I. Sentido ideal educativo cristão

Com o Evangelho abriu-se nova era na história da Humanidade e, consequentemente, a da Educação. «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida», anunciara Jesus Cristo, bastando estas palavras para mostrar que o Cristianismo trouxe consigo um ideal educativo de raízes e de sentido diversos dos da educação grega e romana, pelo que se compreende que Clemente de Alexandria designasse Jesus Cristo de «pedagogo do género humano» e São Jerónimo, a despeito da sua formação e da sua cultura literária, tivesse escrito a frase famosa «Mentiris, Ciceronianus es, non Christianus», claramente reveladora do contraste do ideal cristão com o do homem culto e com o do orador-homem público da época imperial romana.

Com efeito, a mensagem cristã, pelo seu sentido e universalidade e pelo carácter absoluto das verdades reveladas, anunciava valores antitéticos dos que nutriam a cultura e estavam na base das sociedades helénica e romana. Dirigindo-se aos indivíduos, e não aos Estados e poderes públicos, o Evangelho situava-se fora das fronteiras políticas e das diferenças de raça, de sexo, de classe e de idade. Como consciência que anela a salvação eterna, o cristão não podia ter como ideal formativo e orientador a atividade teorética do cientista helenizado, a fruição estética do homem esclarecido, o auto--domínio do sábio estoico e o hedonismo dos discípulos de Epicuro. O mundo em que nasceram estes estilos de vida e estas conceções não podia ser o mundo do cristão; por isso, as comunidades cristãs se construíram sobre crenças, sentimentos e valores, que impunham o abandono da formação intelectual, estética e cívica da pedagogia helenístico-romana pela prevalecente educação religiosa e moral. Se todos os homens são filhos de um só e mesmo Deus e «um só em Jesus Cristo» não havendo gregos nem judeus, escravos nem livres, como disse São Paulo, em todo e qualquer indivíduo há que respeitar a mesma paternidade e o mesmo valor humano.

O personalismo da conceção cristã, ao contrário da conceção pagã, que não conferia valor originário e radical ao ser humano, bastaria, por si só, para determinar um ideal educativo diverso do paganismo, mas outras determinações vieram levar mais longe o contraste.

Com efeito, a filosofia helénica foi essencialmente intelectualista, deu primazia aos problemas relativos à conceção do mundo e teve por ideal a contemplação teorética de verdades racionalmente estabelecidas e justificadas; o pensamento especificamente cristão, porém, polarizou-se na problemática de ântropo-teologia, em ordem a um ideal ético-religioso, para o qual a sensibilidade afetiva também concorre como atividade criadora. Daqui, o predomínio, na literatura patrística dos primeiros séculos, dos temas relativos à teodiceia, às relações da razão e da fé, à conduta e ao sentido da vida ultraterrena.

Além disto, nas sociedades helénica e romana, era o direito e a prática da cidadania que conferiam valor ao indivíduo nascido de pais livres, pelo que a educação teve por destino a vida do Estado, quando não foi totalitariamente organizada e dirigida pelo Estado, como em Esparta; nas comunidades cristãs, é o Reino de Deus o anseio da mente e do coração, pelo que a educação tem primacial e fundamentalmente em vista o destino ultraterreno, não sem indiferença, aliás, pelas atividades estritamente científico-naturais e estéticas.

O ideal educativo adquiriu, assim, novo sentido, o qual não só brotava de crenças profundamente diversas das do mundo pagão, senão que aspirava à universalidade, em virtude dos preceitos divinos se darem intrinsecamente como objeto do pensamento e como móbeis da conduta.

Por isso, a propagação do Cristianismo determinou, por um lado, a elaboração de conceções educativas coerentes com a sua própria doutrina e a revisão das disciplinas ensinadas nas escolas pagãs e, por outro, a organização de instituições adequadas.


?>
Vamos corrigir esse problema