II. Teor da originária educação romana (séculos VIII-III a.C.)

A paideia ateniense desenvolveu-se a partir do ideal cavalheiresco dos poemas homéricos; a educatio romana, por seu turno, constituiu-se e desenvolveu-se a partir da iniciação à vida consuetudinária de uma aristocracia rural, cujos valores fundamentais eram o respeito às tradições, a obediência ao culto, às virtudes familiares e ao mos maiorum, e o sentido realista e prático da conduta.

Este teor da formação, que ainda influenciou a romanização, designadamente no território que hoje constitui Portugal, apesar de já aparecer mais ou menos idealizado em escritores da época imperial, tem como característica dominante o facto da educação se operar na e pela família, com acentuado sentido moral e cívico.

Primitivamente, até finais do século III a.C., a escola, como instituição docente, não conta na educação do romano, cabendo à família a função formadora e educativa, tanto mais que a nutria e estimulava o sentimento da responsabilidade dos próprios deveres.

Na puerícia, era a mãe quem cuidava, repreendia e castigava os filhos. Na família romana, a esposa foi a guardiã do lar, gozando a matrona de uma consideração e de um respeito que a mulher ateniense não conheceu.

Da meninice à adolescência, pelos dezasseis anos, pertencia ao páter-famílias, diretamente ou por intermédio de um amigo, o ensino dos rudimentos da leitura, da escrita e do cálculo, bem como o do tirocínio da futura atividade, a aprendizagem do manejo das armas e a iniciação à vida pública. Em regra, a educação terminava pelos dezasseis anos, quando o adolescente vestia a toga virilis e uma pessoa de idade o encaminhava e introduzia na vida da coletividade.

Esta educação, que se desenvolvia em ambiente de severa disciplina doméstica, em ordem à robustez física e à integridade moral, não abandonando o jovem ao livre jogo dos impulsos e das atrações, teve por objetivo capital a formação do bom cidadão, mas com estruturação diferente da paideia helénica.

Na Grécia, procurou realizar-se o ideal formativo do cidadão, já pela direção do Estado, com exclusão da família, como em Esparta, já pela combinação do Belo e do Bem e pelo desenvolvimento harmónico do espírito e do corpo, como em Atenas; em Roma, porém, de acordo com a índole do seu génio e das suas próprias necessidades sociais, houve em vista, quase exclusivamente, a capacitação para a vida prática, pública e familiar, para a iniciação progressiva numa profissão, para a dedicação ao interesse coletivo e para o sentido austero da conduta. O costume, o meio social e as tradições domésticas, os instituta majorum e o mos patrius, desempenhavam o principal papel. Daí, o lar ser a primeira escola da puerícia, a qual se desenvolvia na crença e no respeito das numerosas divindades que presidiam a todos os atos da vida, tais como a deusa «Lucina» que protegia os olhos que se abrem à luz, «Cuba», o sono, «Eduna» e «Potina», o comer e o beber, «Fabulinus», a fala, etc., etc. O páter-famílias era, a um tempo, como escreveu Fustel de Coulanges (La cité antique), o homem forte, que protege e se faz obedecer, o sacerdote, o herdeiro e continuador dos antepassados, o progenitor, o depositário das tradições e o mantenedor dos ritos e tradições. A sua autoridade, indiscutida senão absoluta, impunha o respeito e exigia a submissão.

Nas famílias patrícias e de maior ascendência social, quando o filho atingia a idade em que podia acompanhar o pai, este levava-o consigo, já para ver e aprender a lide agrícola, já para se iniciar na vida de relação, na visita a casa de amigos, e na vida pública, no fórum.

Nesta sociedade de pequenos proprietários, cuja atividade era principalmente absorvida pela lide agrícola, o filho-família da classe dominante dos patrícios formava-se na escola da vida prática, sem a instrução literária das «palestras» e sem a camaradagem dos «ginásios», tanto mais que a educação física tinha somente em vista a robustez, longe do ideal da competição desportiva e da harmoniosa proporção das partes do corpo.

Normalmente, considerava-se que o adolescente estava apto para assumir responsabilidades aos dezasseis anos, sendo o facto assinalado pela substituição da túnica com franja de cor, a toga pratexta, pela túnica branca, a toga virilis.

A instrução propriamente intelectual era escassa. No início, consistia nos rudimentos de leitura, escrita e cálculo, e mais tarde, c. 450 A.C., no conhecimento da Lei das Doze Tábuas. Houve escolas públicas, mas em pequeno número, ao que parece. A aprendizagem da leitura fazia-se por vezes com soletração em voz alta ao ritmo de melodias ou com a disposição de letras em peças de osso. A escrita aprendia-se com o estilete, que se aplicava numa tábua revestida de cera, havendo a preocupação da perfeição, para que os caracteres se tornassem facilmente inteligíveis. Para o cálculo, cuja aprendizagem não era fácil por se não empregar o zero, recorria-se à contagem pelos dedos e ao uso de letras como cifras e de outros sinais.

Esta educação tendia essencialmente a formar a pie tas, ou o respeito pelos deuses da família e pela própria família, a constantia, ou firmeza de ânimo, e a gravitas, ou o sentido da dignidade pessoal. No fundo, uma educação doméstica, conservadora e autoritária, vinculada intimamente à organização social, como convinha a uma sociedade de pequenos proprietários, aptos física e moralmente a manejar o arado, a empunhar a espada e a cumprir os deveres cívicos. A educação, por isso, não tinha em vista a capacitação de atividades intelectuais ou artísticas mas a formação tradicional e o tirocínio da vida prática, assentando no comportamento ético-religioso, na robustez física e no regime sadio. Foi o que, mais tarde, Juvenal exprimiu na rogativa famosa «Ornandum est ut sit mens sana in corpore sano», na qual o anelo de «mente sã» tem o sentido do juízo de Dilthey, na sua História da Pedagogia, acerca da primordial e originária educação romana: consciência da conexão do presente com o passado, acompanhada, em relação a este, da gratidão, da piedade, da continuidade e do sentimento do direito.


?>
Vamos corrigir esse problema