a nossa veneração.

Foi um século que acreditou no ideal, e por ele lutou; mas por singular insatisfação foi também o século, sobretudo na segunda metade, que sofreu do desencanto das coisas e se deteve no abismo entre o senso das realidades e a sedução do ideal. O desencanto, que foi a doença do século, fez a sua aparição com Herculano, o homem íntegro, lutador, cuja velhice conheceu talvez a amargura da desilusão, mas foi a geração da segunda metade do século, Antero, Oliveira Martins, Eça de Queirós, que, desapegando-se do passado e demolindo-o, rindo e troçando, amando outros ideais, mas incapaz de os realizar, viveu na sensação da derrota e nos legou uma mensagem de angústia e de tristeza.

Nenhum, porém, como Antero de Quental.

A sua vida é uma sucessão de itinerários, em demanda de ideais de permanência, jamais logrados. Procura-os na religião, na arte, na filosofia, e não os encontra; é homem de ação, tão resoluto e coerente que se faz tipógrafo em Paris para que o seu socialismo tivesse a sagração do trabalho, e pouco depois, em Vila do Conde, leva a vida de um santo laico, resignado, indiferente à ação, quase um budista.

A sua musa inquieta e insatisfeita não canta a natureza, nem o lirismo ingénuo e sentimental; não se confinou em escolas literárias, nem se prendeu a temas nacionais. A filosofia da vida foi o seu alvo, o universalismo, a lei do seu pensamento; por isso, os seus Sonetos são o drama de uma inteligência que busca ardentemente o sentido das coisas e da vida, isto é, como disse admiravelmente Eça de Queirós, “o sumo poético duma agonia filosófica”.

Antero foi um espírito que se renovou incessantemente e jamais se deixou cristalizar num ideário; do príncipe da mocidade, que ele fora no tempo de Coimbra, exuberante de vida, à resignação, senão apatia, dos derradeiros dias, que mutações de ideais, que sucessão de crises interiores! Procurará em vão, aquele que pedir a Antero certezas. Ele só dá inquietudes, angústias, insatisfação, mas não é a insatisfação o mais nobre predicado do Homem?

Por isso, Antero, único em toda a literatura portuguesa, foi do seu tempo, é de hoje, é de amanhã. A sua poesia gera o desalento, e sem certezas não se vive; mas desperta a inquietude, descobre em cada um o que entorpece e encadeia o eu profundo, e sem a consciência da dor, do que exalta e deprime, a vida não alcança plenitude nem sentido.

Recordar Antero no aniversário do seu nascimento é dever dos educadores; fazê-lo compreender e amar é obrigação dos que desejam que a sociedade portuguesa não decaia na cegueira e no conformismo.


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