Sobre o lugar de origem dos antepassados de Baruch de Espinosa

Pierre Bayle num artigo célebre do estupendo Dictionnaire Historique et Critique confessou que «je n'ai pu aprendre rien de particulier touchant la famille de Spinoza; mais on a lieu de croire qu'elle étoit pauvre et très-peu considerable». O sagacíssimo e incansável trabalhador escrevia em 1702, isto é, trinta e cinco anos depois da morte de Espinosa, e hoje, volvidas há muito duas centúrias, este problema, secundário perante o génio de Espinosa, o universalismo da sua posição e o eflúvio moral da sua vida e da sua filosofia, pode dizer-se que persiste sem uma resposta clara. A humanitas seu modestia e o desprezo do efémero apagaram os passos deste incomparável meditador no trânsito pela vida; e se alguma vez imaginou 'que a curiosidade erudita os procuraria recompor, sem dúvida sorriu intimamente e com indulgência a relegou para o domínio das superstições, quer o vituperasse como Maledictus, quer o exaltasse como Benedictus… 

E não obstante o assunto impôs-se-nos, e ao retomá-lo após tantos investigadores fazemo-lo sem sombra de espírito nacionalista - limitação sinónima de incompreensão do espinosismo —, mas com ânimo reverente à memória da mestra insigne — D. Carolina Michaëlis de Vasconcellos —, ao seu magistério, à sua erudição, ao seu profundo amor do logos.               

Os mais antigos biógrafos de Baruch de Espinosa, Jean Maximilien Lucas e o pastor Johann Kõhler (Colerus), coincidem em afirmar que descende de israelitas portugueses estabelecidos em Amesterdão.           

Lucas, cuja Vie de feu monsieur de Spinoza foi redigida entre 1677, pouco depois da morte do filósofo (21 de Fevereiro deste ano), e 1688, assevera que o pai de Espinosa «etoit Juif et Portugais» e que seu filho era versado no hebreu, no italiano e no espanhol, «sans parler de l'Allemand, du Flamend, et du Portugais, qui etoient ses langues naturelles».

Colerus, cuja biografia concorreu em grande parte para popularizar o nome do Filósofo, designadamente em Portugal, pois os esbocetos de António Ribeiro dos Santos e de José Agostinho de Macedo assim como o artigo de Inocêncio Francisco da Silva procedem desta narração sugestiva e comunicativa, apresenta-o também como descendente de honrados judeus portugueses, os quais viviam com certa largueza, habitando uma linda casa, onde tinham o seu comércio, no Burgwall, perto da velha Sinagoga portuguesa.

Estes testemunhos são inteiramente dignos de crédito: Lucas conheceu Espinosa, e Colerus, embora considerasse abomináveis as ideias do filósofo, diligenciou informar-se com equanimidade, ouvindo, designadamente, os moradores da casa do Paviljoensgracht, na Haia, onde Espinosa habitou, concluiu a Ética e morreu, e com os quais se entretinha frequentemente. E não só dignos de crédito, senão também fundamentais, dada a ausência de elementos autobiográficos acerca deste ponto particular.

Graetz, o sábio historiador dos Judeus, interpretando à letra a passagem da Epístola 76 (a Alberto Burgh, 1676), na qual Espinosa escreve: «ipse enim inter alios quendam Judam, quem fidum appellant, novi, qui in mediis flammis, cum jam mortuus crederetur, hymnum, qui incipit. Tibi Deus animam meam offero, canere incepit, et in medio canto exspiravit», supôs que o filósofo nascera em Valhadolid, visto referir-se a Juda el fido, de seu nome de batismo Lope de Vera y Alarcon, queimado vivo em 15 de Julho de 1644, em Valhadolid, por judaizante.

Neste texto Espinosa parece dizer que assistiu ao auto-da-fé; e sabendo-se, demais, que em Valhadolid vivia no século XVII uma família Espinosa, designadamente Pedro de Espinosa, compilador da antologia Primera parte de las flores de poetas ilustres en España (Valhadolid, 1605) ", a suposição de Graetz apresentava-se com aparência de verosimilhança.

Aparência apenas, pois é um facto indiscutível, pelo testemunho de Lucas, Colerus e dos documentos que referiremos em breve, o nascimento de Espinosa em Amesterdão. O texto da epístola carece assim, de uma interpretação, a qual, como é óbvio, terá de basear-se no sentido que se atribuir a novi. Se considerarmos novi sinónimo de conheci, impõem-se duas hipóteses igualmente falsas: Espinosa fez uma viagem a Espanha, durante a qual conheceu Juda el f ido, se não assistiu ao próprio auto-da-fé, ou Juda el fido esteve em Amesterdão, onde Espinosa o teria conhecido. Nenhuma destas hipóteses tem confirmação documental, e por outro lado ambas supõem o conhecimento de Juda antes dos 12 anos, pois Espinosa nasceu em 1632 e o auto-da-fé realizou-se em 1644.

Num caso estaríamos perante uma evocação verdadeiramente extraordinária; noutra, perante a referência a um conhecimento ulterior, de outiva ou leitura. Sem recorrer à hipótese forçada de uma viagem, a não ser a que a leitura proporciona na quietude do gabinete, todas as dúvidas se dissipam desde que consideremos novi na aceção de soube (teve conhecimento de alguma coisa). Logicamente coerente, esta aceção impõe-se tanto mais irresistivelmente quanto é certo que podemos determinar a fonte onde Espinosa colheu a notícia: a Esperança de Israel [Amesterdão, 5410 (1650)], de Menasseh ben Israel.

Espinosa possuía este livro, como veremos, e nas páginas em que Menasseh descreve «o monstro horrendo de la Inquisiçión de España» e exalta a inquebrantável constância no «santificamiento del nombre del Serior bendito», encontrou o relato do martírio do franciscano Frei Diogo da Assunção e de Lope de Vera.

«Testigos son de lo que digo, muchos de los que aun oy viuen.

En el año de 1603, en mi patria Lixboa, fue quemado vivo frey Diogo da Asunção, fraile religioso, y doctissimo, de edad de 24 años, cuya sentencia y articulos que en la inquisicion sostentó, contra muchos (que por ser de nacimiento christiano, procuraron reduzir-le), tengo en mi poder. Assombró aquello el mundo, y los Inquisidores arrependidos de publicar las conclusiones que mantenia, mandaron recoger la sentencia, pero fue tarde, que estava ya divulgada por todo el mundo.

LXIV.

Que encomios avra juntamente que igualen a los meritos y Martirio de don Lope de Vera y Alarcon? Era noble, de casa illustre en Espafía, doctissimo en las letras Hebreas, y Latinas. Abraça nuestra religion, y no contento consigo, comunica este bien a muchos, que el bien es tanto mayor, cuanto mas comunicado. Prendenle en Valladolid afio 1644. y a los 20. suyos, breve edad para tan largo ingenio: pero alli entre aquella escuridad de la prision, empieça a dar luz a muchos. Grande era el concurso de los letrados, grande la aflicion de los padres, pero ni los genitores, ni las promessas de las vanas glorias, bastaron a moverle un punto de su proposito. Circuncidasse dentro a si mismo, hazaña milagrosa; llamasse Iehuda creyente, y desde aquel punto, no se firma mas de otro nombre. Llega el dia felice de su gloria a 25. de Julho, y como otro Jshak, alacre, y con animo alegre e invensible, se ofrece al fuego, despreciando de 25 años, vida, hazienda, y honra, por aquella vida immortal, bienes estables, y fama sempiterna.»  

Toda a aparência autobiográfica da alusão a Lope de Vera se dissolve perante este texto.        

Espinosa nunca saiu da Holanda, acompanhando e sentindo como nacional as vicissitudes políticas da pátria de nascimento.               

O hebreu, o latim e o holandês foram sem dúvida os instrumentos da sua formação filosófica e científica; mas temos por certo que a língua familiar da puerícia e adolescência foi o português. Seu pai, era, como tudo indica e em breve mostraremos, um emigrado de Portugal; e se é certo ignorarmos a nacionalidade de sua mãe Debora — não sendo aliás inverosímil atribuir-lhe ascendência portuguesa —, a qual faleceu na meninice de Baruch (5 anos?), sabemos que a madrasta, Ester de Espinosa, era natural de Lisboa e o educou a partir dos 6 anos.        

Sem dúvida alguma o holandês não foi a língua materna ou familiar de Espinosa. E não o foi, porque ele próprio o confessou, pois escrevendo nesta língua a Guilherme de Blyenbergh manifestava-lhe o desejo de usar a linguagem que a sua educação lhe tornara familiar para melhor  exprimir o seu pensamento: Ik wenschte wel dat ik in de taal, waar mee ik op gebrocht ben, mocht Schryven (Epístola XIX, de 5 de Janeiro de1665).         

Não foi apenas no meio familiar que o jovem Baruch praticou o português, porque no seio da comunidade israelita de Amesterdão, «a língua portuguesa perdurou durante largo período, não só como a língua usada pelos literatos e homens cultos, mas ainda no seio das famílias como a língua própria e habitual. Nos livros, como nos seus cartões para não importa que convite de festa ou de cerimónia, nas inscrições epigráficas dos seus monumentos tumulares, a língua que empregavam era, de facto, a portuguesa».

Nas lápides tumulares do cemitério de Ouderkerk, nas participações de casamento, nas resoluções e avisos da comunidade, nos sermões, nas numerosas apologias do Judaísmo e nos escritos destinados a fortalecer a fé dos emigrados empregava-se comummente a língua portuguesa, e foi em português, que não castelhano, que em 1656 Espinosa foi posto em Herem pelos «senhores de Mahamad», nessa sentença que se não lê sem um estremecimento de horror.

As Ascamoth pelas quais será governado o Kahal Kados de Talmud Tora de Amesterdão, que Deus aumente recopiladas e recolhidas de todas as que havia na Nação (1638), são redigidas em português. No artigo terceiro expressamente se declara que «A congregação faz-se para os Judeus da Nação Portuguesa e Espanhola que estão ou venham a estar em Amesterdão», e ao fixar o quadro de estudos, mestres e respetivos salários (artigo 22), diz-se de Abraham Baruch que «para o ofício de Hazan, ensinara a Parassa em Ladino».

Foi esta a única escola que Baruch de Espinosa frequentou e na qual tudo leva a crer que a linguagem vulgar fosse a portuguesa, quer pela maioria dos escolares, quer pelos próprios mestres, designadamente Abraham Baruch, Joseph de Faro e Menasseh ben Israel. No entanto, apesar do predomínio dos judeus portugueses, à comunidade de Amesterdão chegara também a ascendência literária do castelhano. Os emigrados lusitanos mais esclarecidos escreviam indiferentemente as duas línguas peninsulares, e quando redigiam em português, como Samuel da Silva, no Tratado da Imortalidade da Alma (1623), não raro desfiguravam a redação com abundantes castelhanismos.

Por isso não surpreende que Espinosa, para quem o português foi, como fundadamente supomos, a língua familiar e da escolaridade, aprendesse também o castelhano, tão cultivado pelos literatos da Nova Jerusalém, e o considerasse como a língua das horas de desenfado e de prazer literário.

A sua obra não nos transmite um eco do distante Portugal, mas o inventário da sua livraria e uma velada referência a Gôngora, na Ética, revelam claramente que conheceu e apreciou a literatura castelhana do seu tempo.

Nos 161 livros inventariados nove ou dez dias (2 de Março de 1677) depois da sua morte não aparece um único em português, e no entanto contamos 16 em castelhano, três dicionários e uma Voyage en Espagne (1666). Dificuldade em os obter? E possível, porque é legítimo supor que estes livros castelhanos lhe chegaram às mãos por intermédio do menonita Pieter Balling, agente em Amesterdão de comerciantes espanhóis, teólogo e tradutor para holandês (1664) dos Princípios da Filosofia, de Descartes, e com quem Espinosa tratava em castelhano.

Nessa escolhida biblioteca hispânica contavam-se, além do Comentário de Bento Pereira in Danielem (1602) (102) e Biblia en lingua española v. t. (11), os seguintes escritores: Luís de Gôngora, Todas las obras de Gongora, Madrid, 1633 (63) e Obras de Gongora (161), sem indicação de lugar e data; Francisco de Quevedo y Villegas, Obras de Quevedo, vol. 2, Bruxelas, 1660 (36) e Poesias de Quevedo, 1661 (aliás, 1669) (37); Miguel de Cervantes, Novellas Exemplares de Saavedra (97); Baltazar Gracián, El Criticón, vol. 3 (115); Diego de Saavedra Fajardo, Corona Gothica Hisp. [castellana y austríaca politicamente ilustrada en 3 vols., Madrid], 1658 (50); Juan Perez de Montalvan, Comedia famosa del Perez de Montalvan (65), (não identificável); Lope de Vega, Obra devota. La cuna (152) ; Las Obras de Perez. 1644. Apenas 3 portugueses, israelitas, figuram na sua livraria, e esses mesmo em castelhano: Leão Hebreu [Iehuda Abarbanel], Leon Ababbanel Dialogos de Amor (48);

Menasseh ben Israel, Ben Israel Esperança de Israel (118) e o poeta João Pinto Delgado, Pinto Delgado Poema de la Reyna Ester (108).       

Ao silêncio de Espinosa sobre Portugal corresponde o dos portugueses seus contemporâneos, nados e fiéis ao Catolicismo, em relação à família, à pessoa e às ideias do Filósofo.  

Os documentos até hoje publicados e alguns inéditos são inteiramente mudos. Assim, as correspondências dos embaixadores de Portugal na Holanda, Francisco de Sousa Coutinho (14 de Julho de 1643 — fins de 1650) e Francisco de Melo (1667-1670). Sousa Coutinho, cujas necessidades de ação diplomática o aproximaram de alguns judeus portugueses, nada nos diz na já larga parte impressa do seu epistolário oficial acerca de Espinosa; e sobre o filósofo guarda o mesmo silêncio a correspondência de Francisco de Melo, que na Haia, e mais tarde em Londres, conviveu com Saint-Évremond, o primeiro francês que se interessou por Espinosa, e em cuja filosofia encontrou a justificação da sua libertinagem intelectual.        

A comemoração do segundo centenário da morte de Espinosa, sagrada pelo discurso de Renan tanto ou mais perduravelmente do que com a ereção da estátua no Pavillionsgracht, iniciou o que pode chamar-se a terceira fase da história do espinosismo.

Data de então a exploração sistemática dos arquivos, e com ela a profunda revisão crítica da biografia, bibliografia, e das fontes ideológicas de Espinosa, a qual tanto ilustrou os nomes de Kuno Fischer, Freudenthal, Delbos, Meinsma, W. Meijer e ilustra os de Pollock, Höffding, Dunin-Borkowsky, Brunschwicg, Leon Roth e Carl Gebhardt, o eruditíssimo e infatigável animador dos estudos espinosanos. Na delimitação precisa do nosso objetivo, desta grande massa de factos e de juízos interessa-nos apenas o que pode esclarecer-nos acerca da família do filósofo.

Os mais antigos biógrafos, como vimos, pouco dizem. Colerus, o mais explícito, refere apenas que tivera duas irmãs, Rebeca e Miriam, e que esta, a mais nova, casara com Samuel Carceres, judeu português, e lhe dera um sobrinho, Daniel Carceres, o qual se apresentou, com sua tia Rebeca, como herdeiro do espólio do Filósofo. Omitindo por secundário o que a literatura espinosista dos séculos XVII, XVIII e primeira metade do século XIX aditou, chegamos às investigações notáveis de Meinsma, Freudentha, Dunin-Borkowsky e ao Chronicon Spinozanum.

Por essas investigações, sistematizadas até 1899 por Freudenthal na Lebensgeschite Spinoza's, conjugadas com as indicações de Colerus e em 1921 expressamente documentadas por Willelm Meijer, sabemos que seu pai fora o comerciante Michael de Espinosa, cuja existência em Amesterdão é certificada desde fins de 1623 até 28 de Março de 1654, data do seu falecimento. Os factos conhecidos, escassos e secos para uma biografia, são em todo o caso suficientes para o seguinte quadro cronológico:

1623, 3 de Dezembro — Morre um filho de Micael de Espinosa. (Freudenthal, Lebensgesch. cit., p. 108).

1624, 29 de Abril — É sepultado um abortício de Micael, de nome David Israel de Espinosa. (Freudenthal, ob. cit., p. 109).

1627, 21 de Fevereiro — Falecimento de Rachel Espinosa, esposa de Micael Espinosa. (Freudenthal, ob. cit., p. 110).

1628 (?) — Micael consorcia-se com Hanna Debora Espinosa, mãe de Baruch. (Segundo Meinsma, Hana Debora pertencia à família Espinosa, porventura parenta de Micael: «denn die Puyboecken (Standesamtsbücher) geben in gleichen Fällen immer den Familiennamen der Frau», ob. cit., p. 154, nota 2).

1629 — Nasce Miriam Espinosa, filha de Micael. Prova-se pelo registo do seu casamento, que adiante transcreveremos.

1632, 24 de Novembro — Nasce Baruch (Bento, Benedictus), o desejado.

1633 — Micael faz parte, como Parnassim, do Mahamad que administra as três congregações reunidas — Beth Iahacob, Neve Salom e Beth Israel — dos judeus da nação portuguesa e espanhola, estantes em Amesterdão. (Freudenthal, ob. cit., p. 111 e Mendes dos Remédios, Os Judeus Portugueses, cit., pp. 17 e 189).

1637-1638 — Micael faz parte do conselho de administradores. (Freudenthal, ob. cit., p. 111).

1638, 5 de Novembro — Falecimento de Hana Debora de Espinosa, esposa de Micael e mãe de Baruch. (Freudenthal, ob. cit., p. 111).

1641, 11 de Abril — Micael de Espinosa de Viguere (?), viúvo de Hana Debora, morador no Vloyenburgh, apregoa o seu casamento com Hester de Spinosa, de Lisboa, de cerca de 40 anos, de pais falecidos, vivendo com sua irmã Margreta Fernand no Vloyenburgh. (Ver doc. fac-símile I. Freudenthal, ob. cit., p. 111).

1641, 28 de Abril — Micael de Espinosa, de Vidigueira, realiza o seu terceiro casamento, em Amesterdão, com Hester de Espinosa, de Lisboa. (Dunin-Borkowsky, ob. cit., p. 84. Ver doc. fac-símile II. Meinsma supõe que Ester era irmã de Hanna Debora, o que é verosímil, ob. cit., p. 154).

1642-1643 — Micael é um dos Párnassim da comunidade de Amesterdão. (Freudenthal, ob. cit., p. 112).

1649 — É sepultado um filho de Micael de nome Isaac. (Freudenthal, ob. cit., p. 112). — Micael faz parte do «Parnassim do Mahamad em Rosanna de Ano 5410». (Freudenthal, ob. cit., p. 112).

1650, 2 de Junho — Micael dá o consentimento para o consórcio de sua filha Miriam Espinosa, de Amesterdão, de 21 anos, com Samuel de Caceres (ou Carceres), de 22 anos. O consórcio realiza-se neste dia, em Amesterdão, e a ele assistiu a madrasta de Miriam, Ester Espinosa. (Freudenthal, ob. cit., p. 112. O documento, segundo Meinsma e Freudenthal, está redigido nestes termos: «Compareerden als voren Samuel de Caseres, out 22 laar, geen ouders hebbende, studiosus, wonende Batavierstraat, en Mariam Spinoza van A(msterdam), out 21 Iaer, noch en vater hebbende; voont als vooren. Geassisteerd met haer stiefmoeder Ester Spinosa. Samuel de Casseres. Michael d'Espinose de vader (heeft) geconsenteerd in desen huwelycke». Miriam faleceu em 1651. (Freudenthal, ob. cit., p. 113). Este cunhado de Espinosa não será o Samuel de Casseres, autor de um Sermão pregado por... Nas exéqiuas do muito eminente H. H. R. Saul Levi Morteira. Neste K. K. de Amsterdam, noticiado por Mendes dos Remédios, ob. cit., p. 72 e existente em manuscrito [na Biblioteca do Seminário Israelita de Amesterdão]).

1650— Menasseh ben Israel dedica dentre outras pessoas, a Micael, a Esperanza de Israel.    

1650-1651 — Micael é administrador «do empréstimo de Ano de 5411». (Freudenthal, ob. cit., p. 112).           

1652, 24 de Outubro — Falecimento de Ester de Espinosa, esposa de Micael de Espinosa. (Freudenthal, ob. cit., p. 113).               

1654, 28 de Março — «S[epultura] do bem-aventurado Micael D'Espinoza que f.° em 10 D Nisan A.° 5414». (Freudenthal, ob. cit., p. 113).               

Nesta documentação fixar-nos-emos exclusivamente sobre os dois documentos referentes à naturalidade de Micael de Espinosa. Meinsma, ao publicar pela primeira vez (1896) o anúncio do terceiro casamento de Micael de Espinosa (fac-símile I) lera Michael de Espinose van Viugère, interpretando esta confusa indicação como Figueira. E acrescentava em nota: Nach dem «Trauregister im Stadthaus», dort steht Michael vermeldet als geboren in «Vieiger». Da alie Biographen ihn einen portugiesischen Juden nennen, wird wohl niemand meine Annahme bezweifeln; dass es der Name des Städtchens Figueira und keine anderer ist, den die Schreiber bei dem Register so unbanneherzig verstümmelten.             

Era uma interpretação coerente, por ser possível que o funcionário ou o escrevente, ao ouvirem pronunciar Figueira, transpusessem para a grafia dos sons correspondentes no holandês a palavra exótica e portanto escrevessem V por F. Plausível a hipótese, a despeito da grafia correta do nome de Margreta Fernand, contida no mesmo documento, pode dizer-se ter sido aceite por grande parte dos biógrafos contemporâneos, como Pollock, Victor Delbos, embora não faltem, como é natural, as confusões na localização, como A. Wolf. Freudenthal, por seu lado, lera naquela indecifrável grafia do documento I Vidigueira — o que segundo cremos foi leitura aceite por alguns paleógrafos holandeses —, mas confundira a localização da vila alentejana com a Figueira, [da Foz]. 

Stanislas von Dunin-Borkowsky, que tão exaustivamente retomou os problemas biográficos da juventude e da formação intelectual de Espinosa, deteve-se com mais largueza que nenhum outro biógrafo neste pequeno e obscuro problema. O sábio jesuíta, que teve a fortuna de publicar pela primeira vez o registo do casamento de Micael com Hester de Espinosa (documento II) no qual se lê nitidamente Vidiger como local de donde o pai do Filósofo era oriundo, excluiu desde logo a Figueira [da Foz], afirmada por Meinsma, apresentando a hipótese, em face do silêncio dos arquivos portugueses, de Micael de Espinosa ser galego, de Vidiffere, e pertencer aos Espinozas da Galiza, historiados por Benito Alonso. Pela sua importância e para comodidade crítica, transcrevemos a exposição do insigne erudito:              

«Er vermutet, dass auch Miguel de Espinosa, Vater unseres Weltweisen, zu jenen Juden gehõrt habe, die dem Glauben ihrer Väter treu blieben. Vor den Verfolgungen habe er sich mit manchen andern nach Espino in der Pfarrei Vidiferre zurückgezogen, um von dort ganz nah an der portugiesischen Grenze nach Belieben und je nach den Anforderungen seiner Handelsbeziehungen und seiner persönlichen Sicherheit den Nachbarstaat betreten zu können. Diese Vermutungen des spanischen Gelehrten haben gewiss manches für sich.

Nur wird man für Miguel seinen Vater Abraham einsetzen müssen. Allerdings sieht man jene kampffrohen Espinosas nicht gern im Ahnensaal des friedlichen Philosophen von Amsterdam. Aber im Wissensdrang und in der Gelehrtenphysiognomie Baruch Despinozas erkennt man doch gern die Züge des gelehrten galicischen Juden und Neuchristen. Es mag ja sein, dass die Juden von Orense an Feinheit des Geistes dem Castilier und Andalusier nachstanden; bedeutende literarische Namen, Namen von Männern des Geschäftes und der Rede, weist aber auch das Galicien des 15., 16., 17. Jahrhunderts auf. Erinnere man sich nur an die zwei berühmten Ãrzte Lopes de Guadalupe, an die Schriftsteller Alfonso Enriquez, Enrique Ismael, Nuño Patiño, and den gelehrten Philipp Alvarez, an so gewandte Geschãftsleute avie die Pereiras, die Méndez, die Arias, die Moráis.

Unter den Amsterdamer Espinosas des 17. und 18. Jahrhunderts findet man freilich ausser dem Philosophen keinen literarisch berühmten Namen. Wir wissen nicht, ob man es auf Rechnung der Höflichkeit, der Freundschaft oder wirklicher wissenschaftlicher Verwandtschaft zu setzen hat, wenn Ishac Aboab de Fonseca im Jahre 1681 seine Paraphrase des Pentateuchs einem Daniel Iehuda Espinosa widmete. Höflichkeit gegen die Parnassim (Mitglieder des grossen Rates der Gemeinde) war es jedenfalls, wenn Manasse ben Israel sein Buch Esperanza de Israel dem Michael Espinosa und seinen Kollegen im Jahre 1650 widmete.

Auch manches biographische Rätsel würde durch de Annahme einer galicischen Abstammung der Despinozas befriedigend gelöst. Der Philosoph könnte wieder als Spanier angesehen werden, was er ja auch, trotz der gegenteiligen Behauptung alter Lebensbeschreiber, seinem ganzen Wesen und Wissen nach war. Und doch würde auch die Grenzstadt Vidiferre das Gerücht von der portugiesischen Abstammung hinlänglich erklären. Allerdings lesen wir in den holländischen Urkunden, welche den Stammort der Espinosas angeben, nicht Vidiferre, sondem Vidiger.

Nimmt man nun einen Einflss des Katalanischen an — eine recht willkürliche aber doch nicht unmögliche Voraussetzung so ist die Änderung des f in g direkt erklärlich. Erscheint aber die katalanische Sprachgrenze doch gar zu weit nach Osten hinausgerückt, um einen solchen Angriff auf einen Konsonanten in Galicien zu ermöglichen, so wird man nach spanischen Lautgesetzen das f zunächst in h zu verwandeln haben — filius hijo — und dann kann der in der Provinz Orense lebendige keltische Einfluss den Übergang von h in g leicht bewerkstelligen. Dazu kommt, dass Vidiguera in Südportugal damals nach Ausweis der Karten nicht unbekannt war, während der galicische Flecken Vidiferre im Ausland keine bekannten Erinnerungen wachrief. So konnten sich denn die holländischen Protokollschreiber, wenn sie den Namen eben nur aussprechen hörten, unschwer irren. Bleiben wir bei Galicien, so ergreift etwas wie eine Schicksalstragödie die unglückliche Familie der Espinosas.

Das dunkelste Blatt in der Geschichte der orensischen Juden bildet die unselige Treulosigkeit der verfolgten Juden gegeneinander. Söhne geben ihre Vãter, Mütter und Geschwister an, die eine Familie verklagt die andere, das eigene Leben, die Habe zu retten. Wer würde da nicht an die traurigen Erfahrungen denken, welche der Philosoph von Amsterdam mit seinen Blutsverwandten und Stammgenossen machte?

Vielleicht darf sich auch die Hypothese hervorwagen, dass der Vater Michael d'Espinosas wirklich von Galicien nach Vidiguera im südlichen Portugal entfloh, bis ihn die Verfolgung auch von dort vertrieb. Die Archive von Beja, der nãchsten grõsseren Stadt, bieten allerdings gar keinen Anhaltspunkt, und hir Schweigen ist nicht so leicht erklärlich, wie das der Archive von Espinosa und Vidiferre, welche durch die Kriegsfackel, die der spanisch-portugiesische Krieg entzündete, vernichtet wurden. Auffallend ist jedenfalls, dass Manuel Pinheiro Chagas im seinem Diccionario popular (vol. 12, Lisboa, 1883) die Familie «Spinoza» aus Beja abstammen lässt. Seine Quellen wären noch zu untersuchen. Einer der bedeutendsten portugiesischen Altertumsforscher der Jetztzeit, Annibal Fernandes Thomaz, vermochte leider keine nãheren Aufschlüsse zu geben.

So kommen wir denn über Möglichkeiten nicht hinaus. Jedenfalls kann man aber einige alte Vermutungen endgültig lallen lassen. Bevor Herr Wilhelm Meijer den Namen der iberischen Heimat der Espinosas in den zwei Dokumenten des Archivs von Amsterdam richtig als «Vidiger» entzifferte, las man Viuger oder Vieiger und meinte mit Hülfe einer allzu kühnen Umstellung auf Figueira bei Coimbra in Portugal, oder Viguera bei Logroño in Spanien schliessen zu dürfen. Abgesehen von diesem Lesefehler war die erste Konjektur aussichtslos. Von einer jüdischen Synagoge, einer jüdischen Gemeinde im portugiesischen Figueira ist keine Spur vorhanden. Das Pfarrarchiv des Städtchens befindet sich jetzt im Seminar von Coimbra und reicht bis zum Jahre 1603. Die Familie Espinosa ist darin nicht vertreten. Mehr Hoffnungen dürfte man an das spanische Viguera knüpfen. Befand sich ja dort von alters her eine jüdische Gemeinde, aus deren Geschichte im «Boletin» der Kgl. Akademie der Wissenschaften in Madrid im Jahre 1900 uertvolle Seiten veröffentlicht wurden. Ja noch mehr: P. Cãsarius Baztan S. J. gelang es, wie man mir schrieb, sowohl in Viguera als in Logroño, mehrere «Spinozas» aus dem 16. Jahrhundert ausfindig zu machen. Da es nun aber einmal festgestellt ist, dass der Stammort Vidiger resp. Vidifer zu lesen ist, wird man trotz all dieser Funde auf die beiden Flecken gern verzichten.     

So werden wir denn einer nicht ganz unwahrscheinlichen Hypothese folgen, wenn wir die Amsterdamer d'Espinosas der berühmten, von alter Zeit in Galicien ansässigen Marranenfamilie eingliedern. Diese Annahme hat jedenfalls nicht weniger für sich als die willkürliche Behauptung einiger Gelehrten, welche unter die Ahnen des Philosophen verschiedene berüuhmte Espinosas aus anderen Provin-zen Spaniens versetzen».  

Excluindo as divagações filológicas, o fundamento próximo da construção de Dunin-Borkowsky é, como se vê, o silêncio dos arquivos da Figueira (Coimbra) e da Vidigueira (Beja), em contraste com a documentação dos arquivos galegos de Orense e Viguera. Os livros paroquiais da Figueira da Foz não referem um único Espinosa no século XVII ; e embora se não deva esquecer, que em Buarcos, a par da Figueira, viveram numerosos cristãos-novos, alguns dos quais tiveram tratos com o Santo Ofício, as listas da Inquisição não referem um único Espinosa de Buarcos. Esta omissão, conjugada com a indicação do registo de Amesterdão, exclui completamente a hipótese da Figueira da Foz. 

Antes porém de examinarmos a localização na Vidigueira, detenhamo-nos um momento sobre a hipótese de Vidiferre, na Galiza. 

O Sr. Dunin-Borkowsky fora em grande parte atraído para esta localização pelas afirmações do investigador orensano Benito F. Alonso. Pela raridade do seu livrinho, Los Judios en Orense (siglos XV al XVII), Orense, 1904, transcreveremos as páginas referentes aos Espinosas:         

«Ocupado en la continuación del presente trabajo, recibo una carta de mi eruditísimo y venerado amigo P. Fidel Fita, dicióndome que uno Padre de la Compañia, catedrático de Felkirch (Tirol), [Dunin-Borkowsky] le escribe notificándole el descubrimiento, que ha hecho por la prosapia del célebre filósofo Benedicto de Espinosa. Que los autores que han tratado de esta cuestión se dividen en dos bandos: unos quieren que Miguel, padre de Benedicto, fuese portugués; otros, español. Los facsímiles (escritos en lengua extranjeira) demuestran que era natural de Vidigur, Vidigér, y dicho catedrático consulta sobre la reducción geográfica de este pueblo.

El P. Fita nos anima, pues, á emprender algunas investigaciones desde los años de 1580 à 1602, en que se supone estuvieron por Galicia Miguel y su hijo proponiéndonos como posibles varios pueblos que en esta provincia empiezan con Vidi, haciendo notar de paso que los descendientes del célebre filósofo han sido poseedores de um título nobiliario, etc., etc.

Atiendo con muchísimo gusto la pregunta y disquisiciones con que el eximio Padre se sirve honrarme, y desde luego acepto la invitación con que me estimula para la investigación de lo que ambos maestros ansían. En una nota (que retiro) al pie de una de las cuartillas de la continuación de este trabajo, estimaba probable la oriundez de Benito de Espinosa, dando como punto del nascimiento de sus padres la ciudad y provincia de Orense, en donde los Espinosa vinieron ocupando los puestos más importantes desde fines del siglo XIV, en que, arreciando las persecuciones, comenzaron algunos judíos á realizar su conversión, aunque no con la sinceridad apetecida.

Bautizados y todo, no por eso han cejado en sus trabajos de propaganda secreta, ni dejaron obstáculo en pie, tratándose de la religión mosaica, y especialmente de vivir y prosperar en el país adoptando como centro de sus operaciones y negocios. Para esto metieron al juego toda su habilidad y diplomacia, conseguindo abrirse camino en los destinos públicos y hasta en las prebendas y canonicatos. Para muestra, citaremos á los PP. Fita y Tirolés lo que sabemos de algunos Espinosa convertidos.

El año de 1389, Ruy Sanchez de Espinosa es uno de los que, al frente de las turbas orensanas, rompe á hachazos las puertas del palacio episcopal y hace firmar al obispo de Orense D. Pascual Garcia la escritura de concordia y respuesta al capítulo de cargos, entre los cuales figura el de que el prelado hacía vigilar ! Gorina, condesa de Fromesta, porque faciá encantamentos é céras.

D. García Diaz de Espinosa, merino y corrigidor de la ciudad de Orense, capitaneó la conjura y persecución del obispo don Francisco Alfonso, en 3 de Noviembre de 1419, uniéndose al famoso Diáz de Cadórniga y á López Mosquera, derribando al prelado de la mula, le arrojó en el pozo Maimón, flotando luego su cadáver en las aguas del Miño.      

En 1505, D. Ochoa de Espinosa, canónigo de la Catedral y abad de la santí-Trinidad de Orense, apareció nombrado regente y administrador de la abadía de monjes de Osera, y tan buena cuenta dió de las rentas del monasterio, que los frailes se quejaron á Roma repetidas veces, sin que en 28 años se lhes haya atendido: el año de 1533, caminando hacía el convento, al pasar Ochoa por el pueblo de Villanfesta, los labradores, arrojando la azada y arrancando los esta-dulos de los carros, le mataron á estadullazos, en la vía pública.

Los Espinosa, corno los Guadalupe judíos conversos, tuvieron buen tato  de emparentar con los Novoa, Prado, Puga, Villamarín y otras familias influyentes de la ciudad de Orense, cosa que les puso á salvo de ciertas persecuciones y les abrió paso hasta llegar á los primeros destinos, como dicho queda e como se ve por el nombramiento de regidor de la ciudad echo en la persona del licenceado Alonso de Novoa y Espinosa el año de 1584, y las reales cartas nombrando corregidores, en 1622 â Francisco de Espinosa, y en 1677 á D. García de Espinosa.

En el combate de los embozados que el año de 1697 tuvo lugar en la Rua oscura, de la ciudad, entre los de la ronda y la gente del chantre, el licenceado Juan de Espinosa, regidor que dirijía la ronda que armada de espadas y rodelas acometia, fué quien, al recibir «unhâ pedarda na cabeça é outra na illarga», gritó «!Favor al Rey! Favor al Rey!», como consta en el acuerdo del Ayuntamiento de 17 de Noviembre de aquel afio.

Otro corregidor Espinosa ocupó uno de los primeros puestos en la recepción que el año de 1622 se hizo al obispo D. Juan de la Torre, que en el camino de Sejalvo á la capital se hallaba en el bando de los piqueros y arcabuceros que, prendiendo fuego á la cuerda y arremetiendo contra la gente del prelado, coronaron el recibimiento con heridos, contusiones y disgustos.

De todos estos desórdenes nos hemos ya ocupado, y no volveriamos sobre ellos si no quisiéramos ilustrar con antecedentes la pregunta con que el P. Fita nos honra; y respecto á los judíos de Orense, pudiéramos reproducir las palabras del P. Alvarado: «que los judíos eran entonces los amos del dinero, porque ellos eran los unicos comerciantes, renteros que había; fingiéndose cristianos se introducían en traído con nosostros muchos y muy estrechos enlaces. Los judíos tanbién solían tener sus hijas bonitas y valerse de hermosura para hacerse lugar...».

Mucho pudiéramos seguir diciendo, pero nos concretaremos volviendo á los Espinosa, de los cuales no hemos de pasar por alto hembras como Sara, Mónica, Teresa, Jacinta, Francisca y muchas otras que se han enlazado con las familias atrás referidas.

En cuanto á Miguel, padre de Benedicto de Espinosa, creemos que vivió en esta ciudad de Orense; pero, resistiéndose á la conversión, fué de los que se han retirado al pueblo de Espino, en al parroquia de Vidiferre, ayuntamiento de Oimbra, en el partido de Verín, cuyo pueblo hállase á muy corta distancia de Portugal, ofreciendo á Miguel facilidad de pasar y repasar la frontera, según la necessidad del tráfico y la persecución se lo deamndaban. Después, acaso por Ias relaciones íntimas que sostenía con sus colegas de Portugal, se fué con ellos á Amsterdán, y alli ocurrió á su hijo Benito lo mismo ó cosa parecida á lo que nuestros lectores han visto en la carta que insertamos de Daniel Barros, dada á luz por Menéndez y Pelayo.

Y en cuanto al abolengo de nobleza que se dice que afectaron los ascendientes del notable filósofo cartesiano, lo cremos natural, puesto que el Marqués de Bóveda de Limia erã un Espinosa, y sus dominos en esta provincia llegaban hasta Verín y Vidiferre. En la ceremonia de aclamación de Felipe V, en la ciudad de Orense, el 13 de Diciembre de 1700, tratándose del orden de la comitiva, y con referencia a un pariente de Benedicto, se dice lo seguinte:

`En un caballo muy adornado y muy cenido a las leyes del acierto, iba D. Nicolás de Espinosa Feijóo, cabaljero de la orden de Santiago y Marqués de Bóveda, que con ir tan vistoso no se oponía á la severidad de la toga de tan gran Ministro. A este aire, á este corte y á este lustre ajustanse hombres como él'.

Acumulando probabilidades de oriundez, pudiéramos tanbién reclamaria en favor de la parroquia de Espinosa, en el partido de Celanova, en Cartelle, pero nos parece haber ya dicho lo bastante respecto al particular; y para confirmar la seguridad que abrigamos de que Espinosa el filósofo era de la provincia de Orense, nos falta únicamente la exhibición de la partida de nascimento, cosa nada fácil por no conservarse en Vidiferre apuntes referentes á aquellos años, quemados en el de 1705, cuando, durante nuestra guerra con Portugal, las tropas lusitanas entraron repetidas veces al saqueo de los pueblos de Espino, Vidiferre, Villarelo y otros, en que hubo combates, incendios y otras desgracias que más por menor detallamos en nuestro libro Guerra hispano-lusitana.

Los judíos de Orense y Pontevedra, y aun los dei de las provincias gallegas durante las persecuciones de los siglos XVI y XVII, mantuviéronse entre Galicia y Portugal indistintamente, fijando su residencia aquende ó allende, según arreciaba la malquerencia de sus denunciadores, y en relación con las determinaciones más ó menos enérgicas de los reys de Portugal y de Castilla. Si un decreto los empuj aba desde aqui á la nación vecina, otro los obligava al retorno, pasando y repasando la línea de la frontera, si bien perseguidos, no para emprender, como los de outras provincias, largos viajes, ni surcar el Oceano en busca de alguna playa de tierra más hospitalaria. Galicia y Portugal han constituido el campo de sus operaciones durante alguns siglos, y aqui han quedado conversos, de grado ó por fuerza, la mayor parte».

Benito Alonso, com a satisfação de um erudito provinciano, deu-nos apenas probabilidades, legítimas aliás perante a dificuldade da leitura do documento I.

Era no entanto muito pouco; e esse mesmo desaparece em face de um processo de inquirição de genere, vita et moribus para oposição a um dos partidos de estudantes da Faculdade de Medicina de Coimbra. Sem remontar à legislação de D. Sebastião, basta-nos saber que pelo Regimento dos Médicos e Boticários Cristãos Velhos, confirmado em 1604, se determinava que «pera o bem commum destes Reinos ouvesse sempre na Universidade de Coimbra trinta estudantes Christãos velhos, de boas partes, e calidades, que estudassem medicina e cirurgia, e que a cada hum delles, se dessem vinte mil reis de porção cada anno, e lhe fossem pagos aos quarteis, á custa das rendas dos Conselhos de certas Cidades, Villas, e lugares, que pera isso applicou».- Para a obtenção deste partido, tornava-se necessário um processo de habilitação, que o mesmo Regimento estabelecia.

Assim «os que ouverem de ser admittidos ao partido de Medicina, não hão de ter raça de Judeu, Christão novo, nem mouro, nem proceder de gente infame, nem ter doenças contagiosas: hão de ter habilidade, e esperanças, e sendo possível, honrados, e de boa graça, e pessoa, porêm ainda que o não sejão, nem por isso se terão por inhabens, tendo as mais calidades».

«Para constar que os pretendentes tem as partes sobreditas, farão petição ao Reitor, em que declarem donde são naturaes, e cujos filhos: e elle por seu despacho mandará passar carta em meu nome para os Corregedores, e Justiças, fazerem as ditas informações com muito segredo, tirando as pessoas antigas, e honradas, da Terra, e sem suspeita, e não as testemunhas, que por parte dos pretendentes, ou de seus parentes se nomearem: as quais Justiças serão obrigadas a comprir as tais cartas, por que em meu nome lhes mandar fazer qualquer destas diligencias».

Foi a um partido desta natureza que em 1726 requereu o estudante da Universidade de Coimbra Mauro António de Espinoza, ou Mauro António Esteves de Espinoza, natural de São João de Escudeiros, bispado de Orense, filho legítimo de Paulo Esteves de Espinoza, natural de Orense, e de Beatriz de Nóboa e Espinoza, também de Orense, moradores no lugar de S. João de Escudeiros, neto paterno de Rodrigo Esteves de Espinosa e de Jacinta Monteiro, naturais do referido lugar de São João de Escudeiros, e neto materno de António de Nóboa e de Bernarda de Araújo, naturais de Orense.

O requerimento foi deferido em 4 de Fevereiro de 1726; e consequentemente se despacharam as inquirições para Lisboa e Melgaço — esta, por ser a povoação portuguesa mais próxima de São João dos Escudeiros, da qual dista apenas três léguas; aquela, por nela residirem alguns conterrâneos do requerente.

Os depoimentos coincidem em corroborar a filiação indicada, e a pureza de sangue. Os de Lisboa pouco adiantam; porém dos depoimentos vindos de Melgaço há factos, que invalidam as conclusões de Benito Alonso, e consequentemente a localização proposta pelo Sr. Dunin-Borkowsky. Assim, a testemunha Álvaro Martins, clérigo, morador no lugar e freguesia de São Pedro de Poulos, Galiza, bispado de Orense, declara conhecer a família há 30 anos, sendo todos «cristãos velhos e de limpo sangue, sem raça alguma de judeus, nem de mouros, nem de mulatos, nem de cristãos novos convertidos, antes foram sempre tidos e havidos por legítimos cristãos velhos, e sempre comummente por tais reputados, sem haver a mínima fama nem rumor em contrário».

Este depoimento é comprovado pelo de todas as testemunhas, acrescentando, porém, algumas várias referências à família, como Lourenço Vasquez de Vergara, imaginário, morador em São Pedro de Poulos (bispado de Orense) e Diogo Rodriguez, natural de São João de Escudeiros, o qual declarou que os Espinosas pertenciam à «melhor geração e famílias daquela província, e parentes em grau próximo de muitos condes e marqueses».

Quer os conterrâneos de Mauro António de Espinosa (São João de Escudeiros), quer os de seu pai (São Pedro de Poulos), todos corroboravam a limpeza de sangue e a fidalguia. Creio que este facto, preciso, e inteiramente inédito, alui a construção do Sr. Dunin-Borkowsky; e consequentemente é para Portugal que nos devemos volver.

Em Amesterdão, como vimos, foi tradição ininterrupta que a família de Espinosa era originária de Portugal, e embora a comunidade de crenças e de amarguras identificasse espiritualmente os emigrados, não se confundiam, como nos nossos tempos, «os judeus da nação portuguesa» com «os judeus da nação espanhola». A tradição familiar e por assim dizer de pátria mantinha-se.

Perante o insucesso dos seus tenazes esforços e da solicitude dos seus informadores, o sr. Dunin-Borkowsky podia invocar o silêncio dos arquivos portugueses; hoje, porém, em face da documentação referente a Espinosas, que durante o século XVI viveram em diversas localidades de Portugal, o problema enriqueceu-se com novas dimensões. Não podemos em rigor, com documentação portuguesa, fixar um local para o nascimento de Miguel de Espinosa; mas, enquanto não surge o documento decisivo, nada nos inibe de aceitar a Vidigueira, indicada no registo de Amesterdão.

Nos séculos XVI e XVII, sabemos terem vivido Espinosas em Viana do Castelo, Guimarães, Lamego, Leiria, Faro, Açores, Porto, Lisboa e Évora.

Em Viana, Belchior Despinoza é processado pela Inquisição de Lisboa. O seu processo, que durou desde 5 de Junho de 1565 (mandado e auto de prisão), até 1 de Abril de 1566 (acórdão absolutório), revela-nos que Belchior era natural de Guimarães, e que o apelido procedia da mãe, Catarina Fernandes Despinoza, embora fosse filho legítimo de Álvaro Pires, e se consorciara com Branca Fernandes, cristã-nova, que já havia estado presa na Inquisição de Lisboa. Tinha uma irmã, Brites Despinoza, casada com Fernando Costa, moradores em Monção. Arrastara-o ao monstruoso tribunal a acusação de ter dito que «Nosso Senhor não levara a cabo e quebrara o jejum de quarenta dias e de quarenta noites, comendo pão que pedira a seus discípulos», o que se considerava heresia; e embora as testemunhas depusessem a favor da pureza do seu sangue e da fidelidade das suas crenças, tudo indica que Belchior Despinoza era marrano: na apostila do processo e no mandado de captura apontam-no como cristão-novo.

Em Lamego temos notícia, em 1625, de «Manuel Cardoso Espinosa, cristão novo, de idade de 60 anos, natural de Lamego, morador em Viana [do Castelo], arcebispado de Braga, preso segunda vez por encobrir pessoas em sua primeira confissão».

Em Leiria, viveu — e nasceu, se dermos crédito a Barbosa Machado —, nos meados do século XVII, um Francisco de Espinosa, professor de Matemática, e autor de um Prognóstico diário das marés, de um dia sucessivamente em outro dia, com o calendário, mudanças de tempo, e aspetos da lua com o sol e seus eclipses, para o ano de 1661, Lisboa, 1660. O simples título deste opúsculo não denuncia a secreta fidelidade aos estudos tradicionais dos judeus peninsulares?

Se o seu criptojudaísmo é duvidoso, o da maioria dos Espinosas portugueses é transparente. Assim, o médico João Rodrigues Espinosa, morador em Fontelonga, termo de Moncorvo, que em 1610 transferiu a sua residência para o Porto, onde foi preso pela Inquisição, e seu filho, Manuel Dias Espinosa, nascido em Fontelonga, também processado pela Inquisição, na qual confessou atos de judaísmo, pelo que saiu condenado a cárcere e hábito perpétuo no auto-da-fé de 5 de Maio de 1624.           

No Porto viviam em 1561 um Espinosa, socorrido pela Misericórdia de Porto ; em 1575, um Francisco Despinosa, proprietário  e em 1605, um outro Francisco Despinoza, natural de Faro, a quem a Misericórdia portuense também socorrera.          

Em Lisboa, aparecem-nos em 1503 o pintor João Despinosa, e em 1533-1554, um António Despinhosa, pintor também — porventura filho daquele e aparentado com Ester de Espinosa, a terceira esposa de Micael de Espinosa, cujo registo de casamento em Amesterdão declara, como vimos, ser natural de Lisboa. Nos Açores temos conhecimento de indivíduos deste apelido, como o Capitão Diogo Lopes de Espinosa, dos Fenais (1582), os quais entroncam, segundo os genealogistas, nos Espinhosas de Burgos.

Esta sumária enumeração, tão concisa para a nossa curiosidade, mostra-nos que em todas as províncias de Portugal viveram nos séculos XVI e XVII indivíduos de apelido Espinosa  - apelido este que caiu em desuso do século XVIII em diante, talvez porque os vitupérios contra o Maledictus importassem para os seus portadores a suspeita de cripto--judaísmo Se alguns se apresentavam como cristãos-velhos, e até enobrecidos pela prosápia dos Espinosas castelhanos, a maioria, porém, mal pôde velar a ascendência israelita e a prática secreta do judaísmo. Miguel de Espinosa pertencia, sem dúvida, a uma família de marranos, porque só demandavam Amesterdão os corajosos a quem a forçada dissimulação interiormente vexava e publicamente aspiravam a invocar o Eterno e a viver segundo a Lei.

Os factos até agora apontados mostraram-nos apenas a difusão dos Espinosas, mas não inculcam uma resposta concreta ao problema da naturalidade do pai do Filósofo.

Sabemos que o registo do terceiro casamento com a sua parenta Ester de Espinosa, de Lisboa, indica claramente a Vidigueira. Orientando neste sentido, as nossas investigações, e as de amigos a quem as solicitamos, nada obtivemos de decisivo: apurámos apenas que em Évora, em 2 de Dezembro de 1573, testemunhava a aprovação do testamento do humanista André de Resende, um modesto «Rodrigo de Espinhosa, trapeiro, morador em Évora». Este facto revela-nos que no Alentejo viviam no século XVI Espinosas, e se um nos aparece em Évora, que dista 25 quilómetros da vila da Vidigueira, não é porventura verosímil admitir que nesta vila nascera Micael de Espinosa? A prova decisiva, informa-nos o Dr. José Leite de Vasconcelos ter sido descoberta, mas não publicada até agora, pelo investigador Cardoso de Bettencourt: «Segundo as investigações do Sr. Cardoso de Bettencourt, ainda inéditas, mas de que ele me deu conhecimento, o pai de Espinosa nasceu na Vidigueira, o que consta do assento do casamento deste (existente no Arquivo Municipal de Amesterdão) e não na Figueira, como alguns autores erradamente supuseram.

«O sr. Bettencourt encontrou na Torre do Tombo vários documentos que também provam que a família do filósofo habitou a Vidigueira pelos fins do século XVI, donde ela, depois da expulsão dos judeus, bárbara e inscientemente ordenada por D. Manuel, passou primeiro para França e depois para a Holanda».

Só a publicação dos documentos decidiria plenamente; mas esta afirmação, conjugada com a referência do testamento de André de Resende, não envolve a contraprova do registo de Amesterdão, que indica a Vidigueira como terra natal de Micael de Espinosa?

Esclarecido, em parte, o problema da naturalidade, resta-nos o da ascendência. A hipótese geralmente formulada e por vezes aceite de Abraão de Espinosa, de Nantes, cuja existência em Amesterdão é documentada em 1622, 1625 e 1628, ser o progenitor de Micael de Espinosa afigura-se-nos pouco consistente. A Menioria de las Personas que ay en la Nacion cazadas, en 19 de Sivan, 5435 (1675), indica 6 chefes de família, de apelido Espinosa (Abraham Espinosa Catela, Abraham Iesurun Espinosa, Benjamin Espinosa Catela, Daniel Iesurun Espinosa, Yahacob Yserum Espinosa, e Moseh Yesurun Espinosa).

Podiam, porventura, todos ser parentes próximos do Filósofo? Sem dúvida que não, pois sabemos que em 1677, data da sua morte, apenas viviam sua irmã Rebeca, e o sobrinho, Daniel Carceres, filho de Miriam.

Estes factos, que creio nunca terem atraído a atenção dos biógrafos de Espinosa, parecem inculcar a existência na comunidade de Amesterdão de diferentes famílias, porventura aparentadas mais ou menos proximamente, de apelido Espinosa. Assim, afigura-se-nos mais que provável em face das afirmações de Mathorez, que o ramo dos Espinosas, que emigrou de Portugal, primeiro para Nantes, e mais tarde para Amesterdão, pertencia à família do médico João Rodrigues Espinosa, que encontramos no Porto, em 1610.

Desde que aceitemos a Vidigueira como terra natal de Miguel de Espinosa torna-se quase imperativa a conclusão de que pertencia a uma família, aparentada ou não, mas em todo o caso diversa, da família de Abraham de Espinosa, de Nantes, a qual talvez se filiasse nos Rodrigues Espinosas. Porque recusar a hipótese de ter emigrado diretamente de Portugal para a Holanda, como tantos outros correligionários, que fugiam às suspeitas da Inquisição ou demandavam um asilo para as suas crenças, sem estacionar em Nantes, onde os Judeus não encontravam uma atmosfera de liberdade religiosa?

Começamos este estudo invocando a confissão de Bayle, e terminamo-lo com uma pergunta. Ignorância, dúvidas, problemas, constituem em verdade a sua matéria. Até quando?

Universidade de Coimbra.


?>
Vamos corrigir esse problema