1. Geografia literária, de José Osório de Oliveira

O que pensam, o que sentem e o que querem os de trinta anos? O leitor tem diante de si uma resposta.

Atingida a meta em que o espírito, sob o sorriso de esperanças, esconde já o vinco das primeiras desilusões e inicia a rota da plena consciência, seguro de si, das suas qualidades e dos seus defeitos, é esta a idade das viragens decisivas e dos intentos resolutos, perante a qual os de mais de quarenta se aproximam com vago temor, na incerteza de uma despedida ou de uma saudação. A resposta de Osório de Oliveira é uma resposta de âmbito literário, limitada portanto; mas, na sua limitação, tem um acento de significação geral, porque é a resposta de um autodidata que teve por única escolaridade as curiosidades pessoais e as solicitações do ambiente, desde o terno e cultíssimo meio familiar às atrações do convívio citadino, incerto e vário, salvo na aceitação dócil do meridiano intelectual de Paris. Como raros dos da sua idade, Osório de Oliveira pode invocar a sua experiência pessoal, as suas crises ideológicas e a sua reforma de valores, às quais veladamente alude e talvez lhe ditem um dia a matéria de novos ensaios.

Viajou por dois continentes e viajou sobretudo pelos livros e em si próprio, habitando com plena sinceridade, sem as mutilações do ressentido, os dois mundos, tão diversos que quase se diriam polares, em que hoje se reparte a nossa juventude; e destas viagens pela natureza que sempre permanece e pelos livros e pelos homens que felizmente mudam, colheu, sob o apelo da nostalgia, a maturidade de juízo. Apelo da nostalgia escrevi. É que Osório de Oliveira, como todos os jovens que apetecem desterrar a trivialidade sob a tentação de um ideal, ouviu as duas vozes que convidam à emigração do atual:

a voz do pretérito, saturada de história e continuidade, e a voz do porvir, descontínuo e duvidoso, aquela exprimindo-se pela evocação, esta, pela viagem, seja no tempo vindouro, seja no espaço desconhecido. O seu espírito recolheu as duas mensagens tão opostas, e, tendo-se sucessivamente deixado seduzir por ambas, quedou afinal no apelo do longínquo e do porvir, ou, como ele confessa, “na saudade daquilo que não conheceu, e no desejo insatisfeito mas ainda esperançado”. Daí estes ensaios de Geografia Literária, que não de história, quero dizer de integração no fluir do antigo, e nos quais se orienta com diáfana lucidez através da diversidade literária das latitudes, sejam geográficas, sejam estéticas. Depois de um século tão historicista como foi o século XIX há o sabor do novo neste rumo geográfico. Conduzir-nos-á ele a perspetivas inéditas e fecundas?

O leitor que prefigure a resposta, se ama as aventuras pela utopia ou pela ucronia; e, volvendo à Geografia Literária, reconhece-se um outro traço de modernidade na urdidura dos seus ensaios. É que é o livro de um crítico, que vê, observa e aponta, sem a preocupação tradicionalmente escolar de apreender no novo o antigo, de confundir o hoje com o ontem, e a distância com o espaço. Não tenta aprisionar, como os modernistas de vinte e cinco anos, o instante e a mobilidade, nem com eles partilha da ânsia de frescura ingénua e primitiva, mas o seu eu é igualmente irredutível, já que a natureza e as obras de arte o estimulam com reversão pessoal, que não por contato. É pois um novo, pela sua cultura, pelo seu ideário e pela sua atitude, com seu lugar inconfundível na geração que sobe. “Crítico e só crítico me considero”, confessa, e nesta confissão vibra a confidência de quem, tendo sacrificado ao delírio da imaginação e ao pensar por frases, conquistou com esforço pessoal a região serena das ideias. Algumas passagens do seu livro revelam-nos uma marcha no sentido da análise subjetiva e da sondagem emocional, coloridas porventura pelo romanticismo; mas seja qual for o rumo futuro do seu espírito, a Geografia Literária perdurará como afirmação de um talento promissor e testemunho de compreensivo senso crítico, a flor rara dos nossos tempos passionais.


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